Plantas
‘dosam’ crescimento para escapar do estresse em alagamento
Estudo
pode ser útil em planos de manejo e de reintrodução
de espécies
Estudos
recentes têm avaliado os diferentes níveis de resistência de espécies arbóreas neotropicais ao estresse por alagamento do solo. A maioria
das plantas tem problemas para manter o seu metabolismo nestas condições, pois
os efeitos do alagamento são complexos, compreendendo desde a limitação na
difusão de gases, danos mecânicos e até mesmo o aumento da suscetibilidade a
doenças. Considerando que em regiões neotropicais
existe uma diversidade de ecossistemas sujeitos a inundações, é fundamental que se conheça o comportamento ecofisiológico
das plantas e as suas estratégias de sobrevivência.
Um estudo feito pela pesquisadora Viviane Camila de Oliveira no Instituto de
Biologia (IB), orientado pelo docente Carlos Alfredo Joly,
avaliou a variação de comportamentos de algumas espécies arbóreas da Mata
Atlântica. Algumas delas foram consideradas sensíveis ao alagamento do solo,
enquanto outras foram capazes de resistir e sobreviver durante seis meses nessa
situação. Ao final, o trabalho apontou que as plantas usam como estratégia
reduzir os gastos com o crescimento e investir em estruturas para escapar do
estresse, garantindo sua sobrevivência.
Esse tipo de conhecimento, comenta ela, poderá
auxiliar nos planos de manejo e reintrodução de
espécies nativas, sobretudo em áreas sazonal e permanentemente alagáveis. No
Brasil, a maioria dos estudos tem avaliado o comportamento de espécies nativas
das planícies alagáveis da Amazônia Central e de Florestas de Galeria do
interior do país, enquanto pouco avançou em termos de respostas de espécies da
Floresta Atlântica.
As seis
espécies arbóreas avaliadas pela bióloga são nativas da Floresta de Restinga do
litoral norte do sudeste brasileiro. São elas Alchornea triplinervia, Eugenia umbelliflora,
Nectandra oppositifolia, Gomidesia schaueriana, Guapira opposita e Guatteria gomeziana. No estudo, foram verificados os efeitos do alagamento do
solo na sobrevivência, morfoanatomia, crescimento e
fotossíntese de indivíduos juvenis destas seis espécies. “Procurei identificar
as estratégias adaptativas que explicam a sua ocorrência na Floresta de
Restinga inundável”, conta.
A Floresta de Restinga do Núcleo Picinguaba do Parque
Estadual da Serra do Mar (município de Ubatuba, São Paulo), onde as espécies
estudadas ocorrem naturalmente, está localizada em uma
planície litorânea, sob cordões litorâneos regressivos, que são pequenas
ondulações arenosas dispostas paralelamente à linha da praia, indicando
que esta área foi fundo do mar no passado geológico, descreve a bióloga. Embora
estas ondulações sejam de pequena amplitude, nos locais mais baixos (entre os
cordões), ocorre o afloramento do lençol freático na estação com índice
pluviométrico mais elevado, nos meses de verão. “A esse evento em que o solo
está saturado hidricamente chamamos alagamento.”
O alagamento, explica ela, modifica parâmetros físicos, químicos e biológicos
do solo. A água passa a ocupar os espaços entre os grãos que o compõem, antes
ocupados por ar. Aos poucos, todo oxigênio para a respiração do sistema
radicular das plantas e de microrganismos no solo é exaurido. Mudanças no pH e
acúmulo de gás carbônico, metano e substâncias que podem ser tóxicas para as
plantas, como o etanol, também estão entre essas alterações.
Na ausência
do oxigênio, o sistema radicular produz moléculas de ATP (adenosina trifosfato)
anaerobicamente, afirma a doutoranda, diminuindo a
quantidade de energia para manter o metabolismo. Por isso, é comum ver a
redução da atividade metabólica, da taxa fotossintética e do crescimento
vegetal, além da queda de folhas e mesmo a morte da planta sob alagamento do
solo.
Algumas espécies, no entanto, são capazes de resistir a esta condição. “O estresse
imposto pelo alagamento do solo teve, ao longo do processo evolutivo, um
caráter fortemente seletivo, representando uma importante limitação ao
desenvolvimento vegetal”, diz Viviane de Oliveira.
