Tese detalha ação de formigas em floresta da Mata Atlântica
Estudo mostra como colônias de insetos se beneficiam da abundância de
frutos no chão
Jornal da UNICAMP,
ISABEL GARDENAL
Pesquisa desenvolvida por
Claudia Bottcher no Instituto de Biologia (IB), sob
orientação do professor Paulo Oliveira, mostrou como duas espécies de formigas
primariamente carnívoras, de uma subfamília denominada Ponerinae
(a Odontomachus chelifer
e a Pachycondyla striata)
afetam a vida das sementes na Mata Atlântica e como essa interação com os
frutos caídos no chão pode afetar a floresta e reciprocamente a vida das
formigas, em especial na Mata de Restinga da Ilha do Cardoso, litoral de São
Paulo.
A investigação demonstrou
que os frutos, ricos em lipídios, são significativos para o formigueiro por
fazerem com que as formigas ainda imaturas se desenvolvam mais rapidamente e,
em menos tempo, se tornem adultas. Então, num momento extremamente vulnerável
de suas vidas, que é a fase larval, em que elas precisam crescer de forma acelerada
para virarem adultas e trabalhar pela colônia, a coleta de frutos no chão da floresta
pelas operárias é crucial para acelerar o crescimento das irmãs imaturas dentro
do formigueiro.
Naquele colchão de folhas tremendamente úmido, no chão da Mata Atlântica, o
fruto carnoso, com a polpa ao redor da semente, tem uma chance muito grande de
apodrecer, pois a polpa também é úmida e propícia à formação de fungos, os
quais tomam então conta do fruto, estragando-o e matando o embrião de uma
futura planta.
Quando se adentra uma
floresta tropical e imagina-se como é que as plantas dispersam a sua prole, que
são as sementes, sempre vem à mente que esta tarefa é efetuada pelos bichos
grandes, que vão até a planta atraídos pela polpa dos frutos e dispersam as
sementes na mata. É certo que cerca de 90% das espécies de árvores de uma
floresta tropical têm as suas sementes dispersas pelos bichos grandes,
sobretudo aves, macacos e morcegos, animais ditos frugívoros
(que comem frutos).
É sabido que uma planta
dispersa primariamente na copa das árvores por animais vertebrados, os frugívoros, é secundariamente beneficiada no chão da
floresta se o fruto cai e é utilizado por formigas, reduzindo o ataque ao embrião
da semente. Isso porque as formigas pegam o fruto e removem a polpa para
alimentar suas irmãs imaturas (larvas) dentro do formigueiro. Assim, a limpeza
das sementes ajuda na germinação e também no desenvolvimento do formigueiro
através da nutrição das larvas. Tal mecanismo foi descoberto nessa tese.
Ao mesmo tempo, outros
progressos eventualmente ocorrem, desta vez tendo como beneficiário o
formigueiro, já que as formigas são responsáveis por levar comida até lá. As larvas
se desenvolvem da seguinte maneira: a rainha põe o ovo. Desse ovo, nasce uma
larva que vai crescer e virar pupa e depois formiga adulta. Durante esta fase,
quando sai do ovo até virar formiga adulta, o seu crescimento depende do
suprimento de proteínas e lipídios. Ao levar esses frutos para dentro do
formigueiro, as operárias ajudam no desenvolvimento de suas irmãs do berçário,
ainda jovens, dando-lhes alimento muito nutritivo, representado por esses
frutos que elas coletam na mata.
Mas na ciência ecológica,
quando se fala que existe algum benefício alimentar (embora se acredite que levar a polpa para a casa e dar para as larvas é o desejável
para um formigueiro), é preciso convencer que isso é indiscutivelmente bom
mesmo. Essa história de que fruta rica em proteína ajuda de fato no
desenvolvimento das larvas necessita ser provada. Para isso se faz pesquisa,
tentando persuadir uma audiência de que o que está sendo contado é verdadeiro. Então
qual a vantagem de levar frutos para o formigueiro e dar esta polpa para as
larvas?
Claudia Bottcher investigou justamente esta situação através de colônias
de formigas criadas no Laboratório do Departamento de Biologia Animal. Ela
criou formigas primariamente carnívoras, que sabidamente também coletavam
frutos e davam as polpas às larvas. A bióloga testou de que forma esta coleta,
que era o que as formigas faziam, era eventualmente salutar para o desenvolvimento
das larvas dentro do formigueiro.
Desejo
Grande parte dos frutos
que está nas copas das árvores cai após ser consumido ou manipulado por
macacos, morcegos ou passarinhos, que são os dispersores primários das plantas.
Isto faz com que uma grande quantidade de sementes chegue ao chão da floresta,
normalmente longe da planta-mãe. Assim, a dispersão primária por vertebrados,
como aves e mamíferos, permite que as sementes germinem em outros lugares na
floresta. Ocorre que muitas dessas sementes caem sem terem sido dispersas pelos
bichos grandes. É aí que entra a pesquisa de doutorado que Claudia Bottcher fez na Mata Atlântica, examinando o que acontece
com os frutos após caírem no chão. Sendo as formigas os animais mais abundantes
no chão da mata, elas irão avidamente atrás dos frutos, posto que muitas vezes,
além de serem ricos em açúcar, são ricos também em proteínas e óleos. Não são portanto formigas carnívoras somente, já que também são
atraídas para os frutos.
