A EVOLUÇÃO DA POLÍTICA AMBIENTAL NO BRASIL DO SÉCULO XX

Ana Cristina Augusto de Sousa*

Fonte: http://www.achegas.net/numero/vinteeseis/ana_sousa_26.htm

 

 

O presente artigo tem por objetivo analisar e caracterizar a evolução da política ambiental brasileira no século XX e as suas tendências internas a partir da emergência da questão ambiental no cenário internacional. Segundo Magrini [i], a evolução da política ambiental pode ser descrita através de importantes marcos de referência, isto é, grandes acontecimentos internacionais ocorridos a partir da segunda metade do século XX, que influenciaram o curso das políticas ambientais no mundo e, conseqüentemente, no Brasil.  Houve, nesse período, segundo Magrini, o desenvolvimento de três óticas em relação à questão ambiental: a ótica corretiva (preponderante nos anos 1970), a ótica preventiva (preponderante nos anos 1980) e finalmente, a ótica integradora (característica dos anos 1990), que fornece a base teórica para a elaboração das ações políticas ambientais atuais. Veremos ainda que a política ambiental brasileira propriamente dita se desenvolveu de forma tardia se comparada às demais políticas setoriais brasileiras, e basicamente em resposta às exigências do movimento internacional ambientalista. Na hipótese defendida pelo presente trabalho, a abordagem setorial corretiva e não integrada da questão ambiental por parte dos elaboradores de políticas públicas brasileiros, aliada à visão governamental da época de que a proteção ambiental não deveria sacrificar o desenvolvimento econômico do país, constituíram os principais entraves para a inserção do componente da sustentabilidade no modelo de desenvolvimento econômico brasileiro.

 

          Durante séculos, o desenvolvimento econômico decorrente da Revolução Industrial impediu que os problemas ambientais fossem considerados. O meio ambiente era predominantemente visto como acessório do desenvolvimento, e não como parte intrínseca dele. A poluição e os impactos ambientais do desenvolvimento desordenado eram visíveis, mas os benefícios proporcionados pelo progresso os justificavam como um “mal necessário”, algo com que se deveria resignar [ii].

O país que primeiro percebeu a necessidade e urgência da intervenção do poder público sobre as questões ambientais foram os Estados Unidos, ainda na década de 1960. Paradoxalmente, o país considerado o paraíso do não-intervencionismo foi que primeiro promoveu a intervenção regulamentadora no meio ambiente, através da “Avaliação dos Impactos Ambientais” (AIA), formalizada nos Estados Unidos em 1969 [iii].

No caso do Brasil, a política ambiental brasileira nasceu e se desenvolveu nos últimos quarenta anos como resultado da ação de movimentos sociais locais e de pressões vindas de fora do país. Do pós-guerra até 1972 – ano da Conferencia de Estocolmo –, não havia propriamente uma política ambiental, mas sim, políticas que acabaram resultando nela. Os temas predominantes eram o fomento à exploração dos recursos naturais, o desbravamento do território, o saneamento rural, a educação sanitária e os embates entre os interesses econômicos internos e externos. A legislação que dava base a essa política era formada pelos seguintes códigos: de águas (1934), florestal (1965) e de caça e pesca (1967) [iv]. Não havia, no entanto, uma ação coordenada de governo ou uma entidade gestora da questão.

Nessa época, o desenvolvimento do país tinha como uma de suas bases o investimento público nas áreas de petróleo, energia, siderurgia e infra-estrutura, associado aos capitais privados investidos nas indústrias de transformação, que viabilizavam a industrialização por substituição de importações. Na década de 1960, porém, esse modelo de desenvolvimento foi sendo redefinido e, ao final da década, em função da poluição gerada por tais atividades, demandas ambientais começaram a surgir [v].

Em 1970, um relatório formulado pelo Clube de Roma em associação com o grupo de pesquisas do Massachusetts Institute of Technology (MIT) foi publicado com o titulo de Limites do Crescimento. Esse documento apresentava modelos que relacionavam variáveis de crescimento econômico, explosão demográfica, poluição e esgotamento de recursos naturais [vi], com ênfase nos aspectos técnicos da contaminação – devido à acelerada industrialização e urbanização – e no esgotamento dos recursos naturais [vii], em função da explosão demográfica. Os objetivos desse documento eram: obter uma visão mais clara dos limites do planeta e das restrições que ele impunha à população e às suas atividades e identificar os elementos que influenciavam o comportamento dos sistemas mundiais e suas interações, advertindo para uma crise mundial, caso essas tendências se perpetuassem.

