GLOBO REPÓRTER http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=376OFC003 Por Felipe A. P. L. Costa em |
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As
palavras democracia e demografia têm a mesma raiz etimológica (deme, do grego
dêmos, povo), mas não são sinônimos nem deveriam ser confundidas.
Democracia diz respeito a um tipo de sistema
político, enquanto demografia tem a ver com a investigação de atributos
numéricos (tamanho, taxas de natalidade e mortalidade etc.) de populações. Democracia
é hoje uma daquelas palavras de uso fácil. Em Brasília, por exemplo, sempre
tem algum gaiato dizendo que isso ou aquilo pode significar um retrocesso na
democracia brasileira. Já no Oriente Médio, há uma guerra em curso em nome da
democracia: as Forças Armadas dos EUA, o país mais poderoso do mundo, estão
nesse momento empenhadas em "democratizar" o Iraque, nem que para
isso tenham de continuar matando os seus habitantes. Distinção
necessária Demografia,
por sua vez, é um assunto menos badalado, ao menos na imprensa brasileira.
Notas ou mesmo matérias mais extensas sobre demografia só costumam ser
publicadas quando o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
divulga algum de seus relatórios. Na edição de sexta-feira 7/4, por exemplo,
o Globo Repórter, da Rede Globo de
Televisão, abordou um tema demográfico: a
expectativa de vida do brasileiro. A pauta era boa, mas o programa
infelizmente trocou os pés pelas mãos, dando um enfoque superficial e
equivocado a um fenômeno populacional importante.
Desconfio que muitos telespectadores tenham ficado com impressões igualmente
equivocadas a respeito do assunto. O
pano de fundo do programa foram os resultados de uma pesquisa do IBGE,
segundo a qual os mais de 5.500 municípios brasileiros podem ser
classificados de acordo com a expectativa de vida de seus habitantes. Os
municípios de Boa
parte dos equívocos do programa talvez pudesse ter sido evitada se o roteiro
fizesse uma clara distinção entre expectativa de vida e longevidade. Longevidade
inalterada Podemos
dizer que a expectativa de vida dos seres humanos
aumentou desde a invenção da agricultura, há 10 mil anos. Ao que tudo indica,
no entanto, o aumento mais expressivo ocorreu nas últimas décadas, após o
advento em larga escala de medidas básicas de saneamento e saúde pública.
Nesse ponto, devemos ter cuidado para não confundir dois processos distintos:
o aumento na expectativa de vida e uma eventual alteração em nossa
longevidade, entendida aqui Ao
contrário da expectativa de vida, nossa longevidade não parece ter mudado
muito desde que os nossos ancestrais inventaram a
agricultura e adotaram um estilo de vida mais sedentário. Em outras palavras
(grifo no original), (...) Há indícios de que o homem de Neanderthal
vivia uma média de 29,4 anos; o homem Paleolítico
(...), 32,4 anos; e o homem Mesolítico, 31,5 anos. Os seres humanos da Idade
do Bronze chegavam aos 38 anos e mesmo na Grécia e Roma clássicas as pessoas
só viviam uma média de 35 e 32 anos, respectivamente. Nos EUA, no início do
século [20], as pessoas viviam mais ou menos até os 48 anos. Só a partir de
1950 é que aumentamos nossa duração de vida provável para cerca de 70 anos, o
tempo concebido pela Bíblia. (...) Há alguns indícios de que nestes milhares de
anos, nós não aumentamos realmente nossa longevidade projetada. Nem mesmo com
a medicina moderna. Aumentamos meramente nossa média de duração provável de
vida. (...) Antigamente, porém, muita gente morria quando ainda
restavam numerosos bons anos em seus relógios biológicos. (...) Quer
dizer, enquanto a expectativa de vida aumentou de
modo significativo ao longo da história recente da espécie, nossa longevidade
atual não seria muito diferente daquela que usufruiríamos na Idade Média, na
Grécia Antiga ou mesmo em épocas ainda mais remotas. Prolongar
é possível? O
que está ocorrendo agora entre nós, brasileiros, é
um fenômeno populacional que já ocorreu antes em diversos outros países do
mundo: a idade média ao morrer está sendo empurrada para perto da época em
que atingimos os limites de nossa longevidade máxima. Mais uma vez, devemos
atentar para os dois processos que estão em curso. O caso brasileiro apenas
exemplifica o que os demógrafos de outros países já testemunharam: é
perfeitamente possível aumentar a expectativa de
vida dos integrantes de uma população, mesmo quando a longevidade máxima
permanece inalterada. A
distinção entre expectativa de vida e longevidade certamente diminuiria o
impacto sensacionalista do gancho explorado pelo programa. Em contrapartida,
no entanto, os telespectadores poderiam usufruir um enfoque mais amplo,
profundo e realista. Por exemplo, o programa poderia abordar questões mais
diretamente ligadas ao sonho (ou seria delírio?) de combater ou mesmo
reverter o processo de envelhecimento (senescência). Não é de hoje que
sonhamos com isso. Conta-se, por exemplo, que o explorador espanhol Juan
Ponce de León (1460-1521), contemporâneo de Cristóvão Colombo (1451-1506),
morreu enquanto viajava pelo Novo Mundo em busca dos segredos da Fonte da
Juventude (para detalhes sobre essa lenda, ver aqui). Mesmo
sem irmos tão longe, ainda caberia perguntar: seria de fato possível estender
a duração da vida humana por algum período significativo de tempo? Mais
especificamente, seria possível prolongar nossa longevidade, digamos, dos
atuais 70-80 anos para, quem sabe, 120-150 anos? Na verdade, alguns
estudiosos em biogerontologia argumentam que nossa longevidade atual poderia
ser multiplicada várias vezes, embora esse ainda seja um tema controverso,
mesmo entre os especialistas. No fim das contas, porém, o Globo Repórter
não chegou a tocar nesse assunto. Perspectiva
evolutiva Cabe
ainda registrar aqui outros dois equívocos cometidos pelo programa. Primeiro,
não ficou claro qual seria a melhor explicação para a posição de destaque
ocupada na classificação do IBGE por cidades com dinâmicas tão diferentes O
segundo equívoco é bem mais sutil e, por isso mesmo, deve ter passado
despercebido pelo pessoal da produção. Trata-se do
seguinte: programas Perguntas
do tipo " |