A ETNOBOTÂNICA NA APA
Por Roberto Xavier de Lima (*)

Na Área de Proteção Ambiental (APA) de Guaraqueçaba, situada no litoral norte do Estado do Paraná, estudos etnobotânicos foram iniciados em 1991, gerando informações sobre o uso das espécies da Floresta Ombrófila Densa (Floresta Atlântica) paranaense.

A Etnobotânica pode ser compreendida como a ciência que estuda as relações homem-planta, em suas dimensões antropológica, ecológica e botânica.

Em 1992, foi concluído pela Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental - SPVS, o Plano Integrado de Conservação para a Região de Guaraqueçaba, Paraná, Brasil, que indicou, pela primeira vez a importância do resgate destes conhecimentos.

Neste trabalho, em seu capítulo VIII a exploração dos recursos naturais renováveis e o patrimônio natural, constou pela primeira vez na literatura, a recomendação de estudos etnobotânicos, como importantes para complementar o conhecimento da diversidade biológica regional.

A APA de Guaraqueçaba é uma Unidade de Conservação que objetiva servir de zona tampão para categorias de uso mais restritas como o Parque Nacional do Superagüi e a Estação Ecológica de Guaraqueçaba.

A tipologia vegetal predominante é a Floresta Ombrófila Densa (Floresta Atlântica) a terceira floresta tropical mais ameaçada de extinção, depois das Florestas da Nova Caledônia, na Oceania, e Madagascar, na África.

Esta região, devido à sua biodiversidade e endemismos, foi reconhecida pela UNESCO como integrante da primeira Reserva da Biosfera brasileira. Por estarem isoladas geograficamente e pelo bom estado de conservação desta região, pode-se observar o grande conhecimento da fauna e flora que as populações tradicionais estudadas adquiriram através do uso dos recursos através de gerações.

No mesmo ano de 1992 iniciaram-se os estudos etnobotânicos regionais coordenados por este autor, coletando informações em 19 comunidades da APA, e obtendo como resultado preliminares a citação de 215 espécies, pertencentes a 79 famílias botânicas. Posteriormente, LIMA & MENEZES-SILVA (1994) ampliaram esta pesquisa para 22 comunidades obtendo conhecimento de 233 espécies, pertencentes a 81 famílias.

Com o aprimoramento de metodologias quali-quantitativas e utilização de métodos estatísticos, o estudo de dissertação de mestrado realizado em dez comunidades continentais por LIMA (1996) , obteve informações de 480 "etnoespécies botânicas", distribuídas por 120 famílias.

Foram realizadas 90 entrevistas no período de junho de 1994 a outubro de 1995; as entrevistas resultaram num total de 3400 referências etnobotânicas, distribuídas em 14 categorias de uso.

Das espécies botânicas, 67,3% são utilizadas na medicina popular. As espécies utilizadas na alimentação, utilização da madeira para desdobro e associadas a utilização pesqueira, representaram respectivamente 26,0%, 24,8% e 11,7% do total de plantas.

Complementares a estas informações, foram citados pelos entrevistados, 23 animais que entram na composição de receitas e simpatias na cura de doenças. Este rico conhecimento vem desaparecendo num processo muito acelerado na região. De 90 entrevistados para esta pesquisa, três faleceram antes de se retornar os trabalhos para a comunidade em um breve período de dois anos.

Os trabalhos em etnociência possuem um compromisso ético de retornar as informações obtidas para as populações de origem. Devido ao alto índice de analfabetismo e carência de remédios nos postos de saúde locais, foram desenvolvidas apostilas com plantas medicinais de ocorrência local, possuidoras de comprovação em literatura científica.

Cursos, palestras e atividades educacionais para as populações pesquisadas foram desenvolvidas onde as escolas, os alunos, professores e agentes de saúde das comunidades selecionadas obtiveram cópias destas apostilas para utilização local.

Dando continuidade aos estudos etnobiológicos na APA de Guaraqueçaba, uma parceria entre o Mater Natura Instituto de Estudos Ambientais e a SPVS, inventariou 17 localidades tradicionais adjacentes ao Parque Nacional do Superagüi. Este estudo analisou informações etnobotânicas obtidas de setembro de 1997 a julho de 1998 junto a 90 entrevistados. Foram obtidas 386 espécies pertencentes a 103 famílias botânicas. As três categorias de uso que mais se destacaram foram respectivamente as espécies medicinais, uso das madeiras e espécies alimentícias e agrícolas.

Neste período, foram citadas para uso medicinal 79 famílias botânicas, distribuídas por 160 espécies. O resgate deste conhecimento e a devolução aos descendentes destas populações garante a perpetuação do saber-fazer local.

A pesquisa aplicada pode auxiliar estas comunidades na elaboração de farmácias vivas (hortos medicinais comunitários) já implantados experimentalmente em Potinga (Guaraqueçaba) e Bairro Alto (Antonina); bem como fortalecer o associativismo em volta da produção de espécies com potencial econômico como o palmito Euterpe edulis Mart, plantas medicinais, ornamentais, de utilidade artesanal e frutíferas que se adeqüem à região, desde que devidamente manejados.

A etnociência em geral, possibilita identificar espécies potenciais que auxiliem na diversificação da renda do morador local através de adoção de técnicas de manejo sustentáveis destes recursos e aplicabilidade em sistemas agroflorestais nas unidades familiares.


Roberto Xavier de Lima é biólogo, M.Sc. em Ciências florestais - email:
robertoxlima@uol.com.br