Educação pela comunicação: Uma pedagogia para o século 21

http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educacao/educ29.htm

Fernando Rossetti
Jornalista e coordenador geral da Cidade Escola Aprendiz

 

A educação pela comunicação pode se tornar uma das metodologias de ensino e aprendizagem mais poderosas para atender às demandas de educação da sociedade do século 21. Mas é necessário compreender, primeiro, quais são essas demandas, para apreender a variedade de alternativas que oferece.

A humanidade nunca lidou com a quantidade de informações que circula nesta virada de milênio. Livros, rádio, televisão, jornais, revistas, internet, histórias em quadrinhos, outdoors, fanzines... Quem vive hoje em um centro urbano - e, cada vez mais, no meio rural - está mergulhado num oceano de informações.

A humanidade também nunca lidou com transformações tão velozes nos modos de produção de bens e serviços. Médicos, metalúrgicos, professores, secretárias, administradores, cientistas, agricultores, engenheiros, advogados, jornalistas, praticamente todos os profissionais das sociedades contemporâneas têm que se atualizar constantemente, se quiserem permanecer no mercado de trabalho.

O mundo está mais complexo, mais rápido. Conversar em um telefone celular só é possível devido a uma tecnologia que ficou disponível há poucos anos. Nas últimas décadas, um técnico em telefonia tinha que estudar algumas horas para exercer sua profissão. Agora tem que estudar o resto da vida.

Esse é o contexto deste artigo: a chamada "sociedade do conhecimento". Informação por todos os lados. E mudanças constantes no trabalho.

Mudança de paradigma

Já faz algumas décadas que se fala nas escolas brasileiras - e de boa parte do mundo - de "mudança de paradigma" na educação. O ensino tradicional estaria baseado na transmissão e acúmulo de informações - aquilo que Paulo Freire chamava de "educação bancária". A sociedade exigiria, hoje, uma educação mais voltada para a formação integral do cidadão.

Nada que não tenha sido dito, já no início do século, por educadores como John Dewey ou Celestin Freinet e, poucas décadas mais tarde, pelos mentores da Escola Nova no Brasil, como Anísio Teixeira. No entanto, essa discussão ficou muito mais "quente" no final do século, com o advento de fenômenos como a globalização e a informática.

O intelectual francês Jacques Delors produziu, em 1996, um dos documentos que melhor sintetizam esse movimento ("Educação: Um Tesouro a Descobrir - Relatório da Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século 21", Editora Cortez, 288 p.). Nele, lançou os já conhecidos "quatro pilares da educação do século 21":

·         aprender a conviver.

Os pilares são auto-explicativos. Mas há anos educadores estão se debatendo em busca de novas metodologias de ensino e aprendizagem que consigam dar conta dessa tarefa aparentemente simples.

No Brasil, uma boa leitura desses quatro pilares foi produzida pelas equipes do Ministério da Educação (MEC) que lançaram nos últimos anos os chamados "Parâmetros Curriculares Nacionais" e alguns outros documentos de orientação curricular e formação de professores.

No ensino médio, por exemplo, os PCN representam uma verdadeira revolução em relação às orientações curriculares anteriores. Houve um reagrupamento das disciplinas e conteúdos, criou-se os "temas transversais" (que percorrem as várias disciplinas) e deu-se ênfase ao desenvolvimento de habilidades e competências, no lugar de concentrar-se no acúmulo de informações.

Mas os complexos documentos produzidos pelo MEC ainda são vistos um tanto como "seres extraterrestres" para a realidade escolar brasileira. É comum ouvir em escolas que os PCNs "são muito bons, mas não funcionam nas escolas de hoje".

A dificuldade e a resistência são tamanhas que o governo se viu na necessidade de formar equipes de educadores com a função de "traduzir" para as escolas essas orientações. Nenhuma transformação significativa aconteceu até agora.

É certo que as mudanças na educação levam tempo, por vezes, gerações. O problema é que, no limiar do terceiro milênio, pouco se tem feito para pôr a nova teoria sobre educação em prática.

O fato é que a educação do século 21, além de transmitir informações, tem que formar um cidadão que saiba transformar essas informações em conhecimento, em ação, e desenvolver habilidades e competências que o capacite a lidar com o "oceano de informações", com as rápidas transformações nos modos de produção, e instrumentalizá-lo a realizar um projeto de vida e de sociedade.

Nova metodologia

É aí que entra a proposta da educação pela comunicação enquanto uma metodologia de ensino e aprendizagem que pode dar conta desses desafios. Como qualquer campo incipiente no cenário acadêmico, ainda tem conceitos um tanto frágeis, tentativas, que poderão, ao aliar prática e teoria, ganhar a consistência de uma pedagogia.

A primeira pergunta que se coloca é: o que é educação pela comunicação? Uma explicação simples é defini-la como o processo de ensino e aprendizagem que ocorre ao envolver educadores e aprendizes na criação de produtos de comunicação.

Há vários exemplos disso já em curso no Brasil e no mundo: produção, por estudantes e educadores, de jornais, programas de rádio, vídeos, sites na internet, fanzines (publicações baratas, fotocopiadas), histórias em quadrinhos, peças de teatro, arte, entre vários outros.

Na indefinição conceitual que ainda existe nessa área, é comum encontrar grupos que denominam esse fazer de "educação para a comunicação". Nos Estados Unidos surgiu nos últimos anos um termo que se aproxima muito dessa acepção: "media literacy", ou "alfabetização para a mídia". Nesse emaranhado, há aqueles que chamam-na de "educação pela e para a comunicação".

