Identificada a primeira organela do núcleo celular (30/05/2004)

Atualmente, escolas e universidades ensinam que o núcleo da célula é composto apenas pelo material genético, chamado cromatina (DNA), pela carioteca (envoltório nuclear) e pelo nucléolo. Em alguns anos, no entanto, o retículo nucleoplasmático também fará parte da descrição do núcleo; isso porque uma equipe de pesquisadores da Universidade de Yale, nos EUA, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), identificou e mostrou o funcionamento dessa nova estrutura, responsável por armazenar e liberar cálcio - elemento fundamental em inúmeras atividades das células, como sua multiplicação, crescimento e transcrição dos genes (produção de proteínas). A presença desse maquinário permite que vários processos sejam regulados de forma independente no núcleo.

O cálcio fica armazenado principalmente dentro do retículo endoplasmático, organela do citoplasma também associada à produção e secreção de lipídeos, esteróides (hormônios derivados do colesterol), substâncias vindas do meio externo, além de estar envolvida no processo de síntese e secreção de proteínas. Até se dar a descoberta, biólogos celulares acreditavam que o cálcio entrava no núcleo vindo do citoplasma através de uma difusão, porque a parede do núcleo é bastante porosa e permite o intercâmbio de substâncias. Caso esse fosse o único meio do cálcio entrar no núcleo, este ficaria sujeito a funcionar como um compartimento único e homogêneo. Ao contrário, o núcleo é responsável por regular diversos processos simultaneamente e, portanto, fica mais fácil compreender a função de um retículo que armazene e secrete cálcio dentro do núcleo, o que permite atender diferentes necessidades locais. No núcleo, o cálcio deve regular prioritariamente a transcrição de alguns genes, que dependem deste elemento para ocorrer, e até afetar a própria estrutura do DNA, segundo afirmam os autores da pesquisa.

Embora o retículo nucleoplasmático não tivesse sido reconhecido anteriormente como sendo uma organela, já havia sido observado como sendo extensão do núcleo que estaria presente em vários tipos de células dos mamíferos. Essa descrição se confirma, já que o recém descoberto retículo nucleoplasmático está fisicamente ligado tanto ao retículo endoplasmático quanto à membrana nuclear, ou envelope nuclear.

O que impossibilitou a observação prévia do retículo no núcleo foi a falta de um microscópio de alta resolução, segundo explica Maria de Fátima Leite, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de ciências Biológicas da UFMG e uma das autoras da pesquisa. Para a realização desse estudo, Leite e seus colegas da Yale utilizaram o microscópio Two Photon, de alta resolução. Como diz o nome, ele utiliza dois fótons que incidem simultaneamente sobre o material, diminuindo os danos causados às estruturas celulares e também aumentando a resolução da imagem. Esse tipo de microscópio não existe no Brasil e, mesmo nos EUA, existe em número reduzido. Para a realização da pesquisa, a equipe teve de adaptar o microscópio para a observação da microestrutura nuclear, contando, para isso, com a colaboração do físico Michael Nathanson, da Universidade de Cornell, no estado de Nova Iorque, que duplicou a freqüência dos fótons.

Os núcleos observados foram extraídos de células hepáticas (do fígado) de ratos, mas posteriormente observou-se a mesma organela em núcleos de células de ovário de hamsters e de células do coração e cérebro de camundongos. "Parece ser uma característica universal", opinou a pesquisadora brasileira. Embora as pesquisas em células humanas não tenham sido feitas, esta descoberta irá possibilitar muitos estudos em diferentes tipos de células e espécies.

"Acho que essa descoberta é algo fantástico, que veio para ficar. É como descobrir um novo órgão", compara, entusiasmada, a bióloga da UFMG. De agora em diante, outras pesquisas deverão ser conduzidas de forma a melhor compreender a regulação dos sinais de cálcio e mapear os tipos celulares e espécies de eucariotos (organismos que possuem células com núcleo organizado) que venham a ter o retículo nucleoplasmático. Mas a presença dessa organela no núcleo deverá revelar novas funções de controle nuclear do cálcio.

A pesquisa foi publicada em forma de artigo na revista científica britânica Nature Cell Biology em 22 de abril passado e já repercutiu de forma positiva na comunidade científica em editorial na norte-americana Science (9 de maio de 2003), na The Journal of Cell Biology (vol. 161, N.4, 2003) e em julho, será publicado no editorial da. Nature Reviews Molecular Cell Biology.

http://www.comciencia.br/noticias/2003/30mai03/nucleo_celular.htm