Do inferno ao quase paraíso

Após década de ostracismo, Cubatão aposta firme em desenvolvimento sustentável

Vanilda Oliveira

Quase duas décadas depois de deixar de ser a cidade mais poluída do Brasil e de figurar entre as primeiras no ranking mundial de degradação do meio ambiente, Cubatão ainda luta para livrar-se do desonroso título. Ainda precisa provar que recuperou ar puro suficiente para inflar pulmões e soprar na direção da ampliação e captação de novas indústrias para um dos principais pólos petroquímicos e siderúrgicos do País. São 21 empresas no pólo que garantem à cidade litorânea o sétimo maior PIB do Estado de São Paulo — US$ 4,9 bilhões — e produção de 16,5 milhões de toneladas/ano sob a liderança do setor petroquímico, que participa com 9,7 milhões desse total (59%). É um aglomerado industrial respeitável: responde por 100% da gasolina de aviação produzida no Brasil, 90% de cloreto de amônia e 70% de polietileno, entre outros produtos. A saída para elevar cifras e toneladas já existe e tem nome que, por si só, explica o futuro esperado: empresas-satélites. São indústrias de transformação que começam a se instalar em torno de gigantes como a Cosipa, uma das cinco maiores siderúrgicas do País, e traduzem o encurtamento do longo caminho até as indústrias de base. O formato favorece o surgimento de cadeia produtiva até então distante dos ares de Cubatão e, melhor, acena com crescimento industrial saudável. O Município tem ainda outras duas balas na agulha para garantir a manutenção e o desenvolvimento do pólo petroquímico: o controvertido projeto da usina termelétrica movida a gás, que já tem licença ambiental do Estado, e os já em obras terminais marítimos da Cosipa e da Ultrafértil, que, na visão do prefeito Clermont Silveira Castor (PL), podem vir a ser os embriões do futuro porto geral de cargas integrado ao vizinho Porto de Santos, o maior da América Latina.

Confiantes mas conscientes, empresários e lideranças do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado), Cide (Centro de Integração e Desenvolvimento Empresarial) e Poder Público admitem que é quase impossível falar e escrever sobre Cubatão sem lembrar a destruição do meio ambiente, crianças nascidas sem cérebro, rios coalhados de dejetos industriais e tragédias como a de Vila Socó, na qual 90 pessoas morreram em 1984, quando duto da Petrobras vazou 700 mil litros de material inflamável e explodiu. Lembranças forjadas na fumaça da poluição. Nem mesmo o US$ 1,2 bilhão investidos ao longo dos últimos 17 anos pelas indústrias do pólo para reduzir em 97% os níveis de poluição consegue apagar completamente de mentes e arquivos as imagens que emprestaram a Cubatão a agourenta alcunha de Vale da Morte. E isso apesar de a Cetesb não decretar estado de atenção (indicativo de poluição) desde 1995 e de até organizações ambientalistas como a SOS Praia, ONG criada há 10 anos, atestarem que a situação mudou.

"Não posso deixar de lembrar que há alguns anos o Pólo de Cubatão era extremamente combatido" — admitiu o presidente da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo), Horácio Lafer Piva, numa visita à cidade em fevereiro último para falar do potencial de crescimento do pólo e de sua importância para o País. Se nem Piva esquece, que dirão investidores menos informados sobre tudo que se fez e gastou para controlar a poluição em Cubatão? O que fazer, então, com essa imagem impregnada no pólo e quase sinônimo da cidade? A resposta está em investir cada vez mais em tecnologia, abrir as portas das empresas à população para tê-la como aliada no marketing positivo do pólo, conquistar todos os certificados ISO possíveis e criar alternativas. É preciso insistir contra o estigma para provar que o Vale da Morte voltou à vida. E já faz tempo.

