A Verdade sobre a Maconha
Superinteressante - agosto
2002
Por Denis Russo Burgierman
http://super.abril.com.br/revista/reportag/0802/1791.html
Poucos assuntos dão margem
a tanta mentira, tanta deturpação, tanta desinformação. Afinal, quais os
verdadeiros motivos por trás da proibição da maconha? A droga faz mal ou não?
Por que a
maconha é proibida? Porque faz mal à saúde. Será mesmo? Então, por que o bacon
não é proibido? Ou as anfetaminas? E, diga-se de passagem, nenhum mal sério à
saúde foi comprovado para o uso esporádico de maconha.
A guerra contra essa planta
foi motivada muito mais por fatores raciais, econômicos, políticos e morais do
que por argumentos científicos. E algumas dessas razões são inconfessáveis. Tem
a ver com o preconceito contra árabes, chineses, mexicanos e negros, usuários
freqüentes de maconha no começo do século XX. Deve muito aos interesses de
indústrias poderosas dos anos 20, que vendiam tecidos sintéticos e papel e
queriam se livrar de um concorrente, o cânhamo. Tem raízes também na
bem-sucedida estratégia de dominação dos Estados Unidos sobre o planeta. E, é
claro, guarda relação com o moralismo judaico-cristão (e principalmente
protestante-puritano), que não aceita a idéia do prazer sem merecimento – pelo
mesmo motivo, no passado, condenou-se a masturbação.
Não é fácil falar desse
assunto – admito que levei um dia inteiro para compor o parágrafo acima. O tema
é tão carregado de ideologia e as pessoas têm convicções tão profundas sobre
ele que qualquer convite ao debate, qualquer insinuação de que estamos lidando
mal com o problema já é interpretada como “apologia às drogas” e, portanto,
punível com cadeia. O fato é que, apesar da desinformação dominante, sabe-se
muito sobre a maconha. Ela é cultivada há milênios e centenas de pesquisas já
foram feitas sobre o assunto. O que tentei fazer foi condensar nesta reportagem
o conhecimento que a humanidade reuniu sobre a droga nos milênios em que
convive com ela.
POR QUE É PROIBIDO?
Parte 1 – Sede de Poder
"O corpo esmagado da
menina jazia espalhado na calçada um dia depois de mergulhar do quinto andar de
um prédio de apartamentos em Chicago. Todos disseram que ela tinha se
suicidado, mas, na verdade, foi homicídio. O assassino foi um narcótico
conhecido na América como marijuana e na história como haxixe. Usado na forma
de cigarros, ele é uma novidade nos Estados Unidos e é tão perigoso quanto uma cascavel."
Começa assim a matéria "Marijuana: assassina de jovens", publicada em
1937 na revista American Magazine. A cena nunca aconteceu. O texto era assinado
por um funcionário do governo chamado Harry Anslinger. Se a maconha, hoje, é
ilegal em praticamente todo o mundo, não é exagero dizer que o maior
responsável foi ele.
Nas primeiras décadas do
século XX, a maconha era liberada, embora muita gente a visse com maus olhos.
Aqui no Brasil, maconha era "coisa de negro", fumada nos terreiros de
candomblé para facilitar a incorporação e nos confins do país por agricultores
depois do trabalho. Na Europa, ela era associada aos imigrantes árabes e
indianos e aos incômodos intelectuais boêmios. Nos Estados Unidos, quem fumava
eram os cada vez mais numerosos mexicanos – meio milhão deles cruzaram o Rio
Grande entre 1915 e 1930 em busca de trabalho. Muitos não acharam. Ou seja, em
boa parte do Ocidente, fumar maconha era relegado a classes marginalizadas e
visto com antipatia pela classe média branca.