Além disso, está claro
que, ao invés de sair de casa para caçar animais, é muito mais fácil pegar os
frutos no chão. Afinal, para isso não é preciso lutar com ninguém. Então aquela
grande quantidade de frutos provoca um fascínio nessas formigas de cerca de
De outra via, a dispersão
nesse mutualismo acaba mostrando que o lado do animal é, em repetidas ocasiões,
negligenciado e é o mais difícil de ser apontado. Conseguimos sinalizar isso
porque, ao limpar a semente, é simples verificar que ela é menos atacada por
fungos e germina melhor. O mais difícil é demonstrar como isso pode ser benéfico
à formiga dentro do formigueiro, de um ângulo que não se alcança acesso visual,
problematiza.
Paulo Oliveira relata como
esse acesso foi alcançado na pesquisa. As formigas, diz, foram criadas em condições
experimentais e o seu desenvolvimento pôde ser acompanhado através da visualização
de um ninho artificial de vidro, parecido com uma incubadora. Com isso, foi
possível enxergar de que forma aquela parte nutritiva da polpa do fruto poderia
ser útil ao crescimento das larvas do formigueiro. No período de novembro de
A bióloga comparou de que
forma elas cresciam em colônias com as quais eram alimentadas com polpas de
fruto e em colônias desprovidas desse alimento. Relacionando o desenvolvimento
larval destes dois tipos de colônia, ela conseguiu mostrar que aquelas
alimentadas com polpa se desenvolviam melhor. O orientador da tese abre um parêntesis
para explicar que pesquisadores, como ele e sua aluna Claudia Bottcher inclusive, criam formigas em laboratório para
responder a perguntas que não podem ser respondidas no ambiente natural. Esse é
um meio de desvendar o que está acontecendo debaixo do chão da floresta, onde o
formigueiro não pode ser observado em detalhe e nem saber o que ocorre dentro
da colônia. Criar formigas em laboratório não é uma iniciativa nova, entretanto
criá-las para identificar de que forma trazer alimentos para a casa pode afetar
a vida dentro do formigueiro foi algo que Claudia Bottcher
descobriu em relação aos frutos da Mata Atlântica.
Uma lição que resultou das
reflexões da tese foi derrubar por terra a ideia de
que os bichos grandes dispersam as sementes e que por isso são os mais
importantes para a reprodução da planta. A presente pesquisa indicou que os
bichinhos pequenos, aos quais se dá menos relevo, apesar de amplamente distribuídos
na floresta, são fundamentais até para a regeneração da floresta atlântica,
fazendo com que as sementes germinem melhor, as plantas cresçam de novo e a
mata afinal seja recuperada.
Formigueiro pode durar
até 20 anos
Como insetos sociais, as
formigas têm vida longeva, mas variável. Para se ter ideia,
em algumas espécies sabe-se que o formigueiro pode durar até 20 anos. Elas
vivem somente em colônias. Nelas, existe a rainha, que é o indivíduo
reprodutivo e que põe ovos. O resto da colônia é formado por uma força-tarefa
de operárias, que são os indivíduos estéreis e que trabalham em prol da colônia
e da reprodução da rainha. Numa colônia de formigas, sempre tem uma parte
reprodutiva representada pela rainha e outra parte não reprodutiva (ou estéril)
representada pelas operárias que trabalham para que o formigueiro cresça e para
que a família gerada pela rainha prossiga adiante. Então as operárias são todas
irmãs, filhas da rainha.
Na época chuvosa e quente
do ano, são produzidas no formigueiro novas rainhas virgens e
machos. Pois bem. Chega o momento do voo
nupcial. Rainhas virgens e machos de vários formigueiros
saem em revoada numa noite úmida de verão e se encontram no alto. O macho
fertiliza a rainha virgem e morre em seguida. Isso mesmo num formigueiro a única
função dos machos é copular e morrer. É, portanto, uma sociedade de fêmeas,
realça Paulo Oliveira.
A rainha fecundada segue o
seu destino, indo procurar um orifício no chão, onde possa começar um
formigueiro e colocar seus ovos. Afora a rainha, as outras formigas da colônia são
estéreis (as operárias). Nosso corpo é uma colônia de células, exatamente igual
ao formigueiro. Só que todas as nossas células, exceto o óvulo e o espermatozoide, são somáticas que não deixam descendentes
para a geração seguinte. No nosso corpo, quem vai passar os genes para a geração
seguinte são as células germinativas, o óvulo na mulher, e o espermatozoide no homem, ilustra Paulo Oliveira.
Assim, as operárias são a parte
somática do formigueiro elas protegem a rainha que é a parte reprodutiva. O que
as células somáticas fazem? Elas permitem que se coma, se proteja, se fuja da
dor, se busque o prazer, fique grande e um dia se reproduza. Quando nossas mãos
são usadas para nos protegerem de um perigo, na realidade estamos empregando as
células operárias para protegerem nosso corpo, e um dia deixarmos descendentes.
É igualzinho ao formigueiro, garante o orientador da
tese, que atua na área de Ecologia e que tem uma profunda admiração pelas
formigas que, no dia a dia, passam despercebidas e que, no entanto, conseguem a
proeza de proteger e dispersar sementes, ajudando a manter a floresta.
Publicação
Tese de doutorado: O
consumo de sementes e frutos carnosos por formigas em Mata Atlântica: história
natural, ecologia e variação espacial de uma interação proeminente
Autora: Claudia Bottcher
Orientador: Paulo Oliveira
Unidade: Instituto de
Biologia (IB)
Financiamento: Capes e
Fapesp
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