Dois anos depois, foi promovida na cidade de Estocolmo a Conferencia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, da qual o Brasil foi um dos participantes. As questões ambientais levantadas diziam respeito às poluições do ar; da água e do solo derivadas da industrialização, as quais deveriam ser corrigidas. O objetivo dessa reunião era encorajar a ação governamental e dos organismos internacionais para promover a proteção e o aprimoramento do meio ambiente humano. As propostas apresentadas na Conferência de Estocolmo tiveram como base os dados divulgados pelo relatório do Clube de Roma. No entanto, tanto a análise dos problemas quanto as medidas propostas para a sua solução tinham um caráter muito pontual, privilegiando basicamente a correção dos problemas apontados.

Dessa conferência resultaram os princípios que representaram compromissos entre as nações. Ela recomendava ainda a assistência técnica e financeira, atribuindo a “instituições nacionais apropriadas, as tarefas de planejamento, gerenciamento e controle dos recursos ambientais” [viii]. A posição do Brasil em relação às questões ambientais colocadas pela conferencia, endossada pelos demais países do chamado Terceiro Mundo, foi bastante clara: o crescimento econômico não deveria ser sacrificado em nome de um ambiente mais puro. Os delegados brasileiros até reconheceram a ameaça da poluição ambiental, mas sugeriram que os países desenvolvidos deveriam pagar pelos esforços dessa purificação. Além disso, o Brasil discordou da relação direta entre crescimento populacional e exaustão dos recursos naturais, opondo-se fortemente às propostas de medidas de controle de natalidade [ix].

Um terceiro componente sustentado pela posição brasileira causou ainda muita polêmica: segundo os delegados brasileiros, a soberania nacional não poderia ser mutilada em nome de “interesses ambientais mal-definidos”. O princípio da soberania nacional, o direito de uma nação explorar seus recursos de acordo com as suas prioridades, foi obsessivamente declarado pelo Brasil. Uma das razões para isso dizia respeito à disputa com a Argentina em torno do uso da Bacia do Prata. Assim, os elementos básicos da política externa brasileira da época – de afirmação da sua soberania no sentido de optar por não sacrificar o desenvolvimento econômico em nome do meio ambiente – “sairiam assim vitoriosos de Estocolmo e viriam então a modelar as políticas ambientais internamente” [x].

Em 1973, pouco depois da Conferência de Estocolmo, foi criada no Brasil a Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema), órgão especializado no trato de assuntos ambientais sob a coordenação do Ministério do Interior.  A Sema se dedicava ao avanço da legislação e aos assuntos que demandavam negociação em nível nacional, tais como a produção de detergentes biodegradáveis, a poluição por veículos, a demarcação de áreas críticas de poluição e a criação de unidades nacionais de conservação. De fato, as medidas de Governo se concentravam na agenda de comando e controle, normalmente em resposta a denúncias de poluição industrial e rural.

O modelo da política ambiental brasileira elaborada a partir da Conferência de Estocolmo tinha assim como pilares: o controle da poluição e a criação de unidades de conservação da natureza. O crescimento populacional e o saneamento básico – componentes de políticas setoriais de impacto sobre o meio ambiente – ficaram excluídos desse modelo, constituindo, cada um, objeto de política própria, não articuladas à questão ambiental, o que evidenciou o desenvolvimento isolado deste setor.

O modelo instituído e coordenado nacionalmente pela Sema era ainda executado de forma descentralizada pelos órgãos estaduais de meio ambiente nos estados de maior desenvolvimento, como São Paulo e Rio de Janeiro. O ponto de partida para a estruturação da política de controle de poluição nesses estados foi a crítica à atuação dos órgãos estaduais de controle ambiental até então existentes, principalmente à Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico e Controle da Poluição – a Cetesb – do Estado de São Paulo e ao IES – Instituto de Engenharia Sanitária. A ênfase dada por esses órgãos em medidas setoriais de cunho eminentemente corretivo/repressivo fora considerada inadequada dentro de uma perspectiva de se ver o meio ambiente de forma mais integrada e abrangente [xi]. Nesse contexto, surgiu no Rio de Janeiro a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema).

