Folha de Londrina, 02/03/2005 - Opinião da Folha
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Transgênicos, questão de saúde e mercado

Ciência ainda não se manifestou e importador quer não-transgênicos

O alerta do especialista chinês Angus Lam, que ora visita o Brasil, é que os mercados estão se abrindo cada vez mais para a soja convencional e para a soja orgânica, significando uma rejeição à transgênica. ''Algum país, como o Brasil (que responde por 31% da soja vendida à China) precisa ser o grande fornecedor para os mercados internacionais, que despontam como um futuro promissor para quem quer investir em exportação'' afirma. É preciso deixar claro, porém, que o agricultor brasileiro tem que reduzir custos para competir no mercado e isto implica em usar a tecnologia, a mesma utilizada no mundo inteiro pelos concorrentes. A transgenia é uma dessas técnicas determinantes.

O Greenpeace considera o Brasil um país estratégico nessa questão. A Alemanha é um grande consumidor de soja em grão e farelo de soja não-transgênica. A grande maioria de sua população rejeita produtos geneticamente modificados e 99% das indústrias alemãs, do gênero, não usam transgênicos em seus produtos. A União Européia só tem importado produtos livres de transgenia. Um grupo de empresários ingleses no momento visita Uraí, no Paraná, e deseja comprar soja orgânica, para produção de ração animal.

O mundo importador de soja olha para o Brasil como uma garantia. O produto convencional além de constituir uma segurança de saúde, é também um forte concorrente de mercado, e estes são pontos importantes no momento em que tramita no Congresso Nacional a lei da biossegurança, que trata inclusive da produção ou não de transgênicos. Eis aí uma grande encruzilhada. Há um forte lobby para a entrada declarada do Brasil na produção de soja transgênica e o Governo do Paraná trava uma luta isolada contra, o que tem rendido aplausos da comunidade defensora da saúde alimentar e do meio-ambiente ao governador Roberto Requião e na contrapartida alertas como os citados adicionam ingredientes à delicada questão.

Certo é que não se pode aderir aleatoriamente a um novo produto e o Brasil já está bem enredado na produção de soja transgênica, sem a ciência haver dado a sua palavra. Por ora só a biotecnologia se manifesta, e esta é uma área puramente técnica, que não domina a questão essencial desses grãos para a saúde humana e animal.

A estrutura dos produtos alterados ainda não foi revelada. A questão não é apenas separar espécies, criando-lhes características diferenciadas, e lançá-las no mercado sementeiro e disseminá-las pelas lavouras. A adoção da transgenia não pode condicionar-se à opção dos que desejam cultivar plantas transgênicas no lugar das convencionais, ou de oferecer os produtos de ambas à escolha dos mercados internos e aos importadores.

Deve haver por trás de tudo a questão das responsabilidades do técnico, do produtor de sementes, do agricultor, do exportador e do governo. A comunidade científica ainda não se manifestou, e esta não é uma resposta simples.

Talvez sejam necessárias décadas de pesquisa e comprovação, como tudo o que ocorre com a ciência convencional (e não a ciência ''transgênica'', que é a dos interesses em jogo). Não é também na esfera parlamentar que se deve discutir transgenia. Um assunto dessa envergadura não pode ficar sob a decisão de parlamentos.