A liquidez do mundo

NÃO HÁ FALTA DE ÁGUA NA TERRA, MAS MAU APROVEITAMENTO

Parece um contra-senso: o planeta azul onde moramos chama-se Terra, mas é quase todo coberto de água. Mais precisamente, dois terços da superfície, ou 71%. A contradição não pára por aí. Apesar dessa abundância líquida - ou talvez por causa dela -, o mundo vive tempos de secura. Esbanja-se um bem que, aprende-se a duras penas, nem sempre é encontrado onde se precisa e muitas vezes não tem a qualidade necessária para ser utilizado.

De toda a água existente na Terra, apenas 2,5% é fresca, ou como se costuma dizer, doce. Mesmo esse valor não pode ser todo aproveitado, pois mais de 70% estão nas geleiras polares. Restam 0,75% para dividir entre os 6 bilhões de humanos. Parece pouco, não? Infelizmente, a conta pode ficar pior. Segundo a Organização das Nações Unidas, no último meio século, a disponibilidade de água por ser humano diminuiu 60%. Enquanto isso, a população aumentou 50%. Como se pode matar a sede de tanta gente? A resposta, em alguns casos, tem sido procurar onde ela existe em excesso para abastecer as regiões mais esturricadas. Em Los Angeles, na costa oeste americana, por exemplo, onde a chuva é tão rara que virou notícia, a prefeitura vai buscá-la cada vez mais longe - a centenas de quilômetros de distância, quase na fronteira com o Canadá. Em outros lugares, nem isso é possível. Na Cidade do México, os cerca de 20 milhões de habitantes assistem impotentes à diminuição de mais de 3 metros por ano do lençol freático principal.

Dados assustadores

Moradores de grandes metrópoles, como a Cidade do México, São Paulo e Rio de Janeiro têm motivos de sobra para se preocupar. Setenta por cento da água nesses lugares costuma ser mal aproveitada. E por falar em estatísticas apavorantes, a ONU estima que 5,3 milhões de pessoas, na maioria crianças, morrem todo ano por doenças causadas por água contaminada. O Ministério da Saúde adaptou essa conta à realidade brasileira: 30% das mortes de crianças com menos de um ano de vida se devem à diarréia e 65% das internações pediátricas são causadas por doenças também relacionadas à água.

Volta-se à impressão inicial de contra-senso. Desde que a vida surgiu na Terra, há pouco mais de 3,5 bilhões de anos, a água foi fundamental como base da alimentação dos organismos e como meio de desenvolvimento de plantas e animais. Ela é tão bem aproveitada que, ao longo de milhões de anos, o mesmo estoque original em movimento alimenta rios, lagos e aqüíferos ou reservatórios subterrâneos no chamado ciclo hidrológico (veja quadro).

Mas para que esse ciclo não se altere, é preciso preservar as florestas, nas quais os mananciais ficam protegidos, e os oceanos, de onde evapora boa parte da água que abastece, mais tarde, rios, lagos e mananciais. É aí que o problema entorna: o homem gasta à toa, suja, envenena e não preserva os ecossistemas que poderiam alimentar a ciranda aquática. A continuar assim, vai ter de disputar as últimas gotas a peso de ouro.

 

Bacias privilegiadas (descarga média em m³/s)

Amazonas

212.000

La Plata

42.400

Congo

38.800

Orinoco

28.000

Mekong

13.500