ESTUDO FEITO EM MATA DA COSTA RICA INDICA MENOR VARIEDADE GENÉTICA DURANTE
RECUPERAÇÃO APÓS O DESMATAMENTO

Floresta regenerada perde diversidade
Divulgação/"Science"
 O biólogo Uzay Sezen (à esquerda) e um de seus colegas na Estação Biológica
La Selva, Costa Rica


REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Mesmo nas condições ideais, pode ser praticamente impossível fazer com que
uma floresta se regenere mantendo a diversidade que tinha antes de ser
derrubada.
Esse é o resultado preocupante de um estudo feito por pesquisadores nos
EUA, com uma espécie de palmeira comum em florestas tropicais, inclusive
no Brasil.
O pesquisador turco Uzay Sezen e seus colegas da Universidade de Connecticut
em Storrs verificaram que mais da metade dos exemplares de palmeira-barriguda
ou paxiubão (Iriartea deltoidea) que colonizaram uma área de pastagem
abandonada
descendiam de só duas árvores. Trata-se de uma redução brutal na diversidade
genética da espécie -e um perigo dos grandes para a sobrevivência da floresta
renascida.
O estudo, publicado na edição de hoje da revista americana "Science", revela
mais uma faceta dos problemas que seguem a destruição de matas ecologicamente
maduras, que ocuparam o mesmo lugar durante centenas ou até milhares de
anos.
"Estudos anteriores mostraram que, em várias áreas de mata secundária [onde
a floresta se recuperou depois de ser cortada], a riqueza de espécies entre
as árvores maduras é menor, mas está no mesmo nível da vegetação original
para os brotos e mudas", conta Sezen, 32. "Então, tem-se a impressão de
que a riqueza de espécies está voltando para a floresta secundária. Mas
as aparências enganam. Você pode ter uma regeneração vigorosa, mas um panorama
genético extremamente pobre", diz o pesquisador, que é estudante de doutorado.

Vida fácil
O trabalho foi conduzido numa área de 30 hectares (com 20 de mata primária
e 10 de mata secundária) na Estação Biológica La Selva, na Costa Rica. A
espécie de palmeira escolhida, muito abundante por lá, também ocorre em
boa parte das florestas tropicais da América Central e da América do Sul,
e se dá melhor na sombra.
Para todos os efeitos, a floresta tinha as condições ideais para se regenerar.
O processo acontece há 24 anos, desde que a antiga pastagem foi abandonada,
e a mata madura ali do lado fornece os "jardineiros": abelhas que transportam
pólen e animais como tucanos, macacos e antas, que carregam suas sementes.
Os pesquisadores mapearam como esse processo estava se dando com ajuda de
um tipo de "etiqueta" de DNA que permite identificar com precisão de 100%
os "pais" de um ser vivo. Também investigaram as distâncias em que o pólen
e as sementes das árvores da mata primária percorriam.
Foi aí que surgiu a primeira surpresa: as sementes viajavam bem mais que
o pólen, embora ele seja carregado por animais voadores (270 m contra 100
m, respectivamente). "Acreditamos que esse é um fenômeno típico do início
da regeneração, especialmente em espécies cujas sementes são dispersadas
por animais, como a I. deltoidea. Numa floresta madura, os dispersores
provavelmente
não viajam tanto", diz Sezen.
O resultado mais chocante, porém, veio dos testes genéticos. Entre 66 árvores
maduras da mata primária, apenas duas responderam por 56% das que nasceram
na área regenerada; 23 plantas geraram os outros 44%, enquanto 41 simplesmente
não deixaram descendentes ali.
O leitor pouco familiarizado com genética de plantas perguntaria: e daí?
O resultado, na verdade, sugere um problema sério para a sobrevivência a
longo prazo das florestas tropicais -embora não seja possível generalizar
os resultados, o pesquisador turco afirma que o caso poderia servir de modelo
para outras matas.
Acontece que a variabilidade é uma das chaves da sobrevivência de qualquer
espécie -quanto mais diversificada geneticamente, maior a chance de que
ao menos uma de suas variedades seja capaz de resistir a uma doença ou a
mudanças climáticas bruscas.
"A diversidade genética pode se recuperar se a floresta primária original
continuar intacta -aliás, o problema global é manter esses recursos intactos",
diz Sezen. "Isso pode levar muito tempo, principalmente em espécies que
levam centenas de anos para alcançar a maturidade. E, enquanto não acontece,
a baixa diversidade genética ficará pairando sobre elas como a espada de
Dâmocles", diz, referindo-se à arma mítica que pairava sobre a cabeça da
pessoa presa a um fio de cabelo.

Miguel Jorge
Ass.Político