SOCIEDADE DE RISCO - II
Luiz Eduardo Cheida

 

Paraná, 23 de junho de 2006

(Luiz Eduardo Cheida é Médico. Foi Prefeito de Londrina de 1993 a 1996, Secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Paraná e Membro titular do CONAMA até março de 2006. Edições anteriores do Recado do Cheida estão disponíveis no site  http://www.cheida.com.br)

 

ÁRVORE, QUANDO MORRE, TAMBÉM VAI PARA O CÉU?

Os conceitos de uma criança de quatro anos, como meu filho Pedro, que hoje cedo me fez essa pergunta, deixam claro que na origem do pensamento humano, não se encontra a estúpida dicotomia entre a humanidade e o mundo natural.

Se ele soubesse filosofar, por certo teria dito algo assim:

- Se árvores são como humanos, então, nós humanos somos natureza também.

Nestes últimos 30 anos, em que ensino e aprendo sobre ecologia, tenho entendido que na raiz dos problemas ambientais está o conceito de que nós, humanos, somos a espécie eleita; o restante da criação existe como linha auxiliar. Uma espécie de ator principal e coadjuvantes. Para que este pensamento se sustente, é fundamental crer que os humanos são uma coisa e a natureza, outra coisa.

Quando essa forma de pensar toma parte da cultura, passa a não ser mais penoso destruir uma floresta, condenando suas espécies. Escravizar um cavalo para arar a terra ou mesmo atirar em um pássaro, só para treinar a pontaria, deixa de ser drama de consciência. Da mesma forma que poluir um rio, enfastiar de agrotóxicos a propriedade, exaurir o solo, poluir o ar...

Até a expressão “dominar a natureza” passa a ter sentido. Que sentido haveria nela caso o homem fosse natureza? Teríamos que concordar que um homem dominasse outro homem? Se o homem é não-natureza, então, tudo se ajusta.

Mas, as inocentes palavras da criança nos despertam do transe: se árvore também vai para o céu, então, vamos todos juntos. Afinal, somos iguais!

Ser igual é o primeiro conceito que uma sociedade equilibrada deve admitir.

A humanidade não é a espécie mais importante do mundo, tampouco a menos importante. Ela é tão importante quanto às demais. Atuar em litígio contra a natureza, intentando subjugá-la não faz mais sentido. Admitir isso, abandonando o velho conceito antropocêntrico, é deixar de lado o caminho da própria extinção e tomar o mesmo barco das espécies que se utilizam da solidariedade enquanto estratégia de sobrevivência sobre a Terra.

E, por isso mesmo, sobrevivem. Admitem a solidariedade aqueles que, opondo-se à tirania (um decide por todos) ou à oligarquia (poucos decidem por todos), acreditam na democracia (todos decidem por todos). Falo em democracia como o fim de toda forma de exploração. Por acreditar nela é que asseguro ser preciso radicalizá-la.

Radicalizar a democracia é o segundo conceito que uma sociedade equilibrada deve admitir.

Utilizamos-nos dos recursos naturais além da capacidade suporte do planeta e bem mais do que necessitamos. Agimos como se a natureza fosse infinita e de recursos inesgotáveis. Esta forma de proceder atenta contra nossa vida e a vida de outras espécies. Do ponto de vista ético, esta conduta humana é imoral.

Ora, se a espécie humana é a única que pode decidir se uma floresta tomba ou permanece em pé, ela tem, por contrapartida a este grande poder de decisão, uma grande responsabilidade. E deve ser uma responsabilidade irrevogável e para com todo o planeta.

Responsabilidade para com o mundo natural é o terceiro conceito que uma sociedade equilibrada deve admitir.

Santificar a ciência e a técnica como fontes do bem-estar social, é crença pueril. Abandonar os princípios da precaução e cautela, apostando em um crescimento a qualquer custo e sem limites (em um planeta finito) é bazofia.

A ciência e a técnica, que muitas vezes justificam modelos predatórios, obedecem a um sistema de valores. Se o sistema se modifica, modificam-se os modelos de sobrevivência natural e equilíbrio social. Hoje, somos uma verdadeira sociedade de risco.

Modificar seus conceitos seculares é bem difícil, admito. Entretanto, até hoje, o que é que se fez de duradouro que não tenha custado imensos esforços?

Como diz o médico e bioeticista, José Eduardo de Siqueira: “as gerações futuras não estão presentes, não votam, não tem poder político, não podem opor-se às nossas decisões”.

Entretanto, serão elas quem nos agradecerão.

 

Até lá, um forte abraço e até sexta que vem.

 Em Tempo: Árvore, quando morre, também vai para o céu.