Problema
As atividades da bióloga começaram com a coleta mensal de sementes de espécies arbóreas na
Floresta de Restinga do Núcleo Picinguaba. Durante um
ano e meio foram coletadas sementes e levadas ao Laboratório de Ecofisiologia Vegetal do IB, onde foram postas para
germinar. Dos indivíduos gerados, foram identificadas as espécies e escolhidas
aquelas para a pesquisa com base no valor de importância de cada uma.
Quando as plantas atingiram cerca de seis meses, foram separadas em dois
tratamentos: o primeiro grupo continuou a ser regado diariamente (plantas não
alagadas), enquanto o segundo grupo foi transferido para tanques e mantido com
água sempre cerca de
Por seis meses, comenta a autora da tese, foi avaliado mensalmente o crescimento destas plantas, a taxa
fotossintética, o aparecimento de sinais de estresse e a sobrevivência.
“Após esse período, as plantas que sobreviveram foram retiradas dos tanques e
foi acompanhada a sua recuperação por mais 15 dias.”
Ela verificou que todos os indivíduos submetidos ao alagamento tiveram sinais
de injúria, como clorose e queda foliar, após algumas
semanas. No entanto, apenas as espécies Guapira opposita e Guatteria gomeziana não conseguiram sobreviver a esse estresse, sendo
classificadas como sensíveis ao alagamento.
Dentre as espécies sobreviventes, foram percebidas estratégias distintas para
resistir ao estresse. Eugenia umbelliflora e Gomidesia
schaueriana apresentaram uma redução do crescimento, que pode
significar uma conservação de energia e carboidratos para garantir a
sobrevivência dos indivíduos em condições desfavoráveis. A estratégia é
denominada síndrome de quiescência à deficiência de
oxigênio. Já Alchornea triplinervia e Nectandra oppositifolia mostraram uma estratégia mista porque, além da redução do
crescimento, apresentaram alterações anatômicas que ajudam o sistema radicular
a voltar a ter acesso ao oxigênio e eliminar compostos tóxicos.
A variação das respostas frente ao alagamento do solo reforça a noção de que os
mecanismos de resistência não convergiram para uma só solução, ou seja, a
estratégia de sucesso pode envolver uma combinação de adaptações morfológicas,
anatômicas e metabólicas.
Outro resultado, que ainda deve ser melhor
aprofundado, é que o período mais difícil para a planta pode ser aquele após a
drenagem do solo, pois muitas injúrias severas ocorrem neste período, quando o
estresse pelo alagamento do solo cede lugar ao estresse oxidativo,
marcado pela formação excessiva de radicais livres.
Na Floresta de Restinga do Núcleo Picinguaba, o
alagamento é uma condição muito comum. As características de inundação nesta
Floresta (sazonalidade, intensidade e duração do
alagamento), juntamente com as características do solo (elevada quantidade de
areia, pobreza e acidez), fazem com que este seja um tipo peculiar de
inundação. A somatória destas características cria uma complexidade de nichos e
uma situação de estresse severo, por isso se espera que somente espécies bem
adaptadas às condições da área consigam se estabelecer com sucesso, informa a bióloga.
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Publicação
Tese: “Sobrevivência, morfoanatomia,
crescimento e assimilação de carbono de seis espécies arbóreas neotropicais submetidas à saturação hídrica do solo”
Autora: Viviane Camila de Oliveira
Orientador: Carlos Alfredo Joly
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Financiamento: Fapesp e CNPq
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Os muitos frutos
do Biota
A pesquisa
de Viviane de Oliveira está vinculada ao Projeto Temático Biota-Gradiente
Funcional da Fapesp, que estuda desde
Os seus resultados contribuem para uma previsão das respostas das plantas
diante das condições ambientais. Entretanto, outros estudos em campo são
importantes para que se saiba se estas potencialidades realmente são adotadas
como estratégias sob condições naturais. “É nesse sentido que meu trabalho se
insere no programa Biota-Fapesp”, situa a bióloga.
Lançado em 1999, os objetivos ambiciosos do Programa Biota-Fapesp,
define, são conhecer, mapear e analisar a biodiversidade do Estado, avaliar as
chances de exploração sustentável de plantas e de animais com potencial
econômico, além de subsidiar a formulação de políticas de conservação dos
remanescentes florestais.
Em dez anos, são muitos os frutos do programa. Entre eles estão inúmeros
projetos de pesquisa, mais de 500 novas espécies de plantas e animais
identificadas, formação de mestres e doutores, publicação de mais de 700
artigos em periódicos científicos, 20 livros e dois atlas. Em
Jornal
da UNICAMP, Campinas,
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/agosto2011/ju503_pag4.php