É exatamente isso que a maioria das empresas instaladas no pólo tem feito. Das vilãs poluidoras do século passado sobrou quase nada. A mudança não foi fácil nem barata ou rápida, mas vingou. Com equipamentos e tecnologia de ponta, além de muita persistência, o pólo se livrou de 320 fontes poluidoras primárias. Não havia opção. Formado por gigantes como a Cosipa, que produz 2,7 milhões de toneladas de aço líquido por ano, não dava simplesmente para mudar o pólo de endereço e levar a poluição para outro canto do País. Além disso, como deixar para trás tudo o que foi construído a partir 1955, quando a pioneira Refinaria Presidente Bernardes, no rastro da Via Anchieta construída em 1949, se instalou no Vale de Cubatão emparedada por 700 metros de montanhas, leia-se Mata Atlântica? Só havia uma saída e foi adotada: desfazer o que foi feito de ruim à natureza para reconquistar a credibilidade e a confiança da população e de potenciais investidores. O Pólo de Cubatão se esforça agora para entrar em outro estágio — o do desenvolvimento sustentável.

Diretor-adjunto da regional do Centro das Indústrias do Estado, Marco Paulo Penna Cabral, também chefe-geral da Cosipa, explica a estratégia da indústria que dirige e que deve ser seguida por boa parte do pólo com apoio do Ciesp. "Estamos fazendo trabalho para atrair empresas que utilizem nossos produtos como beneficiadoras" — revela. Traduzindo: por que uma empresa vai descer a serra para comprar o aço necessário à produção de portas, se pode construir essas portas no quintal do fornecedor de matéria-prima?Convencidas de que o encurtamento do caminho pode resultar em ganhos, três indústrias já se instalaram em Cubatão sob o conceito de empresa-satélite. São a Brastubo, Painco e Dufer, todas erguidas em terreno da própria Cosipa, que, com o esperado apoio da Prefeitura, pretende trazer muitas outras empresas-satélites para Cubatão. Nem mesmo a antiga pendenga entre Administração Municipal e pólo petroquímico por conta do valor do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), o mais alto do Brasil, segundo empresários, deve atrapalhar a busca conjunta por novos investidores. A guerra judicial travada em torno do imposto começa a ter tréguas garantidas por grupo de trabalho formado por secretários e técnicos municipais e representantes do Ciesp, segundo o prefeito Clermont Silveira Castor. O prefeito liberal não é o pai da criança contendora, mas tem sido obrigado a embalá-la. Inconformadas, as indústrias reclamam que o IPTU de Cubatão é exorbitante e impede pulos maiores ao pólo porque compromete a competitividade. O prefeito lembra que o valor do IPTU é herança da gestão anterior e aproveita para lamentar os R$ 9 milhões que deixa de receber mensalmente por conta de ações judiciais e depósitos em juízo. "Com a revisão da planta genérica de valores, a carga tributária nos onerou muito. Por isso temos brigado. Mas o novo prefeito mostra disposição de dialogar" — conta o diretor-titular do Ciesp de Cubatão, Ademar Salgosa Júnior.

O Ciesp aposta, porém, que essa disputa tributária não vai atrapalhar o projeto de atração de empresas-satélites para o Município. "A cidade terá de lutar sempre contra o estigma deixado pela poluição, mas existe grande potencial de explorar esse nicho. A estratégia de atrair empresas-satélites é prioridade para a Cosipa" — garante o chefe-geral da Companhia Siderúrgica Paulista, Marco Paulo Cabral.

A Dufer é prova disso. Mal se instalou no quintal da Cosipa e já tem encomendadas 2,5 milhões de toneladas de tambores de aço para exportação. A Painco, que produz peças para tratores, tem potencial de se transformar em fornecedor mundial, segundo Marco Paulo Cabral. O diretor-titular do Ciesp Ademar Salgosa Júnior, também gerente da Carbocloro, é o maior entusiasta da idéia de inundar o Município com empresas-satélites, que, garante, têm potencial poluidor baixíssimo. O executivo da Carbocloro, empresa que recicla 96% da água que consome, fala do futuro com confiança, mas não esquece que o pólo tem um passado obscuro e latente. Salgosa Júnior tem na ponta da língua a retrospectiva da história do pólo, que se confunde com a da cidade. Recorda o início do boom industrial, em meados dos anos 50, movido apenas pelas vantagens de instalar-se na cidade: estar entre o Porto de Santos, o maior da América Latina, e o principal pólo econômico e consumidor do País, a Grande São Paulo. Nas desvantagens — um paredão montanhoso que impedia a dispersão de poluentes — ninguém pensou.

