ESTUDO CONSIDERA MATA ATLÂNTICA "PRONTO-SOCORRO" DA BIODIVERSIDADE
REINALDO JOSÉ LOPES
Free-lance para a Folha de S.Paulo

A pressão do desmatamento sobre o mais ameaçado dos ecossistemas brasileiros
ficou menos severa, e a iniciativa privada está se envolvendo de maneira
inesperada na sua preservação.

São boas notícias surpreendentes sobre a mata atlântica, que acompanham
a segunda edição de um estudo internacional sobre as áreas com mais diversidade
biológica e mais devastadas do planeta.

O livro "Hotspots Revisitados", produzido pela organização não-governamental
CI (Conservação Internacional) e lançado hoje nos Estados Unidos, também
apresenta nove outras regiões que são prioridade absoluta para proteção
ambiental --ou "pronto-socorros da biodiversidade", como diz Russell
Mittermeier,
presidente do órgão.

Com a atualização, agora são 34 "hotspots", como essas áreas são chamadas.
Duas delas ficam no Brasil: além da mata atlântica, o cerrado.

Aliás, a situação do segundo mostra que por aqui ainda não há motivos para
comemorar. "Há o risco de alcançarmos rapidamente a situação atual da mata
atlântica [apenas 7% da cobertura vegetal original] no cerrado", disse à
Folha o biólogo Ricardo Bonfim Machado, 42, diretor da CI para o cerrado.


Ao mesmo tempo, há regiões da mata atlântica que continuam sofrendo pressões
destrutivas sérias, como as florestas de araucária da região Sul e os
fragmentos
que ainda resistem ao norte do rio São Francisco.

Pouca mata, muitas espécies

O conceito de "hotspots" (literalmente "pontos quentes") foi criado pelo
ecólogo inglês Norman Myers e mede não apenas a diversidade de espécies
animais e vegetais de um lugar, mas também o quão únicas --e ameaçadas--
essas espécies são.

Para ser considerado um "hotspot", um ecossistema precisa ter pelo menos
1.500 espécies de planta endêmicas (ou seja, que só existem ali) e ter perdido
pelo menos 75% de sua cobertura vegetal. É por causa desse segundo critério
que a Amazônia não entra na atual lista de 34.

A mata atlântica está entre os "hotspots" mais ameaçados e, apesar dos sinais
animadores, o biólogo Luiz Paulo Pinto, 42, diz que há "bolsões de pressão"
sobre remanescentes importantes do ecossistema. "A mata de araucária, por
exemplo, corre sério risco de desaparecer. Só resta 3% do bioma", afirma
o cientista, diretor da CI para a mata atlântica.

Quando se leva em consideração apenas os remanescentes da floresta de araucária
em bom estado, a situação é ainda mais séria. "No Paraná, verificamos que
eles correspondem a apenas 0,8% da área original", afirma o agrônomo Fernando
Veiga, 41, coordenador de florestas e sistemas agroflorestais da ONG The
Nature Conservancy do Brasil.

Nas áreas do Nordeste acima do rio São Francisco, o problema é a ocorrência
de espécies em apenas um ou dois fragmentos --que seriam literalmente riscadas
do mapa se essas áreas fossem desmatadas. Estão nessa situação, por exemplo,
178 espécies de árvore.

Para Luiz Paulo Pinto, um dos grandes avanços nos últimos anos foi o
crescimento
de RPPNs (Reservas Particulares do Patrimônio Natural) nas regiões de mata
atlântica. "Hoje temos um número expressivo, 443 reservas, o que corresponde
a 60% desse tipo de área protegida no país", afirma.

No cerrado, os trechos protegidos também cresceram, mas ainda protegem apenas
uma área inferior a 2% do ecossistema, segundo Machado. "Passamos de nada
a duas vezes nada", ironiza. A maior causa de desmatamento ali é o avanço
da soja.

Miguel Jorge
Ass.Político