Pouca gente sabia,
entretanto, que a mesma planta que fornecia fumo às classes baixas tinha enorme
importância econômica. Dezenas de remédios – de xaropes para tosse a pílulas
para dormir – continham cannabis. Quase toda a produção de papel usava como matéria-prima
a fibra do cânhamo, retirada do caule do pé de maconha. A indústria de tecidos
também dependia da cannabis - o tecido de cânhamo era muito difundido,
especialmente para fazer cordas, velas de barco, redes de pesca e outros
produtos que exigissem um material muito resistente. A Ford estava
desenvolvendo combustíveis e plásticos feitos a partir do óleo da semente de
maconha. As plantações de cânhamo tomavam áreas imensas na Europa e nos Estados
Unidos.
Em 1920, sob pressão de
grupos religiosos protestantes, os Estados Unidos decretaram a proibição da
produção e da comercialização de bebidas alcoólicas. Era a Lei Seca, que durou
até 1933. Foi aí que Henry Anslinger surgiu na vida pública americana –
reprimindo o tráfico de rum que vinha das Bahamas. Foi aí, também, que a
maconha entrou na vida de muita gente - e não só dos mexicanos. "A
proibição do álcool foi o estopim para o 'boom' da maconha", afirma o
historiador inglês Richard Davenport-Hines, especialista na história dos
narcóticos, em seu livro The Pursuit of Oblivion (A busca do esquecimento,
ainda sem versão para o Brasil). "Na medida em que ficou mais difícil
obter bebidas alcoólicas e elas ficaram mais caras e piores, pequenos cafés que
vendiam maconha começaram a proliferar", escreveu.
Anslinger foi promovido a
chefe da Divisão de Controle Estrangeiro do Comitê de Proibição e sua tarefa
era cuidar do contrabando de bebidas. Foi nessa época que ele percebeu o clima
de antipatia contra a maconha que tomava a nação. Clima esse que só piorou com
a quebra da Bolsa, em 1929, que afundou a nação numa recessão. No sul do país,
corria o boato de que a droga dava força sobre-humana aos mexicanos, o que
seria uma vantagem injusta na disputa pelos escassos empregos. A isso se
somavam insinuações de que a droga induzia ao sexo promíscuo (muitos mexicanos
talvez tivessem mais parceiros que um americano puritano médio, mas isso não
tem nada a ver com a maconha) e ao crime (com a crise, a criminalidade aumentou
entre os mexicanos pobres, mas a maconha é inocente disso). Baseados nesses
boatos, vários Estados começaram a proibir a substância. Nessa época, a maconha
virou a droga de escolha dos músicos de jazz, que afirmavam ficar mais
criativos depois de fumar.
Anslinger agarrou-se firme
à bandeira proibicionista, batalhou para divulgar os mitos antimaconha e, em
1930, quando o governo, preocupado com a cocaína e o ópio, criou o FBN (Federal
Bureau of Narcotics, um escritório nos moldes do FBI para lidar com drogas),
ele articulou para chefiá-lo. De repente, de um cargo burocrático obscuro,
Anslinger passou a ser o responsável pela política de drogas do país. E quanto
mais substâncias fossem proibidas, mais poder ele teria.
POR QUE É PROIBIDO?
Parte 2 – Fibras sintéticas
e papel
Mas é improvável que a
cruzada fosse motivada apenas pela sede de poder. Outros interesses devem ter
pesado. Anslinger era casado com a sobrinha de Andrew Mellon, dono da gigante
petrolífera Gulf Oil e um dos principais investidores da igualmente gigante Du
Pont. "A Du Pont foi uma das maiores responsáveis por orquestrar a
destruição da indústria do cânhamo", afirma o escritor Jack Herer, em seu
livro The Emperor Wears No Clothes (O imperador está nu, ainda sem tradução).