Entre 1955 e 1975, um total de 18 grandes indústrias instalou-se em Cubatão. Decisão logística correta, mas desprovida de tecnologia e conhecimentos para superar a complexa topografia. Só em 1976 o mundo conheceria a palavra e o conceito de ecologia, durante a Conferência de Estocolmo. Seguiram-se então as primeiras leis de preservação ambiental do País. Como não existiam parâmetros, a legislação pegou o Pólo de Cubatão e outros aglomerados industriais do Brasil de calças curtas. Mas na Baixada Santista havia ainda um agravante: a Mata Atlântica a ser preservada e a topografia. Tudo sob olhos atentos de ambientalistas de plantão. Do surgimento das leis que enquadrariam o pólo até a ênfase na recuperação ambiental se passaram sete anos e muitos milhões de dólares para que as fontes poluidoras fossem domadas. Os 97% de controle aferidos pelo Projeto Cubatão da Cetesb (Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental) valem só para os últimos cinco anos. "Num futuro muito próximo estaremos com todas as fontes poluidoras controladas" — acredita o comandante do Ciesp local. As empresas também se esforçam para fazer os 100 mil habitantes da cidade acreditar nas previsões de Salgosa Júnior e esquecer montanhas devastadas e a degradação, hoje controlada, do Rio Cubatão.

A prioridade do Ciesp, 18 anos depois dos primeiros investimentos antipoluição no pólo, continua centrada na reversão da imagem negativa que a degradação ambiental e suas consequências deixaram. Em segundo lugar, mas em sinergia com o primeiro, vem a retomada do desenvolvimento econômico da cidade puxada pelas empresas-satélites. "Passamos por um período obscuro. A década de 80 foi perdida porque, ao longo daqueles anos, saíram mais indústrias do que ganhamos" — conta o diretor-titular do Ciesp de Cubatão ao se referir ao período desperdiçado por toda a economia brasileira. Salgosa Júnior não arrisca traduzir em números essa evasão industrial. Mas, segundo o prefeito, a cidade perdeu três indústrias de porte nos últimos anos: Rhodia, Alba Química e Dubostrevo Com base em dados da Fundação Seade, o prefeito afirma que 11 empresas se instalaram na cidade nos últimos anos. Clermont Castor coloca nessa lista unidades ampliadas pelas indústrias já fixadas no pólo, como a Copebras e a Ultrafértil.

O diretor-executivo do Centro de Integração e Desenvolvimento Empresarial da Baixada Santista, Décio de Paulo Leite Novaes, lança olhar diferente sobre a situação. Para ele, ex-dirigente da Union Carbide, não houve evasão de empresas, mas sim um estado de compasso de espera, o que não deixa de ser retrocesso — quem estava instalado não investia em ampliação e possíveis investidores tinham medo de entrar num pólo tão estigmatizado.

Mas do passado só ficou mesmo o estigma. O caminho agora, na visão de Salgosa Júnior, é apostar nas empresas que manufaturam o que o pólo produz. "Até montadoras já foram sondadas" — revela o executivo da Carbocloro sem dar nomes aos bois. O argumento para atrair novos investimentos é simples: as vantagens que existiam havia 50 anos, hoje batizadas de logística, continuam valendo e a principal desvantagem — a poluição — está sob controle. Mas a aposta no setor de transformação e em empresas que gravitem em torno das já existentes não descarta investidores de outros setores. Lideranças empresariais sabem e admitem que não é mais possível atrair indústrias químicas de grande porte para Cubatão. As restrições são inclusive topográficas. Afinal, o paredão de 700 metros de montanhas continua lá a exigir que qualquer empresa que busque espaço tenha de obedecer série de exigências ambientais e dispor de equipamentos de última geração para controle de poluição. Enfim, precisa estar nos trinques, além de encarar o passado do pólo sem preconceitos.

