JC e-mail 2724, de 11 de Março de 2005.

 

Colapso global pode ser evitado, diz biólogo

 

 

Para o norte-americano Jared Diamond, cuidado com o ambiente determina sucesso ou extinção das civilizações

Sérgio Dávila escreve para a “Folha de SP”:

Não, nossa sociedade tal como a conhecemos não deve acabar em colapso. Se tomarmos providências. É o que diz o biogeógrafo norte-americano Jared Diamond, 67, professor da Universidade da Califórnia, morador de Los Angeles e estrela de uma nova categoria de acadêmicos que vêm sendo chamados de historiadores ambientais.

"Como civilização, nós temos problemas muito sérios, mas de possível resolução", falou à Folha. "Tudo o que temos de fazer é decidir que nós queremos resolver estes problemas."

Diamond é bem mais alarmista em seu livro recém-lançado, "Collapse - How Societies Choose to Fail or Succeed" ("Colapso - Como Sociedades Escolhem Falhar ou Ser Bem-sucedidas", editora Viking), que já está na lista dos mais vendidos do jornal "The New York Times".

O que não é um fato inédito para o autor de "Armas, Germes e Aço", talvez o maior best-seller evolucionista dos últimos anos, ganhador do prestigioso prêmio Pulitzer.

No anterior, teorizava sobre como a sociedade européia se sobrepôs às outras; no atual, que deve ser lançado no Brasil no segundo semestre, estuda civilizações do último milênio para saber o que diferencia as que se deram bem das que se extinguiram. A unir os livros e a resposta às suas perguntas? Ambiente, ambiente, ambiente. Fatores ecológicos, mais freqüentemente que guerras ou política, determinam o sucesso e o fracasso de povos, acredita. Leia a seguir entrevista telefônica com Diamond:

Folha - Vou começar com uma pergunta que o sr. talvez esteja cansado de responder, mas é inevitável: como civilização, estamos condenados ao colapso?

- Não, nós não estamos condenados ao colapso, senão eu não teria escrito mais um livro e sim me suicidado. Em vez disso, diria que como civilização nós temos problemas muito sérios, mas de possível resolução. Tudo o que temos de fazer é decidir que nós queremos resolvê-los.

Qual seria nosso problema principal, então?

- Não quero ser irônico ao responder isso, mas nosso problema principal é buscar um problema principal para resolver. Não temos um só problema, mas doze. Se nos concentrarmos em apenas um e esquecermos os outros onze ou vice-versa, estaremos perdidos da mesma maneira. Por exemplo, se resolvermos a escassez de petróleo e as mudanças climáticas mas não lidarmos com a questão da água, esta sozinha pode nos destruir.

No livro, o senhor examina civilizações antigas e novas e os motivos de algumas delas terem sido bem-sucedidas e outras não. No final, o motivo parece estar sempre ligado a alguma causa ambiental. Não é um reducionismo, um certo determinismo ecológico?

- Não concordo inteiramente. Este é o problema de ter um título chamativo e pequeno para um livro. Você, no caso o seu editor, tem de escolher a palavra mais impactante, "Colapso!", pois não existem livros com títulos de sete páginas, como eu gostaria de ter batizado o meu. Um título mais completo diria que este livro é sobre civilizações, ponto. Algumas delas deram certo, e eu procuro examinar o porquê, e outras deram errado, idem. Nem sempre por problemas ambientais. Veja, por exemplo, o colapso do Paraguai no século 19. A sociedade paraguaia foi destruída não por conta de alguma questão ambiental, mas por ter tomado algumas decisões estúpidas que levaram o país à guerra contra os vizinhos Bolívia [Uruguai, na verdade], Argentina e Brasil simultaneamente. Não foi uma boa idéia, a maioria dos homens paraguaios morreu. Outra civilização citada é a União Soviética, que entrou em colapso há apenas doze anos. Sim, houve desastres ambientais na ex-URSS, mas não foram decisivos para o fim do país: a política foi. Um título melhor para o livro seria: "O Colapso de Sociedades Envolvendo um Componente Ambiental e em Alguns Casos Contribuições de Mudança de Clima, Vizinhos Hostis, Parceiros Comerciais, Mais um Questionamento sobre a Resposta da População".

O sr. citou a escassez do petróleo, então quero fazer uma provocação: a SUV (picape campeã de consumo de gasolina e emissão de gás carbônico que é coqueluche entre os americanos) vai destruir os EUA?

- (Risos) Não, a SUV sozinha não vai destruir os EUA, é apenas uma das coisas que os EUA estão fazendo errado. Se nós resolvemos todos os outros problemas que devem nos levar à destruição como civilização, podemos nos dar ao luxo de manter esses carrões rodando. Mas se nos livrarmos de todas as milhões de SUVs que rodam no país hoje e não fizermos mais nada em relação ao resto, corremos o risco do colapso.

