Nota à Imprensa

Encalhe de Baleias - Uma visão diferente

Por Marcelo Szpilman

A notícia de que o Ibama criará um grupo para atuar em encalhe de baleias me deixou surpreso. Porque um órgão que tem, em função da notória falta de recursos, dificuldade em lidar com os graves e constantes problemas ambientais do país decide gastar tempo e dinheiro para tentar resolver um problema absolutamente esporádico e sobre o qual o homem pouco ou nada pode interceder.

Todos os dias, de forma ativa e proposital, agredimos os ambientes naturais, matamos milhares de animais selvagens, depredamos as florestas e isso pouco nos comove. Então, por que razão o encalhe de uma baleia jubarte em Niterói e seu triste desfecho, do qual não temos culpa alguma, promovem uma comoção nacional?

Como diz Ulisses Mattos em seu artigo Salvem as Baleias (JB, 05/09/2004); "Quem não gostaria de dizer que já salvou uma baleia da morte? É muito mais onda do que levar um gatinho vira-lata para casa. E nem se sabe bem por quê. Não dá para explicar as correntes humanas que se formam para ajudar esses cetáceos ou as aglomerações comovidas pela impotência diante daquele triste espetáculo. É como se uma morte de 10 toneladas pesasse mais do que as mortes que conhecemos, de alguns poucos quilos".

Infelizmente, ao contrário do que gostaríamos, pouco podemos fazer quando uma baleia encalha. Quem frequenta a praia sabe que um adulto de 80kg sentado na areia na beira da água cria um buraco e afunda na medida em que as ondas batem. Nessas circunstâncias, empurrar ou puxar na tentativa de "desencalhar" essa pessoa não são as melhoras medidas, mas sim levantá-la. Imagine, então, uma baleia pesando toneladas e sem nenhuma intenção de ajudar nas bem intencionadas, mas inócuas tentativas improvisadas de resgate.

Como afirma José Laílson Brito Jr., oceanógrafo e coordenador do Projeto Maqua, da UERJ, dos seis encalhes de animais vivos acontecidos nos últimos 12 anos, ele só presenciou um caso de sucesso: o de uma baleia que encalhou em 1991 em Saquarema (RJ). Ainda assim, grande parte do êxito, segundo ele, se deveu às condições da maré e da praia em que ela encalhou.

Na verdade, a melhor ajuda que podemos dar a uma baleia encalhada é isolar a área para que os curiosos e metidos não atrapalhem ou machuquem o animal. Com raras exceções, somente a sorte e própria natureza podem interceder a favor da baleia nesse momento. Se ela não consegue se desencalhar sozinha em até 24 horas, o enorme estresse e os danos provocados em sua estrutura física e em sua fisiologia, que não foram projetados para suportar tamanho peso e compressão, passam a determinar seu fim. No caso da jubarte de Niterói, o grande problema foi ela ter encalhado na maré alta, o que certamente impossibilitou seu desencalhe.

O aumento do número de baleias encalhadas, curiosamente, tem a ver com o aumento das populações de baleias no litoral brasileiro. Graças à proibição da pesca da baleia e ao excelente trabalho de proteção e preservação que vem sendo realizado há mais de 10 anos pelo Projeto Baleia Jubarte e pelo Projeto Baleia Franca, a quantidade de baleias que hoje nadam ao longo do nosso litoral em suas rotas migratórias aumentou bastante, o que também aumenta as chances de um encalhe.

As causas naturais do encalhe de baleias podem ser as mais variadas, indo de doenças que provocam problemas no senso espacial à inexperiência no cerco de uma cardume de sardinhas. Contudo, não podemos nos esquecer que o encalhe de baleias sempre foi e sempre será um evento incomum da natureza do qual os homens não participam. No entanto, sempre existem alguns, felizmente poucos, que têm enorme prazer em aparecer na mídia, ignorando o sofrimento do animal. Para esses, quanto mais encalhe, melhor.

Marcelo Szpilman

Diretor

Instituto Ecológico Aqualung
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Curriculum resumido

Marcelo Szpilman, Biólogo Marinho formado pela UFRJ, com Pós-Graduação Executiva em Meio Ambiente (MBE) pela COPPE/UFRJ, e mergulhador há mais de 30 anos, é autor do Livro GUIA AQUALUNG DE PEIXES - Guia Prático de Identificação dos Peixes do Litoral Brasileiro, editado em 1991, de sua versão em inglês AQUALUNG GUIDE TO FISHES, editado em 1992, do livro SERES MARINHOS PERIGOSOS - Guia Prático de Identificação, Prevenção e Tratamento, editado em 1998/99, do livro PEIXES MARINHOS DO BRASIL - Guia Prático de Identificação, editado em 2000/01, do livro TUBARÕES NO BRASIL - Guia Prático de Identificação, editado em 2004, e de várias matérias e artigos sobre a natureza, ecologia, evolução e fauna marinha publicados nos últimos anos em diversas revistas e jornais e no Informativo do Instituto. Atualmente, Marcelo Szpilman é diretor do Instituto Ecológico Aqualung, Editor e Redator do Informativo do citado Instituto e membro da Comissão Científica Nacional (COCIEN) da Confederação Brasileira de Pesca e Desportos Subaquáticos (CBPDS