Nos anos 20, a empresa estava desenvolvendo vários produtos a partir do
petróleo: aditivos para combustíveis, plásticos, fibras sintéticas como o
náilon e processos químicos para a fabricação de papel feito de madeira. Esses
produtos tinham uma coisa em comum: disputavam o mercado com o cânhamo. Seria
um empurrão considerável para a nascente indústria de sintéticos se as imensas
lavouras de cannabis fossem destruídas, tirando a fibra do cânhamo e o óleo da
semente do mercado. "A maconha foi proibida por interesses econômicos,
especialmente para abrir o mercado das fibras naturais para o náilon",
afirma o jurista Wálter Maierovitch, especialista em tráfico de entorpecentes e
ex-secretário nacional antidrogas.
Anslinger tinha um aliado
poderoso na guerra contra a maconha: William Randolph Hearst, dono de uma
imensa rede de jornais. Hearst era a pessoa mais influente dos Estados Unidos.
Milionário, comandava suas empresas de um castelo monumental na Califórnia,
onde recebia artistas de Hollywood para passear pelo zoológico particular ou
dar braçadas na piscina coberta adornada com estátuas gregas. Foi nele que
Orson Welles se inspirou para criar o protagonista do filme Cidadão Kane.
Hearst sabidamente odiava mexicanos. Parte desse ódio talvez se devesse ao fato
de que, durante a Revolução Mexicana de 1910, as tropas de Pancho Villa (que,
aliás, faziam uso freqüente de maconha) desapropriaram uma enorme propriedade
sua. Sim, Hearst era dono de terras e as usava para plantar eucaliptos e outras
árvores para produzir papel. Ou seja, ele também tinha interesse em que a
maconha americana fosse destruída – levando com ela a indústria de papel de
cânhamo.
Hearst iniciou, nos anos
30, uma intensa campanha contra a maconha. Seus jornais passaram a publicar
seguidas matérias sobre a droga, às vezes afirmando que a maconha fazia os
mexicanos estuprarem mulheres brancas, outras noticiando que 60% dos crimes
eram cometidos sob efeito da droga (um número tirado sabe-se lá de onde). Nessa
época, surgiu a história de que o fumo mata neurônios, um mito repetido até
hoje. Foi Hearst que, se não inventou, ao menos popularizou o nome marijuana
(ele queria uma palavra que soasse bem hispânica, para permitir a associação
direta entre a droga e os mexicanos). Anslinger era presença constante nos
jornais de Hearst, onde contava suas histórias de terror. A opinião pública
ficou apavorada. Em 1937, Anslinger foi ao Congresso dizer que, sob o efeito da
maconha, "algumas pessoas embarcam numa raiva delirante e cometem crimes
violentos". Os deputados votaram pela proibição do cultivo, da venda e do
uso da cannabis, sem levar em conta as pesquisas que afirmavam que a substância
era segura. Proibiu-se não apenas a droga, mas a planta. O homem simplesmente
cassou o direito da espécie Cannabis sativa de existir.
POR QUE É PROIBIDO?
Parte 3 – Controle Social
Anslinger também atuou
internacionalmente. Criou uma rede de espiões e passou a freqüentar as reuniões
da Liga das Nações, antecessora da ONU, propondo tratados cada vez mais duros
para reprimir o tráfico internacional. Também começou a encontrar líderes de
vários países e a levar a eles os mesmos argumentos aterrorizantes que
funcionaram com os americanos. Não foi difícil convencer os governos – já na
década de 20 o Brasil adotava leis federais antimaconha. A Europa também
embarcou na onda proibicionista.
"A proibição das
drogas serve aos governos porque é uma forma de controle social das
minorias", diz o cientista político Thiago Rodrigues, pesquisador do
Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos. Funciona assim: maconha
é coisa de mexicano, mexicanos são uma classe incômoda. "Como não é
possível proibir alguém de ser mexicano, proíbe-se algo que seja típico dessa
etnia", diz Thiago. Assim, é possível manter sob controle todos os
mexicanos - eles estarão sempre ameaçados de cadeia. Por isso a proibição da
maconha fez tanto sucesso no mundo. O governo brasileiro achou ótimo mais esse
instrumento para manter os negros sob controle. Os europeus também adoraram
poder enquadrar seus imigrantes.