Há quem argumente que as inovações tecnológicas, que adquiriram uma velocidade e uma acessibilidade inéditas em nossa era, nos salvariam do tal colapso. O sr. concorda?

- Não, na verdade acho que é exatamente o contrário. As pessoas usam a desculpa, a esperança dos avanços tecnológicos para continuar com o mesmo estilo de vida baseado no desperdício. Quer um exemplo? A SUV. Eis um grande avanço tecnológico em termos automobilísticos Mas não está nos ajudando como civilização, está? OK, estou sendo ranzinza. A tecnologia pode ter alguma contribuição positiva. Para ficarmos no campo da energia, poderemos descobrir uma maneira mais eficiente de usar o vento ou a maré para nos ajudar a reduzir nossa dependência dos combustíveis fósseis...

Sua base são civilizações passadas e pequenas, como a da ilha de Páscoa. Como é possível fazer a conexão com sociedades maiores e mais complicadas como a de hoje?

- Você tem razão no caso da ilha de Páscoa, mas discuto também a maior civilização do Novo Mundo, os maias. Eram cerca de 50 milhões, não tantos quanto os brasileiros de hoje, mas eles deram um jeito de se destruir. Entre os casos bem-sucedidos, cito o Japão, que também não é tão grande quanto o Brasil, mas sobreviveu isolado, pois resolveu seus problemas florestais no século 16.

O sr. diz que quando estuda o colapso de uma sociedade procura por cinco características comuns: o grau e a natureza do dano ambiental; o grau e a natureza das mudanças climáticas; o nível de hostilidade das sociedades vizinhas; o grau de confiabilidade dos parceiros comerciais; e a resposta da sociedade aos seus problemas. Há algum país hoje que preencha negativamente todos esses itens?

- Sim, há hoje em dia cerca de 25 países em que eu encontro essas características de maneira negativa. Um deles? O Haiti, que divide a ilha de Hispaniola com a República Dominicana. O país tem problemas terríveis de desflorestamento, o que causou mudanças de clima, com a redução da quantidade de chuva. Aliás, o Brasil vai enfrentar ou já enfrenta problema semelhante, por conta da Amazônia. Mas voltando ao Haiti: eles têm inimigos, moderados, mas inimigos, e não há muitas nações amigas dispostas a ajudar o país. Por fim, o Haiti tem problemas com a resposta da população à mudança: uma elite política e econômica interessada em continuar rica e poderosa e não em resolver os problemas do país e de seu povo.

O Brasil está na lista?

- (Irônico) Não, tenho absoluta convicção de que a elite política brasileira está mais interessada em ajudar o povo do que em enriquecer.

Assim como vem fazendo a administração de Bush?

- (risos) Exatamente! Você capturou o espírito.

Já esteve no Brasil?

- Infelizmente, não. Fui convidado algumas vezes, e penso em ir. Mas estive em Iquitos, na Amazônia peruana.

Tendo visto in loco a floresta, qual seu prognóstico?

- Vejo muitas possibilidades. É o complexo biológico mais rico da Terra, o ambiente que tem mais plantas e espécies animais do planeta e na parte brasileira vejo a mais rica floresta do mundo, uma farmácia a céu aberto. Mas a floresta amazônica sobrevive de sua grande quantidade de chuva. Quando você corta as grandes árvores, diminui a quantidade de chuva. Vejo problemas ainda na riqueza do solo, cujos nutrientes vêm principalmente dessas grandes árvores, que estão sendo cortadas. Esse é o maior problema no Brasil hoje.

Há colegas seus de academia que dizem que a próxima guerra será por água, não por petróleo.

- Não necessariamente. Há muito pelo que ir à guerra ainda. Há lugares em que a próxima guerra será causada por fome. Mas concordo que a água já é um problema sério. Síria e Turquia, aliás, China e Bangladesh e Vietnã, EUA e México, Hungria e Eslováquia, todos já estão brigando por água. Mas a grande guerra do petróleo ainda está longe de acabar. A Venezuela, um dos maiores exportadores para os EUA, anunciou na semana passada que assinou acordo de fornecimento com a China. Eis um potencial conflito entre China e EUA.

Por fim, o sr. acha que a reeleição de Bush contribui para o colapso das civilizações?

- Eu tenho ouvido muito esta pergunta desde novembro último. (Risos). Tenho duas respostas. Primeiro, ao escrever meu livro não quis pregar aos convertidos, a quem já aceita que vivemos um grande problema ambiental, mas convencer os que discordam dessa idéia. E, se eu quero convencer estas pessoas, é importante que eu não insulte George W. Bush e quem pensa como ele. E já deu resultados: eu comecei a ser procurado por ministros e parentes próximos do presidente sobre o assunto. Segundo, lembre-se de que o presidente não é a única pessoa que determina a política ambiental do país. Há os Estados, e muitos têm políticas avançadas. Por exemplo, a Califórnia; Schwarzenegger está processando a União e está sendo processado de volta em diversas questões ambientais.
(Folha de SP, 11/3)