Projeto Microrganismos © P.E. Moretti

História da Microbiologia

Atualizado em 20/07/2005

 


http://www.fam.br/microrganismos/historia_da_microbiologia.htm

 

 

 

 

 

 

 

 

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A Ciência da Microbiologia

Introdução aos Microrganismos

 

A possibilidade da existência de entidades vivas invisíveis ao olho humano e que seriam a causa das doenças infecciosas remonta à Antiguidade. Em 1546, o o monge e médico italiano Girolamo Fracastorius (1483-1553) publica o livro "De contagione et contagionis" no qual especulava que doenças contagiosas eram causadas por "germes vivos" que se eram transmitidos, de alguma forma, de pessoa a pessoa. Em uma época na qual as doenças eram consideradas, mesmo pelos mais letrados, como castigo divino, pouca atenção foi dada a Fracastorius. Uma vez que era evidente a necessidade do contato físico entre pessoas para a disseminação de determinadas doenças, como a sífilis, que requeria contato sexual para se transmitir, a entidade transmissora das doenças infecciosas permaneceu objeto de meras especulações até a segunda metade do século XIX. A primeira pessoa a relatar a observação de micróbios com um microscópio foi o inglês Robert Hooke em 1665. Utilizando um microscópio rudimentar ele observou estruturas celulares de plantas e de fungos.

Apesar de Hooke ser reconhecido como o primeiro a visualizar microrganismos, pode-se dizer que a Microbiologia teve seu início com as observações feitas pelo comerciante de tecidos holandês, Anton van Leeuwenhoek, cujo passatempo era o de polir lentes e construir microscópios constituídos de uma única lente de alta qualidade que usava para observar materiais diversos e analisar a qualidade da trama dos tecidos que comercializava. Embora de baixa resolução, as lentes de Leeuwenhoek, que atingiam a resolução de 300 a 500 vezes, permitiram-lhe a descoberta de um mundo desconhecido ao permitir a observação de algas, protozoários, leveduras e bactérias maiores. Suas observações, publicadas com desenhos esmerados, entre 1673 e 1723, no importante meio científico da época - Philosophical Transactions da Royal Society of London - levou outros cientistas a começarem a desenvolver estudos mais rigorosos acerca dos microrganismos. Em 1683, este periódico publicou um desenho de Leeuwenhoek com a primeira representação de uma bactéria. Leeuwenhoek surpreendeu o mundo científico declarando que os microrganismos que observava eram vivos por apresentarem movimento ativo e intenso. Em 1680, observou que o fermento consistia de partículas globulares diminutas, as leveduras. Foi Leeuwenhoek quem descobriu e descreveu pela primeira vez o parasita intestinal Giardia lamblia que isolou de suas próprias fezes em um episódio de diarréia.

Durante os 150 anos seguintes, a Microbiologia teve um desenvolvimento muito lento em relação às outras ciências biológicas, limitando-se a simples descrições morfológicas, ao acúmulo de observações e às primeiras tentativas de classificação taxonômica. Dada a natureza dos micróbios, o progresso da Microbiologia ficou vinculado ao desenvolvimento de instrumentos e técnicas pertinentes ao seu estudo, tais como microscópios com maior poder de resolução e técnicas de cultivo e coloração de estruturas celulares.

No século XVIII, a Europa enfrentava uma grande pandemia de varíola que matava até 40% dos doentes e deixando nos sobreviventes marcas indeléveis por toda a vida. Na China, desde a Antigüidade, era reconhecido o fato de que pessoas que se recuperavam de varíola tornavam-se imunes a novas infecções. Tendo observado o fato, alguém, historicamente não identificado, teve a idéia de coletar material de crostas secas de lesões de varíola e inoculá-lo em uma pessoa sadia afim de imunizá-la. Aparentemente, a técnica foi, pelo menos em certa extensão, bem sucedida e repetida por outros até que atingiu a Índia e, a partir daí, a Europa, no século XVII, onde se tornou prática comum. O problema era que as crostas retiradas dos doentes continham o vírus virulento capaz de produzir a forma clínica da doença. Assim, enquanto uma pessoa inoculada com material de uma crosta desenvolvia um caso brando e se tornava imune à varíola, outras desenvolviam a forma clínica grave e eventualmente morriam. Por outro lado, aqueles que apenas desenvolviam a forma branda da doença podiam disseminar o vírus, iniciando uma epidemia local.

