Gazeta Mercantil, 10/02/2005
via CIB

Peruanos proclamam seu domínio sobre a batata

Seis comunidades indígenas do Peru assinaram em janeiro um acordo com o Centro Internacional da Batata para a repatriação de material genético referente a batatas nativas [http://www.cipotato.org/news/CIPinNews.htm], com o objetivo de assegurar que os recursos genéticos e o conhecimento tradicional a eles associados permaneçam sob a custódia das comunidades e não estejam sujeitos a direitos de propriedade sob nenhuma forma. É o que informa a edição de janeiro do boletim do Centro Internacional para o Comércio e o Desenvolvimento Sustentável (ICTSD, no idioma inglês -http://www.ictsd.com/monthly/bridges/BRIDGES9-1.pdf).

A batata, espécie reconhecida como de origem andina, é o principal recurso econômico da biodiversidade peruana e um dos produtos mais consumidos no mundo. A decisão das comunidades indígenas peruanas - inédita no contexto mundial da gestão dos recursos genéticos - de repatriar o banco internacional de germoplasma da batata, para custodiá-lo contra a sua apropriação por empresas de biotecnologia, pode influir no desfecho dos debates no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre a propriedade intelectual e patenteamento de seres vivos. De imediato, é de prever, observa o boletim, que militantes vão propor iniciativas semelhantes no encontro do Grupo de Trabalho sobre Acesso e Repartição de Benefício da Convenção da Diversidade Biológica, a realizar-se em 14 de fevereiro, e também na reunião da Comissão Intergovernamental sobre Propriedade Intelectual, Recursos Genéticos, Conhecimento Tradicional e Folclore, a realizar-se em junho.

A região dos Andes conserva mais de duas mil variedades de batata, 700 das quais são cultivadas no Parque da Batata, em Cusco. A batata, no conceito dos centros de difusão de Vavlov, tem seu centro de difusão nos países andinos. O parque, administrado por uma associação de comunidades indígenas, é uma das partes contratantes do novo Acordo sobre a Repatriação, Recuperação e Monitoria da Agrobiodiversidade das Batatas Nativas e os Sistemas de Conhecimento Comunitário Associados.

A outra parte é o Centro Internacional da Batata - localizado em Lima, no Peru -, um dos dezesseis centros internacionais de pesquisa agropecuária, sob a coordenação do CGIAR - Grupo Consultivo sobre a Pesquisa Agropecuária Internacional, ao qual está associado o Brasil, entre muitos outros países.

Segundo os termos do acordo de repatriação, o Centro Internacional da Batata deverá entregar para custódia, pelas comunidades indígenas do parque, elementos referentes à agrobiodiversidade da batata nativa e ao conhecimento tradicional associado, assim como também prover assistência técnica para a conservação, monitoria e multiplicação de sementes e gestão do material genético repatriado. A responsabilidade do parque inclui a garantia de acesso ao material genético para distribuição e plantio pelos seus habitantes.

Além do objetivo de garantir a repatriação do material isento de direitos de propriedade, o acordo visa a promover, mediante parceria na pesquisa, o papel das estratégias in situ e ex situ na conservação da biodiversidade agrícola. Busca também fortalecer o papel do parque da batata como instrumento de promoção da continuidade entre as duas estratégias, para o benefício mútuo de ambas as partes e para a conservação e o desenvolvimento agrícola em geral.

As partes concordam em implementar o acordo de modo a refletir os princípios de livre acesso para o benefício mútuo e da humanidade, de acordo com o que dispõe o Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos Vegetais, da Organização da ONU para a Alimentação e Agricultura (FAO), e os princípios da Convenção sobre Diversidade Biológica.

O Centro Internacional da Batata não poderá reclamar direito de propriedade sobre o germoplasma da batata e sobre o conhecimento tradicional a ele associado e deverá assegurar que toda pessoa ou instituição que tiver acesso ao germoplasma deverá estar sujeita às mesmas normas.A associação das comunidades do parque concordam em manter confidencialidade sobre os projetos de pesquisa em curso no Centro Intenacional da Batata (CIB) e sobre a diversidade do material biológico repatriado se assim o solicitar o CIB e sempre que houver justificativa para a confidencialidade.

Os possíveis benefícios resultantes da utilização do material repatriado serão destinados a melhorar as instalações e serviços do parque, das comunidades em geral, da região e do país.

Contra a privatização

Segundo a Associação para a Natureza e o Desenvolvimento Sustentável, que representa as comunidades do parque, o acordo desafia a tendência de privatização dos recursos genéticos e do conhecimento tradicional, que têm visto os seus bancos de germoplasma engolidos por inúmeros grupos de pesquisa e corporações, pondo em risco a sobrevivência e os meios de vida culturais.

De acordo com Michel Pimbert, do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, sediado em Londres, o acordo coloca em pé de igualdade as partes negociadoras, o que significa que fortalece a capacidade das comunidades locais de arguir em defesa própria na questão do acesso aos recursos genéticos que elas contribuíram em primeiro lugar para desenvolver.

 

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