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ÉTICA E RACISMO AMBIENTAL

Por Robert Bullard - Sociólogo e Diretor do Environmental Justice Resource
Center

O  conceito  “racismo  ambiental” se refere a qualquer política, prática ou
diretiva  que  afete  ou  prejudique,  de  formas diferentes, voluntária ou
involuntariamente,  a pessoas, grupos ou comunidades por motivos de raça ou
cor.  Esta  idéia  se associa com políticas públicas e práticas industriais
encaminhadas  a  favorecer  as  empresas impondo altos custos às pessoas de
cor.  As  instituições  governamentais,  jurídicas, econômicas, políticas e
militares  reforçam  o  racismo  ambiental e influem na utilização local da
terra,  na aplicação de normas ambientais no estabelecimento de instalações
industriais  e, de forma particular, os lugares onde moram, trabalham e têm
o  seu  lazer  as  pessoas de cor. O racismo ambiental está muito arraigado
sendo muito difícil de erradicar.
A tomada de decisões ambientais muitas vezes reflete os acordos de poder da
sociedade  predominante  e das suas instituições. Isto prejudica as pessoas
de  cor,  enquanto  oferece  vantagens  e privilégios para as empresas e os
indivíduos  das  camadas  mais altas da sociedade. A questão de quem paga e
quem  se  beneficia das políticas ambientais e industriais é fundamental na
análise do racismo ambiental.
O racismo ambiental fortalece a estratificação das pessoas (por raça,
etnia, status social e poder), o lugar (nas cidades principais, bairros
periféricos, áreas rurais, áreas não-incorporadas ou reservas indígenas) e
o trabalho (por exemplo, se oferece uma maior proteção aos trabalhadores
dos escritórios do que aos trabalhadores agrícolas).
Este  conceito institucionaliza a aplicação desigual da legislação; explora
a  saúde  humana  para  obter  benefícios;  impõe  a  exigência da prova às
“vítimas”  em lugar de às empresas poluentes; legitima a exposição humana a
produtos  químicos nocivos, agrotóxicos e substâncias perigosas; favorece o
desenvolvimento  de  tecnologias “perigosas”; explora a vulnerabilidade das
comunidades  que  são  privadas  de  seus  direitos econômicos e políticos;
subvenciona  a  destruição  ecológica;  cria uma indústria especializada na
avaliação de riscos ambientais; atrasa as ações de eliminação de resíduos e
não  desenvolve  processos  precautórios  contra a poluição como estratégia
principal  e predominante. A tomada de decisões ambientais e o planejamento
do  uso da terra em nível local acontecem dentro de interesses científicos,
econômicos,  políticos  e especiais, de tal forma que expõem às comunidades
de  cor  a  uma  situação  perigosa.  Isto  é  particularmente  verdade  no
Hemisfério  Sul  e,  também, no Sul dos EUA, região que foi convertida numa
“área de sacrifício”; um buraco negro para os resíduos tóxicos. Fora disso,
ela  está  impregnada  pelo legado da escravidão e pela resistência braça à
justiça eqüitativa para todos.
O  Hemisfério  Sul  (e  também  o Sul dos EUA) se caracteriza por políticas
ambientais equivocadas e pela concessão de significativas deduções fiscais.
A aplicação simplificada das normas ambientais deu lugar a que o ar, a água
e  a  terra  dessas  regiões  sejam  mais  contaminadas  pelas  indústrias,
principalmente das multinacionais estadunidenses.
No   Corredor   Industrial   do   Baixo  Mississipi,  na  Luisiana,  têm-se
estabelecido  empresas  petroquímicas  que  produzem agrotóxicos, gasolina,
tintas  e  plásticos. Os ecologistas e os residentes locais o apelidaram de
“Beco  do  Câncer”,  sendo  que  os  benefícios  fiscais  que recebem essas
indústrias  poluentes criaram poucos postos de trabalho para esses elevados
custos.  A  revista  Time denunciou que na Luisiana foram eliminados U$ 3,1
bilhões  em  impostos  sobre  propriedades  de empresas poluentes. As cinco
companhias  mais poluentes receberam U$ 111 milhões em benefícios no último
decênio.  Este  exemplo  se  aplica  a  inúmeras  empresas  dos  países  do
Hemisfério Sul.