A proibição foi virando uma
forma de controle internacional por parte dos Estados Unidos, especialmente
depois de 1961, quando uma convenção da ONU determinou que as drogas são ruins
para a saúde e o bem-estar da humanidade e, portanto, eram necessárias ações
coordenadas e universais para reprimir seu uso. "Isso abriu espaço para
intervenções militares americanas", diz Maierovitch. "Virou um
pretexto oportuno para que os americanos possam entrar em outros países e
exercer os seus interesses econômicos."
Estava erguida uma
estrutura mundial interessada em manter as drogas na ilegalidade, a maconha
entre elas. Um ano depois, em 1962, o presidente John Kennedy demitiu Anslinger
– depois de nada menos que 32 anos à frente do FBN. Um grupo formado para
analisar os efeitos da droga concluiu que os riscos da maconha estavam sendo
exagerados e que a tese de que ela levava a drogas mais pesadas era furada. Mas
não veio a descriminalização. Pelo contrário. O presidente Richard Nixon
endureceu mais a lei, declarou "guerra às drogas" e criou o DEA (em
português, Escritório de Coação das Drogas), um órgão ainda mais poderoso que o
FBN, porque, além de definir políticas, tem poder de polícia.
MACONHA FAZ MAL?
Taí uma pergunta que vem
sendo feita faz tempo. Depois de mais de um século de pesquisas, a resposta
mais honesta é: faz, mas muito pouco e só para casos extremos. O uso moderado
não faz mal. A preocupação da ciência com esse assunto começou em 1894, quando
a Índia fazia parte do Império Britânico. Havia, então, a desconfiança de que o
bhang, uma bebida à base de maconha muito comum na Índia, causava demência.
Grupos religiosos britânicos reivindicavam sua proibição. Formou-se a Comissão
Indiana de Drogas da Cannabis, que passou dois anos investigando o tema. O
relatório final desaconselhou a proibição: "O bhang é quase sempre
inofensivo quando usado com moderação e, em alguns casos, é benéfico. O abuso
do bhang é menos prejudicial que o abuso do álcool".
Em 1944, um
dos mais populares prefeitos de Nova York, Fiorello La Guardia, encomendou
outra pesquisa. Em meio à histeria antimaconha de Anslinger, La Guardia
resolveu conferir quais os reais riscos da tal droga assassina. Os cientistas
escolhidos por ele fizeram testes com presidiários (algo comum na época) e
concluíram: "O uso prolongado da droga não leva à degeneração física,
mental ou moral". O trabalho passou despercebido no meio da barulheira
proibicionista de Anslinger.
A partir dos anos 60,
várias pesquisas parecidas foram encomendadas por outros governos. Relatórios
produzidos na Inglaterra, no Canadá e nos Estados Unidos aconselharam um
afrouxamento nas leis. Nenhuma dessas pesquisas foi suficiente para forçar uma
mudança. Mas a experiência mais reveladora sobre a maconha e suas conseqüências
foi realizada fora do laboratório. Em 1976, a Holanda decidiu parar de prender
usuários de maconha desde que eles comprassem a droga em cafés autorizados.
Resultado: o índice de usuários continua comparável aos de outros países da
Europa. O de jovens dependentes de heroína caiu - estima-se que, ao tirar a
maconha da mão dos traficantes, os holandeses separaram essa droga das mais
pesadas e, assim, dificultaram o acesso a elas.