Para o professor Ismar de Oliveira Soares, diretor do Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (NCE/ECA/USP), é natural que essa confusão exista. Segundo ele, está surgindo um "novo campo discursivo", que reúne discursos de várias áreas já bem estabelecidas, como a própria educação e a comunicação.

Foi o professor Ismar que cunhou, no Brasil, o termo "educomunicação" - esse "novo campo discursivo" em formação. Deste termo surgiu também o nome - ainda pouco consolidado - de um profissional para o século 21: o "educomunicador".

Voltando à prática, várias escolas e organizações não-governamentais vêm experimentando a criação de produtos de comunicação por crianças e jovens. E, por enquanto, talvez seja mais simples analisar os pontos em comum dessas ações para, depois, se buscar conceitos mais precisos.

A Reducom

O Instituto Ayrton Senna, em aliança com a Embratel, lançou em 1999 o programa Cidadão 21. O objetivo central é mudar o enfoque hoje dado ao jovem no Brasil. De problema social - as drogas, a violência, o desemprego -, ele deve ser promovido a parte da solução dos desafios sociais do país.

Uma das ações originadas pelo Cidadão 21 foi o Programa de Educação pela Comunicação, que buscou identificar as melhores iniciativas desenvolvidas pela sociedade brasileira nesse campo. A idéia é promover a sistematização dessas experiências e, com isso, facilitar sua disseminação, tanto para as escolas como para outros espaços de construção de conhecimento.

Uma das estratégias adotadas para isso foi a criação de uma Rede de Educação pela Comunicação, a Reducom, que reúne atualmente 12 organizações não-governamentais e 3 redes já organizadas de entidades que também lidam com a mídia.

Tive o privilégio de participar, no Instituto Ayrton Senna, da estruturação desse programa, com a valiosa orientação do educador mineiro Antonio Carlos Gomes da Costa e da equipe do Instituto. Na mesma época, estava também coordenando a Cidade Escola Aprendiz (www.aprendiz.org.br), uma das ONGs que compuseram a Reducom. É a partir dessas duas experiências essencialmente práticas - e, portanto, pouco teóricas - que apresento as conclusões deste artigo.

Processo e produto

O que mais fascinou a todos, quando pela primeira vez os diretores das ONGs selecionadas pelo Instituto Ayrton Senna se encontraram para discutir o que cada uma fazia, foi a semelhança dos problemas enfrentados e das soluções que cada um propunha.

"Muitos de nós estamos avançando numa floresta desconhecida, abrindo caminho a facão no cipoal. As trilhas assim abertas nos conduziram a esta clareira em que nos encontramos agora. Por isso talvez seja tão fácil nos reconhecermos agora", escreveu Claudius Ceccom, diretor do Cecip (Centro de Criação de Imagem Popular), uma das ONGs mais antigas na área no Brasil, após o 1° Encontro da Reducom, promovido pelo IAS e pela Embratel em dezembro de 1999.

Um exemplo disso é a compreensão trazida por todos sobre a tensão existente entre o processo e o produto na educação pela comunicação. Educação é um processo - que consiste na construção de conhecimento, de habilidades e competências, por meio de determinadas metodologias. A comunicação se concretiza em produtos: jornais, revistas, vídeos, sites, programas de rádio, mosaicos, arte etc.

Na educação tradicional, o foco metodológico recai essencialmente nisso que está sendo definido como processo. Os produtos de comunicação têm outra natureza, muito mais afeita ao campo profissional.

Ao unir esses dois campos, os "educomunicadores" buscam, por meio de um fazer, da criação de produtos de comunicação, favorecer processos de construção de conhecimento e de desenvolvimento de habilidades e competências.

Isso não é fácil. Quem já produziu alguma vez um jornal ou um site sabe as dificuldades enfrentadas para concretizar esse tipo de projeto. Cumprir prazos, atingir padrões aceitáveis, conseguir de fato comunicar, são exigências que, ou ficam de fora dos ensinamentos escolares, ou são tratados essencialmente como uma questão disciplinar.

O que ocorre na enorme maioria das instituições que trabalham com educação pela comunicação é que, enquanto se está na fase do processo, do desenvolvimento das habilidades e competências necessárias para a execução de um determinado produto de comunicação, tudo corre relativamente tranqüilo - como em uma escola. Mas, na hora de fechar o produto, de "botar ele no ar", vira a maior correria.

O que deve ser mais valorizado: o processo ou o produto? A aprendizagem ou a realização? O produto feito na escola deve ter a qualidade de um profissional? É possível por meio de um processo educativo, centrado na ação dos aprendizes, chegar a um produto profissional? Quais profissionais devem ser envolvidos nessas atividades?

Enfim, embora fosse a primeira vez que muitas daquelas pessoas estivessem se encontrando, todos discutiram essas questões como se trabalhassem juntos havia anos.

Surgiram também - e continuam surgindo - vários outros pontos em comum. Há, por exemplo, um enorme consenso sobre as vantagens que a educação pela comunicação introduz como metodologia de ensino e aprendizagem:

Essa lista poderia se estender longamente. Mas o ponto é que a educação pela comunicação capacita os envolvidos a lidarem com o atual "bombardeio" de informações e desenvolve conhecimentos, habilidades e competências essenciais em um mercado de trabalho em rápida transformação.

E, além das dimensões do aprender a conhecer e aprender a fazer, introduz a necessidade de se aprender a ser e a conviver. Talvez por isso, as crianças e os jovens envolvidos em projetos de educação pela comunicação manifestem tanto prazer nesse tipo de atividade.