BACTÉRIA SE ALIMENTA DE TÓXICO INDUSTRIAL

Salvador Nogueira (da Folha de S.Paulo)

Quem acha que o ser humano hoje em dia come muita "junk food" ainda não conheceu as bactérias Dechloromonas. Elas comem benzeno, uma substância orgânica altamente tóxica.

A descoberta foi feita por um grupo do Departamento de Microbiologia da Universidade do Sul de Illinois, nos EUA. Eles conseguiram isolar duas variedades dessa bactéria que são capazes de consumir benzeno para viver.

Não é exatamente uma novidade a existência de microrganismos que façam esse trabalho sujo, mas a grande sacada da pesquisa _que conquistou um espaço na edição de amanhã da revista científica britânica "Nature" (www.nature.com)_ é que essas bactérias não são nem um pouco exigentes: nem de ar elas precisam.

Os outros microrganismos conhecidos que apreciam um banquete do intragável hidrocarboneto (composto feito com hidrogênio e carbono) são todos aeróbicos, ou seja, precisam do oxigênio do ar para sobreviver. Já os novos "bichinhos" são anaeróbicos _ou seja, dispensam o ar.

"A biodegradação microbiana anaeróbica do benzeno foi demonstrada pela primeira vez na metade dos anos 90, mas levou até agora para que se isolassem os primeiros organismos capazes desse metabolismo", afirma John Coates, um dos cientistas envolvidos na descoberta.

Pouca ventilação

Alguém pode se perguntar o que há de tão importante em encontrar um organismo que come benzeno e nem pede ar em troca. Simples: ele pode ser usado para descontaminar ambientes que não costumam ser muito ventilados _como por exemplo lençóis freáticos.

O benzeno é uma substância vastamente utilizada nos meios industriais, descoberta em 1825 pelo cientista britânico Michael Faraday. É líquido e incolor à temperatura ambiente e é um excelente solvente para borracha e vários tipos de resina. É pouco solúvel em água e pode ser extraído a partir do petróleo. O que não quer dizer que a bactéria recém-descoberta possa ser uma arma para destruir o petróleo alheio.

"Do mesmo modo que usamos oxigênio quando respiramos, esses organismos usam nitrato ou clorato. Sem esses compostos, o benzeno não é biodegradado. Eles geralmente não existem em reservas de petróleo", diz Coates.

Os pesquisadores ainda não batizaram as duas variedades, que permanecem com as singelas designações RCB e JJ. Eles esperam que outros organismos com características semelhantes sejam encontrados no futuro.

Teste de campo

Coates e sua equipe adorariam ver suas "crias" comendo benzeno por aí. "Estamos ansiosos para fazer testes de campo com os organismos, mas não temos neste momento nada planejado para o futuro imediato", diz.

Eles esperam que a publicação de seu trabalho ajude a chamar a atenção da indústria para o potencial da pesquisa. "Estamos esperançosos de que, uma vez que o estudo esteja publicado, possamos conseguir um teste de campo com um parceiro industrial interessado", afirma.

A pesquisa foi financiada pelo Escritório de Pesquisa Naval dos EUA e pelo Departamento de Defesa norte-americano.