Nos últimos anos, os
possíveis males da maconha foram cuidadosamente escrutinados – às vezes por
pesquisadores competentes, às vezes por gente mais interessada em convencer os
outros da sua opinião. Veja abaixo um resumo do que se sabe:
Câncer - Não se provou nenhuma
relação direta entre fumar maconha e câncer de pulmão, traquéia, boca e outros
associados ao cigarro. Isso não quer dizer que não haja. Por muito tempo, os
riscos do cigarro foram negligenciados e só nas últimas duas décadas ficou
claro que havia uma bomba-relógio armada - porque os danos só se manifestam
depois de décadas de uso contínuo. Há o temor de que uma bomba semelhante
esteja para explodir no caso da maconha, cujo uso se popularizou a partir dos
anos 60. O que se sabe é que o cigarro de maconha tem praticamente a mesma composição
de um cigarro comum – a única diferença significativa é o princípio ativo. No
cigarro é a nicotina, na maconha o tetrahidrocanabinol, ou THC. Também é
verdade que o fumante de maconha tem comportamentos mais arriscados que o de
cigarro: traga mais profundamente, não usa filtro e segura a fumaça por mais
tempo no pulmão (o que, aliás, segundo os cientistas, não aumenta os efeitos da
droga). Em compensação, boa parte dos maconheiros fuma muito menos e pára ou
reduz o consumo depois dos 30 anos (parar cedo é sabidamente uma forma de
diminuir drasticamente o risco de câncer). Em resumo: o usuário eventual de
maconha, que é o mais comum, não precisa se preocupar com um aumento grande do
risco de câncer. Quem fuma mais de um baseado por dia há mais de 15 anos deve
pensar em parar.
Dependência - Algo entre 6% e 12% dos
usuários, dependendo da pesquisa, desenvolve um uso compulsivo da maconha
(menos que a metade das taxas para álcool e tabaco). A questão é: será que a
maconha é a causa da dependência ou apenas uma válvula de escape.
"Dependência de maconha não é problema da substância, mas da pessoa",
afirma o psiquiatra Dartiu Xavier, coordenador do Programa de Orientação e
Atendimento a Dependentes da Escola Paulista de Medicina. Segundo Dartiu, há um
perfil claro do dependente de maconha: em geral, ele é jovem, quase sempre
ansioso e eventualmente depressivo. Pessoas que não se encaixam nisso não
desenvolvem o vício. "E as que se encaixam podem tanto ficar dependentes
de maconha quanto de sexo, de jogo, de internet", diz.
Muitos especialistas
apontam para o fato de que a maconha está ficando mais perigosa – na medida em
que fica mais potente. Ao longo dos últimos 40 anos, foi feito um melhoramento
genético, cruzando plantas com alto teor de THC. Surgiram variedades como o
skank. No último ano, foram apreendidos carregamentos de maconha alterada
geneticamente no Leste europeu – a engenharia genética é usada para aumentar a
potência, o que poderia aumentar o potencial de dependência. Segundo o
farmacólogo Leslie Iversen, autor do ótimo The Science of Marijuana (A ciência
da maconha, sem tradução para o português) e consultor para esse tema da Câmara
dos Lordes (o Senado inglês), esses temores são exagerados e o aumento da
concentração de THC não foi tão grande assim.
Para além dessa discussão,
o fato é que, para quem é dependente, maconha faz muito mal. Isso é
especialmente verdade para crianças e adolescentes. "O sujeito com 15 anos
não está com a personalidade formada. O uso exagerado de maconha pode ser muito
danoso a ele", diz Dartiu. O maior risco para adolescentes que fumam
maconha é a síndrome amotivacional, nome que se dá à completa perda de
interesse que a droga causa em algumas pessoas. A síndrome amotivacional é
muito mais freqüente em jovens e realmente atrapalha a vida – é quase certeza
de bomba na escola e de crise na família.
Danos cerebrais - "Maconha mata
neurônios." Essa frase, repetida há décadas, não passa de mito. Bilhões de
dólares foram investidos para comprovar que o THC destrói tecido cerebral – às
vezes com pesquisas que ministravam doses de elefante em ratinhos –, mas nada
foi encontrado.