Existe uma correlação direta entre a exploração da terra e a exploração das
pessoas.  De  forma  geral,  os  indígenas  são a parte da população que se
defrontam  com  algumas  das  piores  formas  de  poluição, entre elas a do
mercúrio  usado  nos garimpos e as populações marginais que vivem perto dos
lixões  e  aterros sanitários, incineradores e de outros tipos de operações
perigosas  praticadas  pelas empresas mineradoras. A poluição industrial se
manifesta  também  no aleitamento materno das mães das grandes cidades como
São  Paulo  ou  Nova  Iorque.  No  caso  dos EUA, as reservas dos indígenas
norte-americanos, estão sendo sitiadas pelo “colonialismo radiativo”.
O  legado  do  racismo  ambiental  institucional privou a muitas nações com
grande  número  de  indígenas  de  uma  infra-estrutura  econômica capaz de
combater  a  pobreza,  o  desemprego, a educação e a atenção para a saúde e
muitos  outros  problemas sociais. O racismo ambiental é evidente em escala
mundial.  O  transporte de resíduos perigosos das comunidades ricas para as
comunidades  pobres  não  soluciona  o  crescente  problema dos rejeitos em
escala  mundial.  O  transporte  transfronteirizo de agrotóxicos proibidos,
resíduos  perigosos  e  produtos  tóxicos  e  a  exportação de “tecnologias
perigosas”  dos  EUA – país onde a regulação e a legislação são rigorosas –
para nações com uma infra-estrutura e uma legislação mais fracas, coloca em
evidência a desigualdade normativa.
Os  diferentes  interesses  e  os acordos assinados pelos representantes do
poder permitiram que as sustâncias venenosas dos ricos sejam oferecidas aos
pobres como remédio de curto prazo para paliar a sua pobreza. Esta situação
se  observa  tanto  no  plano  nacional  (nos  EUA, onde as instalações dos
resíduos e as indústria “sujas” afetam desproporcionadamente as comunidades
de  baixa  renda e as pessoas de cor), como no plano internacional (onde os
resíduos  perigosos se transportam dos países membros da Organização para a
Cooperação   e   o   Desenvolvimento  Econômico  –  OCDE  aos  Estados  não
pertencentes à mesma).
As pessoas de cor que se encontram em perigo nos países industrializados do
Norte  têm  muito em comum com as populações dos países em desenvolvimento,
que  também  estão  ameaçadas pelas empresas poluentes. Por exemplo, grupos
comunitários   do   Norco   (Estado  de  Luisiana)  e  de  Ogoni  (Nigéria)
identificaram  a  Shell  como  uma  ameaça  comum.  Os ativistas da justiça
ambiental  têm se mobilizado em grupos dentro das cidades, bairros e vilas,
desde  Atlanta  até  o Equador; do Alaska até a África do Sul; das reservas
dos  indígenas  dos  EUA  às selvas tropicais da Colômbia, El Salvador e do
Brasil.  Estes  grupos  têm se organizado, educado e empoderado a si mesmo,
para desafiar o Governo e as empresas industriais poluentes.
O  racismo  ambiental  se  manifesta  no  trato  desigual  que  recebem  os
operários.  Milhares  de  trabalhadores  do  campo e as suas famílias estão
expostos  a  perigosos agrotóxicos nas terras onde laboram. Igualmente eles
são  obrigados  a  aceitar  salários  e condições de trabalho inferiores ao
nível médio. O racismo ambiental também se expande pelo entorno das funções
exploradoras  e  escravizantes  das  empresas  manufatureiras  de roupa, da
indústria  microeletrônica  e das indústrias extrativistas. Uma percentagem
desproporcionadamente elevada de trabalhadores que se defrontam a condições
trabalhistas  e  de segurança mínimas são imigrantes, mulheres e pessoas de
cor.
Fonte: Revista Eco 21, ano XV, Nº 98, janeiro/2005.