Segundo Paulo Gonzaga M. de Carvalho [xii], apesar da primeira administração da Feema haver tentado esboçar algumas medidas nesse sentido, o que predominou na primeira década de seu funcionamento (1975-85) foi uma política de controles administrativos. Essa política, como Carvalho ressalta, “apresentou sérios problemas de concepção e implementação” [xiii]. No período, preponderava no governo a visão de que existia a oposição entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental, o que relegou a um plano secundário a questão ambiental.

Nessa época, abriu-se, ainda em plena ditadura, um espaço político para o surgimento de um movimento ecológico pulverizado que atuava em torno de questões locais nas principais regiões do país. Tais movimentos, de acordo com Bressan Jr. [xiv], tiveram mais liberdade no contexto autoritário, por não terem, em suas raízes, vinculação aparentemente direta com os demais movimentos políticos da época, divididos entre direita e esquerda. Apesar disso, no mesmo período, grandes projetos [xv] previstos pelos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs), baseados em forte endividamento externo, acabaram por destruir os principais ecossistemas brasileiros [xvi].

Em Agosto de 1981, a Lei federal 6.938 criou o Sistema Nacional de Meio Ambiente, integrado por um órgão colegiado: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Este colegiado é composto por representantes de ministérios e entidades setoriais da Administração Federal, diretamente envolvidos com a questão ambiental, bem como de órgãos ambientais estaduais e municipais, de entidades de classe e de organizações não-governamentais.  Essa Lei estabeleceu os objetivos, princípios, diretrizes, instrumentos, atribuições e instituições da política ambiental nacional. Segundo ela, o objetivo principal da política nacional de meio ambiente era: “a preservação ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições para o desenvolvimento sócio-econômico, os interesses da segurança nacional e a proteção da dignidade da vida humana” [xvii]. Dentre os instrumentos por ela enumerados, encontramos: a avaliação de impactos ambientais, o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras [xviii], procedimentos esses ratificados e assegurados na Constituição Federal de 1988 [xix].

Poucos anos depois da criação do Sisnama, o Presidente José Sarney (1985-89) deu início à redefinição da política ambiental brasileira, através da reestruturação dos órgãos públicos encarregados da questão ambiental. Através do programa Nossa Natureza, foram unificados o Sudepe (pesca), o Sudhevea (borracha), o IBDF (Desenvolvimento florestal) e a Sema (meio ambiente) em torno de um único órgão federal: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama).

No cenário internacional, por sua vez, a partir da Convenção de Viena (1985), uma nova ótica sobre a questão ambiental, agora preventiva, caracterizaria a década de 1980. Seus principais objetivos eram o de proteger a saúde humana e o meio ambiente contra os efeitos adversos possivelmente resultantes das atividades que modificavam a camada de ozônio, tais como o aquecimento global, o derretimento das calotas polares e a proliferação de doenças como o câncer de pele. De acordo com este novo enfoque, o mecanismo de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) – instrumento típico de prevenção – tornou-se uma condição a ser cumprida para obtenção de concessões para implantação de projetos possivelmente nocivos ao meio ambiente.

Essa medida teve seus reflexos no Brasil através da Constituição Federal de 1988 na qual se explicitava que a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras dos recursos ambientais, considerados efetivos ou potencialmente poluidores, dependeriam de prévio licenciamento por órgão estadual integrante do Sisnama sem prejuízo de outras licenças exigíveis [xx].

O decreto 99.274 de 1990, que regulamentou a Lei 6938/81 e suas modificações posteriores, explicava o procedimento para o licenciamento ambiental [xxi], prescrevendo que o prévio licenciamento de atividades e obras utilizadoras dos recursos ambientais seria feito pelos devidos órgãos estaduais competentes – incluindo o técnico e o político –, cabendo ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) fixar os critérios básicos exigidos para os Estudos de Impacto Ambiental (EIA). Os Estudos de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), em cada caso específico, ficam a cargo do órgão concessor da licença através do chamado Termo de Referência. Tais estudos são conduzidos por profissionais habilitados, que respondem legalmente por seus atos, embora não haja um sistema de acreditação e supervisão da qualidade de seu trabalho.