"Cubatão vai ter sempre de lutar contra esse estigma" — vaticina o diretor-executivo do Cide, Décio Novaes, com a experiência de quem sabe das coisas da cidade e da região há mais de 50 anos. Num mercado que está entre o inesperado e a internacionalização, cada um tem de se preparar. As empresas têm de lançar um olhar para o mundo, não só para a cidade, o Estado ou o país, porque a globalização é imperativa "E o Pólo de Cubatão está fazendo isso" — acredita Décio Novaes do alto dos 80 anos de vida e muita experiência profissional.
O diretor-executivo do Cide garante que o pólo está em franca expansão de qualidade, quantidade e custo, mas também faz coro com o Ciesp para reclamar que o IPTU atrapalha a competitividade das indústrias. "É um imposto escorchante" — critica, ao pregar a necessidade de haver entendimento entre Executivo, Legislativo e o setor privado sobre a pendência tributária.

Termelétrica — Sem energia elétrica não há desenvolvimento. A máxima óbvia do experiente diretor do Centro de Integração e Desenvolvimento Empresarial da Baixada Santista é mais que verdadeira principalmente para Cubatão, onde o pólo enfrenta prejuízos com seguidos apagões. Ninguém arrisca calcular valores, nem prefeito nem empresários, mas o prejuízo é real e em dólar. Só na Cosipa apagão de 15 minutos de duração chega a parar totalmente um setor com 100 funcionários por mais de 12 horas. Por isso, da lista de atrativos apresentada às empresas candidatas a investir em Cubatão constam desde incentivos fiscais garantidos por lei — mas que até agora não saíram do papel — até iminente fim dos apagões por meio da instalação de uma usina termelétrica movida a gás. Se sindicatos de trabalhadores e ambientalistas não persistirem em questionar a validade e segurança da obra, a CCBS (Central de Cogeração da Baixada Santista) começa a ser construída este mês, sob a garantia do consórcio Petrobras-Marubeni.

Unânimes pelo menos nesse tema, Ciesp, Cide e prefeito acreditam que a termelétrica é a única saída para garantir abastecimento de energia ao pólo petroquímico. A idéia enfrenta a resistência de dirigentes do Sindicato e da Federação dos Petroleiros, que já promoveram debates sobre o assunto envolvendo inclusive o ex-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) Aziz Ab Saber. Lideranças sindicais argumentam, sem declinar fontes e números, que a usina vai queimar quatro milhões de gás por dia, lançando no ar toneladas de produtos químicos. Esses poluentes, segundo os sindicalistas, provocarão doenças respiratórias, leucopenia e câncer. Lembram ainda que a usina engolirá 100 postos de trabalho na refinaria, contra 50 na versão da empresa. Sob esses argumentos, conseguiram oito mil assinaturas pedindo a revisão da licença ambiental concedida em 29 de janeiro pelo Consema (Conselho Estadual de Meio Ambiente). "A termelétrica vai substituir equipamento já existente e muito mais poluente" — afirma o chefe-geral da Cosipa, Marco Paulo Cabral, com o aval do diretor-executivo do Centro de Integração e Desenvolvimento Empresarial da Baixada Santista. "É a solução, pois vai gerar 950 megawatts/hora de energia elétrica numa região que consome mil mw/h" — opina o prefeito Clermont Castor.A choradeira de sindicalistas já não encontra mais ombros legais porque a construção da usina tem aprovação oficial do governo do Estado. Além disso, integra o Programa Prioritário de Termelétricas do governo federal, que vai custar US$ 1 bilhão à Petrobras, sócia minoritária no projeto de construção de 55 usinas a gás em todo o País. O programa emergencial foi lançado há dois anos, mas nenhuma usina está em operação até agora. Um dos principais fatores que emperram a construção das térmicas é o preço do gás natural importado da Bolívia. Os brasileiros têm de comprar o produto em dólar e cobrar a energia em reais — ou seja, correr o risco cambial. Por conta de outro risco mais premente, o de racionamento, o governo federal decidiu no final de março antecipar para 2001 o funcionamento de 15 termelétricas, com capacidade para 2.799 megawatts no total, entre as quais a de Cubatão. A iminência de racionamento de energia elétrica no Sudeste e em todo o País pode ser traduzida nos números do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico): desde 1964, os níveis dos reservatórios de água do Estado de São Paulo não são tão baixos. No Sudeste/Centro Oeste do País, as reservas estavam em 34,7%, no mês passado, quando a margem de segurança é 49%. Tudo por conta do menor índice de chuva registrado em março nos últimos 70 anos — 32%.

