SOCIEDADE DE RISCO - II
Luiz Eduardo Cheida
Paraná,
23 de junho de 2006
(Luiz Eduardo Cheida é Médico. Foi
Prefeito de Londrina de
ÁRVORE, QUANDO MORRE, TAMBÉM VAI PARA O CÉU?
Os
conceitos de uma criança de quatro anos, como meu filho Pedro, que hoje cedo me
fez essa pergunta, deixam claro que na origem do pensamento humano, não se
encontra a estúpida dicotomia entre a humanidade e o mundo natural.
Se ele soubesse
filosofar, por certo teria dito algo assim:
- Se árvores são como
humanos, então, nós humanos somos natureza também.
Nestes
últimos 30 anos, em que ensino e aprendo sobre ecologia, tenho entendido que na
raiz dos problemas ambientais está o conceito de que nós, humanos, somos a espécie eleita; o restante da criação existe como
linha auxiliar. Uma espécie de ator principal e coadjuvantes.
Para que este pensamento se sustente, é fundamental crer que os humanos são uma coisa e a natureza, outra coisa.
Quando
essa forma de pensar toma parte da cultura, passa a não ser mais penoso
destruir uma floresta, condenando suas espécies. Escravizar um cavalo para arar
a terra ou mesmo atirar em um pássaro, só para treinar a pontaria, deixa de ser
drama de consciência. Da mesma forma que poluir um rio, enfastiar de
agrotóxicos a propriedade, exaurir o solo, poluir o ar...
Até a
expressão “dominar a natureza” passa a ter sentido. Que sentido haveria nela
caso o homem fosse natureza? Teríamos que concordar que um homem dominasse
outro homem? Se o homem é não-natureza, então, tudo se ajusta.
Mas, as
inocentes palavras da criança nos despertam do transe: se árvore também vai
para o céu, então, vamos todos juntos. Afinal, somos iguais!
Ser igual é o primeiro conceito que uma sociedade equilibrada deve admitir.
A
humanidade não é a espécie mais
importante do mundo, tampouco a menos
importante. Ela é tão importante
quanto às demais. Atuar em litígio contra a natureza, intentando subjugá-la não
faz mais sentido. Admitir isso, abandonando o velho conceito antropocêntrico, é
deixar de lado o caminho da própria extinção e tomar o mesmo barco das espécies
que se utilizam da solidariedade enquanto estratégia de sobrevivência sobre a
Terra.
E, por
isso mesmo, sobrevivem. Admitem a solidariedade aqueles
que, opondo-se à tirania (um decide por todos) ou à oligarquia (poucos decidem
por todos), acreditam na democracia (todos decidem por todos). Falo em
democracia como o fim de toda forma de exploração. Por acreditar nela é que
asseguro ser preciso radicalizá-la.
Radicalizar a
democracia é o segundo conceito que uma sociedade
equilibrada deve admitir.
Utilizamos-nos
dos recursos naturais além da capacidade suporte do planeta e bem mais do que
necessitamos. Agimos como se a natureza fosse infinita e de recursos
inesgotáveis. Esta forma de proceder atenta contra nossa vida e a vida de
outras espécies. Do ponto de vista ético, esta conduta humana é imoral.
Ora, se
a espécie humana é a única que pode decidir se uma floresta tomba ou permanece
em pé, ela tem, por contrapartida a este grande poder de decisão, uma grande
responsabilidade. E deve ser uma responsabilidade irrevogável e para com todo o
planeta.
Responsabilidade para com o mundo natural é o terceiro conceito que uma sociedade
equilibrada deve admitir.
Santificar
a ciência e a técnica como fontes do bem-estar social, é crença pueril.
Abandonar os princípios da precaução e cautela, apostando em um crescimento a
qualquer custo e sem limites (em um planeta finito) é bazofia.
A
ciência e a técnica, que muitas vezes justificam modelos predatórios, obedecem
a um sistema de valores. Se o sistema se modifica, modificam-se os modelos de
sobrevivência natural e equilíbrio social. Hoje, somos uma verdadeira sociedade
de risco.
Modificar
seus conceitos seculares é bem difícil, admito. Entretanto, até hoje, o que é
que se fez de duradouro que não tenha custado imensos esforços?
Como diz
o médico e bioeticista, José Eduardo de Siqueira: “as
gerações futuras não estão presentes, não votam, não tem poder político, não
podem opor-se às nossas decisões”.
Entretanto,
serão elas quem nos agradecerão.
Até lá, um forte
abraço e até sexta que vem.
Em Tempo: Árvore, quando morre,
também vai para o céu.