Com o avanço tecnológico da década de 1980, o aperfeiçoamento dos métodos de diagnóstico dos problemas ambientais e o impulso observado pelo movimento ecológico, a questão central voltou-se para a sobrevivência da espécie humana no planeta. Assim, o debate que havia se centrado basicamente nos impactos adversos que o meio ambiente sofria por causa do desenvolvimento deu origem a uma nova questão: quais seriam as perspectivas de desenvolvimento a partir de um meio ambiente degradado? Era preciso assim agir de forma responsável em relação ao meio ambiente, de modo a garantir os recursos naturais necessários à sobrevivência das futuras gerações.  Nascia a partir dessa idéia o conceito de Desenvolvimento Sustentável.

A ótica preventiva da política ambiental dos anos 1980 cedia lugar a uma nova ótica, agora integradora que passava a combinar os aspectos econômicos e sociais com os ambientais, em busca tanto da preservação do meio ambiente, como também de formas mais racionais de utilização dos recursos naturais com vistas à preservação das gerações futuras. A pauta da política ambiental internacional precisava, portanto, ser redefinida e o principal documento que representou esses esforços foi o Relatório Bruntland – mais conhecido como Nosso Futuro Comum – de 1987, através da iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Participaram da confecção desse documento foros setoriais que promoveram a discussão de problemas ambientais globais com a participação ativa de organizações não-governamentais internacionais. Novos temas de política ambiental foram assim redefinidos no mundo e a necessidade de um novo pacto entre as nações geraria uma nova conferência internacional, a Unced-92 (Conferencia das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento), conhecida como Eco-92, realizada no Rio de Janeiro, Brasil.

A Eco-92 foi uma tentativa de reunir representantes de todos os países do mundo para discutir e divulgar a nova concepção de Desenvolvimento Sustentável que estava em voga, a partir da publicação do Relatório Brundtland. Esse evento significou para o Brasil ter que enfrentar a crise ambiental e ao mesmo tempo retomar o desenvolvimento, fortalecendo a democracia e a estabilidade da economia. O problema do desenvolvimento deveria ser finalmente resolvido sob uma ótica ambiental e socialmente sustentável.

O período pré-Eco-92 foi farto de medidas emergenciais com vistas ao atendimento da opinião pública internacional. Entre elas, podemos citar: bombardeio dos campos de pouso dos garimpos, fechamento do poço de testes nucleares construído na Serra do Cachimbo, demarcação do território Ianomâmi, entre outros [xxii]. A preparação para a participação na Unced-92 através da elaboração do relatório nacional para a definição das posições brasileiras pela Comissão Interministerial de Meio Ambiente (Cima), coordenada pelo Itamarati (Ministério das Relações Exteriores), foi um sinal significativo de que o tema meio ambiente se tornava matéria importante da política externa do país. A Cima coordenou representantes de 23 órgãos públicos para a elaboração do relatório nacional com as posições do Brasil para a Unced-92. Foi criada a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República, transformada mais tarde em Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Como resultado das discussões do evento, o controle da poluição industrial e da gestão do ambiente urbano foi priorizado como uma questão de cidadania local, dos governos locais e do mercado de crédito e tecnologias. A água que bebemos, o ar que respiramos, a contaminação dos alimentos que consumimos, o lixo e os resíduos que produzimos, as áreas verdes e de recreação e lazer ou o silêncio de que desfrutamos agora seriam problemas do mercado e da cidadania – a ser provida pelos governos locais [xxiii].

A Agenda XXI, principal documento resultante da Conferência, apresentou um rol de programas que podem ser considerados instrumento fundamental para a elaboração de políticas públicas em todos os níveis e que privilegiavam a iniciativa local. Nela, questões como Desenvolvimento Sustentável, Biodiversidade, Mudanças Climáticas, Águas (doces e oceanos) e Resíduos (tóxicos e nucleares) tornavam-se problemas do planeta e da Humanidade e assumiam o novo centro da temática ambiental, abordados em seus capítulos [xxiv]. A Agenda, no entanto, não teve a força de lei das convenções e necessitava de cerca de 600 bilhões de dólares anuais para ser implantada no mundo. Além disso, sofreu com o denominador mínimo provocado pelo consenso exigido nos encontros internacionais, o que tornou o texto muitas vezes vago, sem prazos, nem compromissos.