Muitas experiências foram
feitas em busca de danos nas capacidades cognitivas do usuário de maconha. A
maior preocupação é com a memória. Sabe-se que o usuário de maconha, quando
fuma, fica com a memória de curto prazo prejudicada. São bem comuns os relatos
de pessoas que têm idéias que parecem geniais durante o "barato", mas
não conseguem lembrar-se de nada no momento seguinte. Isso acontece porque a
memória de curto prazo funciona mal sob o efeito de maconha e, sem ela, as
memórias de longo prazo não são fixadas (é por causa desse
"desligamento" da memória que o usuário perde a noção do tempo). Mas
esse dano não é permanente. Basta ficar sem fumar que tudo volta a funcionar
normalmente. O mesmo vale para o raciocínio, que fica mais lento quando o
usuário fuma muito freqüentemente.
Há pesquisas com usuários
"pesados" e antigos, aqueles que fumam vários baseados por dia há
mais de 15 anos, que mostraram que eles se saem um pouco pior em alguns testes,
principalmente nos de memória e de atenção. As diferenças, no entanto, são
sutis. Na comparação com o álcool, a maconha leva grande vantagem: beber muito
provoca danos cerebrais irreparáveis e destrói a memória.
Coração - O uso de maconha dilata
os vasos sangüíneos e, para compensar, acelera os batimentos cardíacos. Isso
não oferece risco para a maioria dos usuários, mas a droga deve ser evitada por
quem sofre do coração.
Infertilidade - Pesquisas mostraram que
o usuário freqüente tem o número de espermatozóides reduzido. Ninguém conseguiu
provar que isso possa causar infertilidade, muito menos impotência. Também está
claro que os espermatozóides voltam ao normal quando se pára de fumar.
Depressão imunológica - Nos anos 70,
descobriu-se que o THC afeta os glóbulos brancos, células de defesa do corpo.
No entanto, nenhuma pesquisa encontrou relação entre o uso de maconha e a
incidência de infecções.
Loucura - No passado, acreditava-se
que maconha causava demência. Isso não se confirmou, mas sabe-se que a droga
pode precipitar crises em quem já tem doenças psiquiátricas.
Gravidez - Algumas pesquisas
apontaram uma tendência de filhos de mães que usaram muita maconha durante a
gravidez de nascer com menor peso. Outras não confirmaram a suspeita. De
qualquer maneira, é melhor evitar qualquer droga psicoativa durante a gestação.
Sem dúvida, a mais perigosa delas é o álcool.
MACONHA FAZ BEM?
No geral, não. A maioria
das pessoas não gosta dos efeitos e as afirmações de que a erva, por ser
"natural", faz bem, não passam de besteira. Outros adoram e relatam
que ela ajuda a aumentar a criatividade, a relaxar, a melhorar o humor, a
diminuir a ansiedade. É inevitável: cada um é um.
O uso medicinal da maconha
é tão antigo quanto a maconha. Hoje há muitas pesquisas com a cannabis para
usá-la como remédio. Segundo o farmacólogo inglês Iversen, não há dúvidas de
que ela seja um remédio útil para muitos e fundamental para alguns, mas há um
certo exagero sobre seus potenciais. Em outras palavras: a maconha não é a
salvação da humanidade. Um dos maiores desafios dos laboratórios é tentar
separar o efeito medicinal da droga do efeito psicoativo – ou seja, criar uma
maconha que não dê "barato". Muitos pesquisadores estão chegando à
conclusão de que isso é impossível: aparentemente, as mesmas propriedades
químicas que alteram a percepção do cérebro são responsáveis pelo caráter
curativo. Esse fato é uma das limitações da maconha como medicamento, já que
muitas pessoas não gostam do efeito mental. No Brasil, assim como em boa parte
do mundo, o uso médico da cannabis é proibido e milhares de pessoas usam o
remédio ilegalmente. Conheça alguns dos usos:
Câncer - Pessoas tratadas com
quimioterapia muitas vezes têm enjôos terríveis, eventualmente tão terríveis
que elas preferem a doença ao remédio. Há medicamentos para reduzir esse enjôo
e eles são eficientes. No entanto, alguns pacientes não respondem a nenhum
remédio legal e respondem maravilhosamente à maconha. Era o caso do brilhante
escritor e paleontólogo Stephen Jay Gould, que, no mês passado, finalmente,
perdeu uma batalha de 20 anos contra o câncer (leia mais sobre ele). Gould
nunca tinha usado drogas psicoativas – ele detestava a idéia de que
interferissem no funcionamento do cérebro. Veja o que ele disse: "A
maconha funcionou como uma mágica. Eu não gostava do 'efeito colateral' que era
o borrão mental. Mas a alegria cristalina de não ter náusea – e de não
experimentar o pavor nos dias que antecediam o tratamento – foi o maior
incentivo em todos os meus anos de quimioterapia".
