ECOLOGIA

Estudo com ilhas em hidrelétrica da Venezuela confirma teoria sobre decadência de habitat que perde carnívoros


Predador garante saúde de ecossistemas

DA REDAÇÃO

Um experimento realizado na Venezuela comprovou algo de que os ecólogos já suspeitavam, mas que ninguém ainda tinha conseguido demonstrar: os predadores são a chave para a saúde de um ecossistema.
Estudando um conjunto de ilhas criadas pela construção de uma barragem no vale do Caroní, na Amazônia venezuelana, um grupo internacional de cientistas descobriu que a eliminação dos predadores de vertebrados, como onças, hárpias e pumas, criou um trágico efeito cascata ecológico.
Sem a pressão dos predadores, num período curto de tempo, as populações de herbívoros e insetos explodiram. Isso aumentou, por sua vez, a pressão sobre a vegetação -e pôs as ilhas no curso inexorável do colapso ambiental.
Essa gangorra ecológica já estava havia tempo na cabeça dos estudiosos. No jargão ecológico, ela se chama relaxamento de fauna. O problema, até agora, era que a regulação de cima para baixo, quer dizer, de carnívoro para herbívoro, não era consenso.
Muitos pesquisadores achavam que outro tipo de regulação pudesse ocorrer: a limitação de baixo para cima, com plantas barrando o desenvolvimento dos herbívoros. Ou seja, elimine os predadores e tudo ficará igual.

Laboratório natural
Para demonstrar que o relaxamento de fauna acontecia mesmo de cima para baixo, os pesquisadores, liderados por John Terborgh, da Universidade Duke (EUA), estudaram as ilhas formadas pelo Guri, um lago artificial de 4.300 km2 de área construído para alimentar uma hidrelétrica no Estado de Bolívar, Venezuela.
O lago foi formado em 1986, produzindo ilhas de diversos tamanhos. As maiores tinham 150 hectares, e as menores, menos de 1 ha (pouco mais que um campo de futebol). Entre 93 e 94, os cientistas catalogaram as espécies que haviam sobrado nas ilhas.
O resultado do estudo, publicado pela revista "Science" (www.sciencemag.org), faria qualquer abraçador de árvores tremer nas bases: nas ilhas menores, 75% das espécies desapareceram. E quase todas as que sobraram caíam em três grupos distintos: herbívoros arborícolas (como bugios, iguanas e saúvas), insetívoros de solo (sapos, alguns pássaros, lagartos e tarântulas) e consumidores de sementes, principalmente papagaios e roedores.
As ilhas maiores mantiveram quase toda a fauna original, mas em quatro anos perderam seus predadores principais. Os ecossistemas sobreviventes tinham mais cara de filme de horror classe B do que de pedaços amazônicos. Os títulos bem poderiam ser "a ilha das saúvas" (cujo número aumentou cem vezes), "a ilha das iguanas" (que ficaram dez vezes mais numerosas) ou, para quem quer se assustar de verdade, "a ilha das tarântulas" (a população não pôde ser calculada, mas teve aumento grande, diz o estudo).
O problema é que esse é só o começo da história. A pressão dos herbívoros sobre o ambiente acaba por provocar também resposta nas plantas. As espécies mais palatáveis desaparecem, abrindo espaço para o surgimento de plantas "à prova de herbívoros", como bambus ou plantas com toxinas intragáveis. Nas palavras dos autores, uma "catástrofe trófica".
"Isso espelha a maneira como cabras convertem ilhas em paisagens de plantas "à prova de cabras" e como a explosão na população de cervos -seguindo o declínio de lobos, ursos e caçadores humanos no leste dos EUA- eliminou dezenas de espécies de plantas comestíveis", diz o fisiologista Jared Diamond, que comentou o estudo para a "Science".
Ele diz que, além do interesse científico, esse tipo de pesquisa tem também implicações práticas. "A fragmentação de habitats é o modo como muito do mundo moderno se formou", lembra o pesquisador, autor do best-seller "Armas, Germes e Aço", livro recém-lançado no Brasil, que conta a história de várias "conquistas ecológicas", como a da América pelos europeus. (CLAUDIO ANGELO)