Ao longo dos anos 1990, o modelo de política ambiental executado no Brasil entrou em crise. Por um lado, por não atender à nova pauta da política internacional definida na Eco-92; por outro, por não atender às demandas de cidadania e de consciência ambiental que se generalizava. Isso fez com que se evidenciasse, finalmente, a necessidade de redefinição das opções de política ambiental e do próprio papel do Estado brasileiro. A criação do Ibama não consolidou um modelo institucional adaptado aos novos desafios. O próprio Ministério do Meio Ambiente, segundo Celso Bredariol, “sempre viveu uma grande defasagem entre prática e proposta de política ambiental” [xxv]. Segundo o MMA, a sua proposta consiste em conceder “especial ênfase à inserção da dimensão ambiental nas decisões de políticas públicas” e à “introdução da variável ambiental como critério relevante nas decisões de política econômica e de financiamentos de projetos pelas agências oficiais de desenvolvimento (...)” [xxvi].

Buscando a adoção de uma política de co-responsabilidade e parceria através do diálogo, do convencimento e da conscientização da sociedade para a prática de uma gestão otimizada de seus recursos naturais, o MMA procurou também transferir, total ou parcialmente, a Estados, Municípios, ONGs e outras entidades públicas e privadas, o planejamento e a execução de políticas ambientais [xxvii]. No entanto, segundo Hageman [xxviii], o MMA quase não dispõe de outros recursos, a não ser os das agências multilaterais e, mesmo esses, de acordo com Freitas [xxix], são de difícil utilização, tendo em vista fatores como a rigidez dos financiadores, a pouca participação da sociedade, a morosidade dos projetos e a necessidade de contrapartidas, entre outros.

Os órgãos estaduais de meio ambiente, por sua vez, tiveram suas estruturas e bases legislativas ampliadas, embora esteja se verificando paulatinamente a perda de pessoal técnico, a degradação salarial e do atendimento ao público, a crescente diminuição de participação nos orçamentos estaduais e da centralidade dos respectivos papéis na gestão da política ambiental. O próprio Estado entrou em crise e, dentro da política de reformas e ajustes (Estado Mínimo), ele vem se debatendo entre propostas de privatização, desregulamentação e pressões para a democratização.

A Constituição de 1988 garante que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo e cabe ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Exercendo a competência de defender o meio ambiente conforme prevê a Constituição de 1988, as prefeituras de grandes e médias cidades vêm procurando estruturar secretarias, departamentos e conselhos de meio ambiente que possam atender às denúncias e solicitações da população reclamante, assumindo, gradativamente, as atribuições antes pertinentes aos órgãos estaduais de meio ambiente ou ao Ibama.

Em 1998, foi aprovada a Lei de Crimes Ambientais no Brasil, uma das mais avançadas do mundo. Condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente passaram a ser punidas civil, administrativa e criminalmente. A Lei não trata apenas de punições severas: ela incorpora métodos e possibilidades de não aplicação das penas, desde que o infrator recupere o dano ou, de outra forma, pague sua dívida à sociedade. Esperou-se com esta Lei que órgãos ambientais e Ministério Público pudessem contar com um instrumento a mais que lhes garantiria agilidade e eficácia na punição dos infratores do meio ambiente.

Em 2002, foi realizada em Johannsburg, África do Sul, a Conferência Ambiental Rio +10. Essa conferência objetivou dar continuidade à discussão iniciada pela ECO-92. A discussão incidiu sobre ações mais voltadas à erradicação da pobreza, à globalização e às questões energéticas, tais como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e o Protocolo de Kyoto, bem como às mudanças climáticas, entre outros.  A Rio +10 reconheceu a importância e a urgência da adoção de energias renováveis em todo o Planeta e considerou legítimo que os blocos regionais de países estabelecessem metas e prazos para cumpri-las. No entanto, não conseguiu fixá-las para todos os países, o que foi uma derrota, atenuada apenas pela decisão de que o progresso na implementação de energias renováveis seja revisto periodicamente pelas agências e instituições especializadas das Nações Unidas, o que abrirá assim caminhos para futuras negociações [xxx].