Tal era a situação quando um jovem inglês, Edward Jenner (1749-1823), foi informado por uma ordenhadora de vacas que elas não contraíam varíola por usualmente contraírem a varíola bovina, uma doença crônica branda que ocorria na forma de lesões na pele das mãos. Mais tarde, após ter-se tornado um médico rural descobriu que os homens do campo aconselhavam o casamento com mulheres ordenhadoras de vacas para quem quisesse evitar ter uma esposa que viesse a contrair a varíola. Por volta do ano de 1796 ele, convencido de que o fato era verdadeiro, inoculou um menino de oito anos com material proveniente de lesões de varíola bovina e oito semanas mais tarde inoculou o mesmo menino com pus de uma lesão de varíola humana. O menino não manifestou nenhum sintoma da varíola humana e Jenner repetiu o experimento. O caso ficou famoso e outros começaram a testar a nova técnica. Pelo ano de 1803, a técnica de Jenner já estava estabelecida como procedimento médico na Inglaterra. Em seguida, nos Estados Unidos, o estadista Benjamin Franklin (1706 - 1790) encorajou os médicos americanos a adotar o novo procedimento. O sucesso da técnica de imunização desenvolvida por Jenner livrou todo o mundo da terríveis pandemias de varíola e funcionou como modelo para o posterior desenvolvimento das vacinas modernas.

A Microbiologia como Ciência começa a ter um verdadeiro avanço a partir de meados do século XIX, com o desenvolvimento de microscópios de alta qualidade juntamente com o aperfeiçoamento de técnicas de esterilização, cultivo de microrganismos e técnicas citológicas. Nessa época, estudiosos eminentes como o químico francês Louis Pasteur (1822-1895) e o médico alemão Robert Koch (1834-1910) desenvolveram estudos que conduziram ao estabelecimento das bases da Microbiologia como ciência experimental estruturada e especializada. A Microbiologia deixa de ser uma ciência meramente descritiva para centrar-se no estudo da complexidade estrutural, fisiológica, genética e ecológica dos microrganismos, bem como das inúmeras atividades por eles desempenhadas. Estudos estes que conduziram ao desdobramento da Microbiologia em disciplinas especializadas como a Bacteriologia, a Micologia, a Parasitologia, a Virologia e a Imunologia.

Em 1857, Pasteur, a pedido de Napoleão III, descobriu a existência de microrganismos que contaminavam e deterioravam o vinho destinado às tripulações dos navios da Marinha francesa, tornando-o impróprio para consumo. Deduziu que, se o vinho fosse aquecido até uma temperatura que não afetasse seu sabor e que, ao mesmo tempo, matasse os microrganismos contaminantes, este não mais se deterioraria. Esta técnica, aplicada com sucesso no vinho destinado aos marinheiros franceses e mais tarde denominada de pasteurização, foi o fundamento das modernas técnicas de tratamento de líquidos envasados, como o vinho, a cerveja e o leite, para sua preservação. Note-se que pasteurização não é o mesmo que esterilização. Na pasteurização, o líquido é aquecido a uma temperatura que mata os microrganismos que possam deteriorar o produto, enquanto que, a esterilização mata todos as formas de vida presentes em dado material. As temperaturas requeridas para a esterilização são muito mais altas que as atingidas para a pasteurização.

Pasteur também descobriu que as leveduras presentes no vinho eram as responsáveis pela produção do conteúdo alcoólico da bebida. O anúncio deste achado encolerizou muitos dos cientistas da época uma vez que a teoria aceita era a de que a formação do vinho era o resultado reações químicas espontâneas que ocorriam no suco de uvas. A descoberta de Pasteur permitiu que a indústria do vinho monitorasse sua qualidade controlando as leveduras que fermentavam o suco de uvas.

Pasteur foi o fundador da imunologia moderna ao verificar que galinhas tornavam-se imunes a uma doença bacteriana se inoculadas com a forma não virulenta de uma bactéria patogênica. Ao investigar a cólera aviária, ele inoculou galinhas com uma cultura velha do patógeno. Vendo que as aves não morreram ele deduziu que as bactérias da cultura velha não eram mais patogênicas, talvez porque não fossem mais viáveis. Repetindo o experimento, inoculou as mesmas galinhas com doses letais de uma cultura fresca do patógeno e, novamente, as galinhas não morreram. Pasteur deduziu que as culturas bacterianas velhas tinham imunizado as galinhas e concluiu que bactérias mantidas sob condições adversas podem perder sua capacidade de causar doença mas retém a capacidade de imunizar um hospedeiro.

Partindo desse princípio, Pasteur começou a produzir vacinas contra doenças tais como o carbúnculo causado pela bactéria Bacillus anthracis e a raiva causada pelo vírus da raiva. Nos dias de hoje, as vacinas modernas são desenvolvidas com base no mesmo princípio geral, descoberto por Pasteur. Com o advento da biologia molecular novos metodologias para produção de vacinas e imunização estão sendo desenvolvidos.