Nem mesmo todos esses números sensibilizam os sindicalistas e lideranças contrários à termelétrica de Cubatão. "A usina enfrenta hostilidade de sindicalistas não por causa da poluição, mas pelas demissões que a desativação da atual casa de força da refinaria vai causar" — explica Simão Korn, consultor técnico de segurança, meio ambiente e saneamento da Refinaria Presidente Bernardes. A termelétrica vai substituir casa de força que será totalmente instrumentalizada e informatizada. "Hoje, a unidade é alimentada por óleo combustível, muito mais poluente do que gás" — segundo Simão Korn. A energia gerada pela CCBS, nome fantasia da termelétrica, vai exceder o consumo da Refinaria Presidente Bernardes e poderá ser vendida para as demais indústrias do pólo. "A emissão de poluentes será inferior à da atual caixa de força e o custo/benefício muito maior. Além disso, a usina será construída em três fases e cada uma será avaliada pela Cetesb para aferir o cumprimento das exigências ambientais contratadas" — garante o técnico da Presidente Bernardes. As empresas que vão construir a usina — Petrobras (sócia minoritária), Marubeni (70%) e um terceiro grupo que deverá ser norte-americano — terão de investir R$ 17 milhões em ações comunitárias, em prazo ainda não estabelecido.A retomada do bombeamento de água para a Usina Henry Borden, paralisado desde 1992, também tem sido cogitada pelo governo estadual como alternativa ao iminente racionamento de energia em São Paulo. O ganho diário seria de 550 megawatts. O reativamento da Henry Borden depende também das condições climáticas e de obras no leito do Rio Pinheiros. Até lá, os apagões ainda serão ameaça.Maior prejudicada pelos apagões, segundo o diretor-titular do Ciesp de Cubatão, Ademar Salgosa Júnior, a Cosipa também fez um dos principais investimentos do pólo petroquímico em controle da emissão de poluentes. A empresa injetou US$ 200 milhões desde 1993, de acordo com o chefe-geral Marco Paulo Cabral. Mais US$ 40 milhões serão aplicados na área até o final de 2002. Dólares que vão garantir controle total da emissão de poluentes pela Cosipa nos próximos 18 meses.

O caminho do mar — Terminal marítimo também é trunfo da Cosipa para ampliar a empresa e colaborar com a expansão do Pólo de Cubatão. O terminal está com 40% da capacidade ociosa. "Nosso objetivo é duplicar o uso" — conta Marco Paulo Cabral. Para o prefeito Clermont Castor, o terminal da Cosipa poderá proporcionar agilidade ao recebimento de matérias-primas pela siderúrgica e igualmente maior rapidez e custos menores às exportações do aço produzido pela companhia. "O terminal particular pode vir a ser o embrião de um futuro porto de cargas gerais de Cubatão integrado ao Porto de Santos" — sonha o prefeito.Já a conclusão da modernização e ampliação do TUF (Terminal Marítimo da Ultrafértil) está prometida para julho próximo. Há 18 meses em obras, será o mais moderno do mundo em relação à preservação ambiental. O armazém tem capacidade para estocar 60 mil toneladas de fertilizantes. O próximo passo é construir a ferrovia e o principal equipamento de todo o projeto: o descarregador de navios, que fechará a cadeia de todo o sistema de transporte da empresa. O TUF terá capacidade de movimentação ampliada a partir de agosto para 2,2 milhões de toneladas/ano, além de duplicada a capacidade de armazenamento. O terminal poderá descarregar 1,2 mil toneladas de granéis sólidos por hora, o dobro do volume atual. A expedição passará a ser rodoferroviária, eliminando cerca de 25 mil viagens/ano de caminhões entre o TUF e o Complexo Industrial de Piaçaguera; ou seja, menos poluição do ar. O prefeito Clermont Castor, eleito com 25.546 votos e que conta com apoio da maioria dos vereadores, confirma a vocação de Cubatão como pólo industrial, mas ressalta que o perfil deve se diversificar e se voltar também à prestação de serviços. Exemplo disso são o futuro Complexo Intermodal (terminal de cargas e estacionamento de caminhões) e o Ceasa regional. "Nosso desafio nos próximos anos é o de fixar o cubatense na cidade, com incentivos ao lançamento de prédios para a população de maior renda e aprimoramento da estrutura comercial" — raciocina o prefeito e ex-vereador, que sonha ver um shopping ser construído na cidade durante sua gestão.