Aids - Maconha dá fome.
Qualquer um que fuma sabe disso (aliás, esse é um de seus inconvenientes: ela
engorda). Nenhum remédio é tão eficiente para restaurar o peso de portadores do
HIV quanto a maconha. E isso pode prolongar muito a vida: acredita-se que
manter o peso seja o principal requisito para que um soropositivo não
desenvolva a doença. O problema: a cannabis tem uma ação ainda pouco
compreendida no sistema imunológico. Sabe-se que isso não representa perigo
para pessoas saudáveis, mas pode ser um risco para doentes de Aids.
Esclerose múltipla - Essa doença degenerativa
do sistema nervoso é terrivelmente incômoda e fatal. Os doentes sentem fortes
espasmos musculares, muita dor e suas bexigas e intestinos funcionam muito mal.
Acredita-se que ela seja causada por uma má função do sistema imunológico, que
faz com que as células de defesa ataquem os neurônios. A maconha alivia todos
os sintomas. Ninguém entende bem por que ela é tão eficiente, mas especula-se
que tenha a ver com seu pouco compreendido efeito no sistema imunológico.
Dor - A cannabis é um
analgésico usado em várias ocasiões. Os relatos de alívio das cólicas
menstruais são os mais promissores.
Glaucoma - Essa doença
caracteriza-se pelo aumento da pressão do líquido dentro do olho e pode levar à
cegueira. Maconha baixa a pressão intraocular. O problema é que, para ser um
remédio eficiente, a pessoa tem que fumar a cada três ou quatro horas, o que
não é prático e, com certeza, é nocivo (essa dose de maconha deixaria o
paciente eternamente "chapado"). Há estudos promissores com colírios
feitos à base de maconha, que agiriam diretamente no olho, sem afetar o
cérebro.
Ansiedade - Maconha é um remédio
leve e pouco agressivo contra a ansiedade. Isso, no entanto, depende do
paciente. Algumas pessoas melhoram após fumar; outras, principalmente as pouco
habituadas à droga, têm o efeito oposto. Também há relatos de sucesso no
tratamento de depressão e insônia, casos em que os remédios disponíveis no
mercado, embora sejam mais eficientes, são também bem mais agressivos e têm
maior potencial de dependência.
Dependência - Dois psiquiatras
brasileiros, Dartiu Xavier e Eliseu Labigalini, fizeram uma experiência
interessante. Incentivaram dependentes de crack a fumar maconha no processo de
largar o vício. Resultado: 68% deles abandonaram o crack e, depois, pararam
espontaneamente com a maconha, um índice altíssimo. Segundo eles, a maconha é
um remédio feito sob medida para combater a dependência de crack e cocaína,
porque estimula o apetite e combate a ansiedade, dois problemas sérios para
cocainômanos. Dartiu e Eliseu pretendem continuar as pesquisas, mas estão com
problemas para conseguir financiamento – dificilmente um órgão público
investirá num trabalho que aposte nos benefícios da maconha