No final da década de 1870, Koch, sendo um médico rural, interessou-se pelo carbúnculo, uma doença comum em fazendeiros e em seus animais. Analisando sangue de vítimas do carbúnculo ao microscópio, Koch observou a presença de uma bactéria de grandes dimensões. Ele supôs que este poderia ser o agente causador da doença. Em um laboratório improvisado e desenvolvendo técnicas microbiológicas à medida em que procedia a seus estudos, Koch conseguiu isolar a bactéria. Animais sadios inoculados com a bactéria purificada apresentavam os sintomas clássicos do carbúnculo. A partir do sangue destes animais, Koch re-isolou mesma bactéria. Ele repetiu o experimento, sempre re-isolando a bactéria dos animais experimentalmente infectados até que tivesse certeza que tinha encontrado o agente da doença. Uma vez que o carbúnculo era uma doença comercialmente importante dado os prejuízos econômicos que causava na pecuária e por suas técnicas serem facilmente duplicáveis, outros estudiosos da época aceitaram sua descoberta. Koch tornou-se famoso e conseguiu seu próprio instituto de pesquisas. Os cientistas do grupo de Koch e os do grupo de Pasteur, desenvolveram as técnicas básicas de microbiologia, ainda hoje em uso, tais como, técnicas de esterilização de material e meios de cultura, utilização de culturas microbianas puras, o uso de placas de Petri, agulhas de inoculação, o uso de ágar para a gelificação de meios de cultura, e técnicas de coloração de bactérias com a coloração de Gram.

Koch também descobriu os agentes etiológicos da cólera e da tuberculose, as bactérias Vibrio cholerae e Mycobacterium tuberculosis, respectivamente. A bactéria M. tuberculosis é ainda hoje denominada bacilo de Koch. Seus estudos, combinados com os de Pasteur, estabeleceram a Teoria do Germe. Em 1877. Koch formulou um conjunto de quatro postulados os quais afirmava deveriam ser adotados para que se aceitasse uma relação entre um microrganismo em particular e uma doença. Esses postulados tornaram-se conhecidos como os postulados de Koch e são, de modo geral, utilizados ainda hoje, se bem que apresentem limitações e não podem ser livremente empregados em todos os casos de doenças infecciosas, como acontece com muitas doenças virais humanas, como a AIDS, que não afetam outras espécies e doenças como a sífilis e hanseníase cujos agentes são bactérias que não são cultiváveis em meios de laboratório. Em tais situações não é impossível a utilização de todos os postulados.

Em 1881, o médico alemão Walther Hesse juntou-se ao grupo de Koch para estudar questões relacionadas à saúde pública e ao metabolismo bacteriano tendo como assistente sua esposa Fanny Angelina Eilshemius Hesse. A gelatina então utilizada para gelificar meios de cultura ou era consumida pelos próprios microrganismos ou derretia-se em dias quentes, prejudicando os experimentos que requeriam meios de cultura sólidos. Angelina contou a seu marido que usava uma gelatina chamada de ágar-ágar para conservar seus doces sólidos em dias quentes. O ágar-ágar tem sido usado como agente gelificante na culinária asiática há séculos. Hesse passou a utilizar com sucesso o ágar-ágar para fazer meios de cultura sólidos e essa prática permanece nos dias de hoje.

O ágar-ágar, atualmente denominado simplesmente de ágar, é um polissacarídeo complexo e indigerível pelo menos pela grande maioria dos microrganismos, o que tornou universal seu uso em microbiologia para o crescimento de microrganismos em meio sólido. Atualmente, o ágar empregado em microbiologia é produzido pela indústria especializada na manufatura de meios de cultura e disponível em vários graus de pureza. No preparo de meios de cultura sólido, o ágar é, via de regra, adicionado na concentração de 15 gramas por litro de meio líquido. As características gerais do ágar são: não-tóxico (para a maioria dos microrganismos e humanos), derrete somente a 100ºC, mas solidifica-se a cerca de 45ºC (dependendo da concentração), mantêm-se estável mesmo sob temperaturas de esterilização (120ºC) e fisiologicamente inerte (muito poucas bactérias expressam enzimas capazes de digeri-lo).

Fontes

Fundamentals of Microbiology: http://www.slic2.wsu.edu:82/hurlbert/micro101/pages/101hmpg.html

Institute Pasteur, Paris: http://www.pasteur.fr/english.html