O prefeito pode contar de fato hoje com o dinheiro dos impostos das indústrias químicas, siderúrgicas e de fertilizantes, que no ano passado seria suficiente para construir em torno de três mil casas-padrão. O pólo petroquímico responde por R$ 94,9 milhões dos R$ 193 milhões da previsão orçamentária do Município para este ano.

Só a Cosipa, que pretende produzir 4,5 milhões toneladas/ano de aço líquido a partir de 2002, teve receita líquida de R$ 1,4 bilhão no ano passado, 32% superior à de 1999. A empresa pagou R$ 6 milhões de IPTU — 30% do total do imposto recebido pela Prefeitura, R$ 22 milhões. Deficitária até a privatização, em 1993, a Cosipa começou a dar lucro há dois anos e atingiu R$ 389,5 milhões em 2000. Com tantas cifras e toneladas, a Companhia Siderúrgica Paulista só poderia mesmo ter o status de um dos principais pilares da economia de Cubatão, cidade com 100.759 habitantes, que gera R$ 4 bilhões de ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias) e tem renda per capita de R$ 32 mil/ano.

Além de sofrer com o estigma do Vale da Morte, Cubatão ainda enfrenta o desemprego. A maioria dos trabalhadores do pólo petroquímico — segundo o prefeito — não mora em Cubatão. A Prefeitura não tem números para confirmar a afirmação. O Ciesp também não consegue precisar o tamanho do problema. O prefeito Clermont Castor afirma que 25 mil pessoas têm carteira assinada no Município para uma População Economicamente Ativa (acima dos 15 anos) de 63 mil pessoas. Só o pólo petroquímico emprega 20 mil pessoas, 70% das quais (14 mil) trabalham na Cosipa. Quantos são de Cubatão? Ninguém consegue responder com precisão.A falta de dados invoca a desconfiança dos políticos locais que tentam se organizar para garantir que o emprego seja usufruto da própria cidade, sobretudo agora que o estigma da poluição começa a ser nocauteado. "Não adianta discutir a criação de novos empregos; a discussão é com quem ficam os empregos de Cubatão" — costuma afirmar a vereadora Márcia Rosa (PT). "O bônus é a instalação de indústrias e o ônus é a contratação de mão-de-obra de fora" — fala o parlamentar do PFL conhecido como Tucla. Tanta preocupação parlamentar resultou na aprovação pela Câmara Municipal de comissão para debater o desemprego. A idéia é garantir fórum de discussão permanente com a participação de representantes da indústria, comércio, poderes públicos e comunidade. O prefeito reclama que as empresas não falam a verdade quando afirmam que só trazem de fora mão-de-obra qualificada. Clermont Castor costuma achar tempo até para fazer blitze-relâmpago em alojamentos de trabalhadores, na tentativa de provar que hordas de pedreiros e ajudantes são trazidas de outros Estados para trabalhar em Cubatão. E são. Mais uma pendência que, como o valor do IPTU, terá de ser resolvida para não impedir o desenvolvimento do pólo e, consequentemente, dessa cidade de 162 quilômetros quadrados, a 55 quilômetros da Capital do trabalho e também do desemprego.

O presidente da Fiesp, Horácio Lafer Piva, vem afirmando que o Pólo de Cubatão terá, a partir deste ano, participação efetiva na retomada do desenvolvimento do Brasil, o que inclui geração de empregos — no ano passado, o crescimento da indústria nacional foi de 6,5% em relação a 1999, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). "Este é um dos mais importantes centros industriais do Estado, que demonstra estar em situação extraordinária, dando lição ao País do que pode ser feito quando se tem vontade e união de esforços" — declarou Piva em uma visita à cidade.