Os impactos da Conferencia Rio +10 na política ambiental brasileira e nas futuras decisões dos países desenvolvidos em relação ao meio ambiente ainda são uma incógnita. Para alguns participantes, pouco se avançou em relação à Eco-92, realizada no Brasil há dez anos. Já os grupos ligados aos governos acreditam ter havido progressos que devem ser comemorados. Representantes das Organizações das Nações Unidas e funcionários governamentais ligados à questão ambiental que participaram do encontro lembram que, embora modestos, importantes avanços foram conquistados: definiram-se compromissos com relação à ampliação do saneamento básico no mundo e a redução do desmatamento; iniciou-se a restauração dos estoques pesqueiros, além de haver sido criado um novo sistema de gerenciamento de produtos químicos. Também houve progressos em relação ao combate à pobreza e, embora os Estados Unidos tenham mantido a decisão de não assinar o Protocolo de Kyoto, Rússia e Canadá garantiram sua adesão ao documento que estabelece o controle da emissão de gases poluentes na atmosfera [xxxi].

Para as organizações não-governamentais e os ambientalistas, no entanto, a Conferência foi um fracasso. Na analise de Frank Guggenheim, diretor-executivo do Greenpeace, a participação do Brasil na Rio + 10 foi marcada pela contradição: o país calou-se sobre os novos projetos nacionais de hidrelétricas e usinas nucleares, enquanto defendeu a meta mundial de 10% de energia proveniente de fontes renováveis até 2010 [xxxii].

 

Em conclusão, a política ambiental brasileira propriamente dita se desenvolveu de forma tardia em relação às demais políticas setoriais do país e em função das pressões externas dos países desenvolvidos. A Lei de Crimes Ambientais, por exemplo, não chega a completar uma década de existência.  Segundo Raquel Rigotto [xxxiii], se partirmos de uma visão sócio-ambiental integradora das diferentes dimensões da relação entre sociedade e natureza, devemos desenvolver uma compreensão ampla das repercussões ambientais sobre a vida social, particularmente dos efeitos das transformações ambientais sobre a saúde da população em geral.

No entanto, não foi isso o que aconteceu no caso do Brasil desse último século. A política ambiental brasileira não foi abordada, na prática, sob uma ótica integrada às demais áreas com ela relacionadas, como as de saúde e de saneamento, por exemplo. Essas áreas, que foram alvo de políticas setoriais próprias, exercem e sofrem impactos extremamente visíveis sobre o meio ambiente. Para se ter uma idéia, o lançamento de esgoto a céu aberto é, segundo o IBGE, hoje, a degradação ambiental mais freqüente nas cidades brasileiras, o que gera, por conseqüência, um impacto negativo na saúde coletiva, especialmente a infantil.

A política ambiental ideal seria aquela que incorporasse as diversas dimensões da vida humana em sociedade, o que inclui as suas dimensões sociais, ambientais, políticas e econômicas. O planejamento deve assim orientar-se em torno do princípio de sustentabilidade, entendido aqui como o principio que fornece as bases sólidas para um estilo de desenvolvimento humano que preserve a qualidade de vida da espécie no planeta. A dimensão ambiental deve, por isso, integrar de forma relevante a política de desenvolvimento das nações em geral. A adoção da perspectiva ambiental significa reconhecer que todos os processos de ajuste setorial e de crescimento estão condicionados pelo entorno biofísico local, nacional e global. Deve, portanto, ser combinada com outras perspectivas críticas baseadas na preocupação com os direitos humanos, com os valores da autonomia nacional e da identidade cultural dos povos a que se referirem.

 

 

NOTAS:

 

[i] Magrini, Alessandra. Gestão Ambiental. PPE/ COPPE/ UFRJ, 2001. (Apostila de Curso)

 

[ii] Goldemberg, José et Barbosa, L.M. “A legislação ambiental no Brasil e em São Paulo” In: Revista Eco 21, Ano XIV, Edição 96, Novembro 2004.

 

[iii] Idem.

 

[iv] Bredariol, Celso. Conflito ambiental e negociação para uma política local de meio ambiente. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ; COPPE, 2001. p. 16

 

[v] Idem.

 

[vi] Meadows, D.H. et alli. Limites do Crescimento. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972

 

[vii] Meadows, D.H. et alli. Limites do Crescimento. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972.

 

[viii] Idem.

 

[ix] Ferreira, L. C. A Questão Ambiental: Sustentabilidade e Políticas Públicas no Brasil. São Paulo: Ed. Boitempo, 1998. p. 82

 

[x] Idem.