Universidade do Meio Ambiente — Cubatão vai ter a primeira Universidade Livre do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. A proposta da Petrobras já foi feita ao Ministério Público, que exigiu a obra como contrapartida social para aprovar a construção de duas novas unidades industriais já em funcionamento na Refinaria Presidente Bernardes. Foram oferecidos vários projetos de compensação à Promotoria Pública, mas o que mais agradou foi o da universidade, revela Simão Korn. Só em Curitiba existe esse tipo de curso no Brasil. A Capital paranaense será visitada por técnicos da refinaria.O projeto começou a ser formulado sob a coordenação de Simão Korn. Os primeiros contatos foram feitos com a USP (Universidade de São Paulo) e com a Secretaria da Ciência e Tecnologia do Estado. Ainda será necessária uma série de pesquisas para verificar a melhor área, perfil da obra, tipo de gerenciamento e a qual entidade a universidade vai servir. Para tanto, será criado colegiado que vai estruturar os quadros com base em equipe da USP.

A escolha do local não poderia ser melhor. Empurrada pelo estigma do Vale da Morte, Cubatão aprendeu a combater a poluição e agora pode repassar know-how. A Carbocloro e a Cosipa são exemplos desse aprendizado que pode virar ensinamento. A companhia siderúrgica foi a terceira do mundo e a primeira de Cubatão a receber o ISO 14001. Posco, na Coréia do Sul, e Usiminas, em Mina Gerais, são as outras. O ISO 14001 é a mais importante certificação da área de meio ambiente, que observa rigorosos critérios de avaliação. O certificado veio na esteira do PAC (Projetos Ambientais Cosipa) criado em 1995, que soma 23 empreendimentos para o controle da poluição. Aprovado pela Cetesb, o programa tem o respaldo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A Cosipa conta com 615 mil metros quadrados de áreas verdes e 257 mil metros quadrados de árvores. Esses números representam índice de 56 metros quadrados de área verde por empregado — a OMS (Organização Mundial de Saúde) preconiza 12 metros quadrados per capita.

Na Universidade Livre do Meio Ambiente, a siderúrgica e outras empresas que fizeram o mesmo investimento antipoluição no Pólo Industrial de Cubatão terão muito a ensinar aos alunos e ao País. A escola poderá ser mais uma aliada no marketing do pólo e da cidade para mostrar que Cubatão respira novos e melhores ares. Servirá para propagar em ventos menos poluídos imagens diferentes das que mostram a fumaça preta exalada pelas torres das indústrias. Reforçar que a fumaça cinza foi substituída pelo colorido do grande viveiro em que se transformou o mangue da cidade. Antes arrasado por dejetos químicos, o manguezal agora é povoado por 80 espécies de aves aquáticas. É quase um minipantanal com 70 quilômetros quadrados (a área corresponde a mais de cinco municípios do tamanho de São Caetano, no Grande ABC), a menos de 60 quilômetros da Capital paulistana e encravado numa das costas mais degradadas do País. A beleza dá coragem ao Poder Público de projetar para o ex-Vale da Morte um futuro de ponto turístico.

O renascimento dos mangues de Cubatão, que representam 25% do território do Município, mostra também o inegável poder de regeneração da natureza, que chegou a receber 64 toneladas de poluentes por dia, incluindo quatro mil quilos de metais de difícil dissipação como mercúrio, cromo e zinco. O despejo soma hoje 5% em relação ao período anterior de as empresas adotarem equipamentos e tecnologias para controle da poluição. O Parque do Perequê, nas encostas da Serra do Mar, é outro exemplo da recuperação ambiental de Cubatão. Cachoeiras e trilhas verdes atraem cada vez mais grupos de ecoturistas — uma prova de desenvolvimento sustentável e de que é possível a convivência entre natureza e um pólo petroquímico que recolhe anualmente US$ 285 milhões em impostos municipais, estaduais e federais.