 

[xi] Carvalho, P. G. “Meio Ambiente e Políticas Públicas: A FEEMA diante da Poluição Industrial”. In: Pádua, J. et al. (org.) Ecologia e Política no Brasil. Rio de janeiro: IUPERJ, 1987. p 206

 

[xii] Carvalho, P. G. “Meio Ambiente e Políticas Públicas: A FEEMA diante da Poluição Industrial”. In: Pádua, J. et al. (org.) Ecologia e Política no Brasil. Rio de janeiro: IUPERJ, 1987. p 206

 

[xiii] Idem.

 

[xiv] Apud Celso Bredariol, Op.Cit. p. 18.

 

[xv] Exemplos de projetos: Grandes Carajás, Cerrados, Corredores de exportação, Colonização, Programa 2010 da Eletrobrás e Programa Nuclear, entre outros.

 

[xvi] Bredariol, C. Op.Cit. p. 19

 

[xvii] FEEMA, 1992. Apud Bredariol, C. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, 1999. p 18

 

[xviii] Lei federal 6.938/ 81, artigo 9, incisos III e IV.

 

[xix] CF 1988, artigo 225, § 1º, IV

 

[xx] Decreto 99.274/90, artigo 10

 

[xxi] Decreto 99.274/90, artigos 17 a 22.

 

[xxii] Bredariol, C. Op.Cit. p. 20

 

[xxiii] Idem.

 

[xxiv] Ibidem, p.21

 

[xxv] Bredariol, C. Op. Cit. p.31

 

[xxvi] Disponível em <www.mma.gov.br>. Acesso em Dezembro de 1999

 

[xxvii] Bredariol, C. Op. Cit. p.32

 

[xxviii] Apud Bredariol, C.Op. Cit. p.32

 

[xxix] Idem.

 

[xxx] Goldemberg, José et Barbosa, L.M.  Op.Cit. 

 

[xxxi] American Chamber of Commerce for Brazil. “Os impactos da Rio+10 na política ambiental brasileira” . Disponível em <http://www.amchamrio.com.br/servicos/publica/bb/bb1002/Capa1.htm> . Consultado em Janeiro de 2004.

 

[xxxii] Idem.

 

[xxxiii] Rigotto, Raquel. “Mecanismos Regulatórios da Relação Indústria e Meio Ambiente”. In: Revista eletrônica da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças. Disponível em: <www.abdl.org.br>, publicado em 30/11/ 2002.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

BAUMANN, Z. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999

 

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CARVALHO, P. G. “Meio Ambiente e Políticas Públicas: A FEEMA diante da Poluição Industrial”. In: PÁDUA, J. et al. (org.) Ecologia e Política no Brasil. Rio de janeiro: IUPERJ, 1987.

 

Constituição da República Federativa do Brasil, 05/10/1988.

 

Decreto 9.274, 06/06/1990

 

FERREIRA, L. C. A Questão Ambiental: Sustentabilidade e Políticas Públicas no Brasil. São Paulo:Ed. Boitempo, 1998.

 

GOLDENBERG, José et BARBOSA, L.M. “A legislação ambiental no Brasil e em São Paulo” In: Revista Eco 21, Ano XIV, Edição 96, Novembro 2004.

 

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MAGRINI, Alessandra. Gestão Ambiental. PPE/ COPPE/ UFRJ, 2001. (Apostila de Curso)

 

MEADOWS, D.H. et alli. Limites do Crescimento. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972.

 

 

Internet:

 

AMERICAN CHAMBER OF COMMERCE FOR BRAZIL. “Os impactos da Rio+10 na política ambiental brasileira” . Disponível em: http://www.amchamrio.com.br/servicos/publica/bb/bb1002/Capa1.htm.Acesso em Janeiro de 2004.

 

RIGOTTO, Raquel. “Mecanismos Regulatórios da Relação Indústria e Meio Ambiente”. Revista eletrônica da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças. Disponível em: www.abdl.org.br, publicado em Novembro de 2002. Acesso em maio de 2005.

 

Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: www.mma.gov.br. Acesso em Dezembro de 1999.

 

IBGE. Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em Julho de 2005.

 

* A autora é Historiadora e Mestre em Ciência Política pelo PPGCP/IFCS/UFRJ.