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Revista Digital Ciência & Comunicação - Volume 1, Número 1, Dezembro de 2004 |
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Alfabetização e
Cultura Científica: conceitos convergentes? http://www.jornalismocientifico.com.br/revista1artigomarcelosabbatini.htm
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Resumo Palavras
chave: alfabetização científica, educação
científica, cultura científica 1.
Introdução Na
atualidade muitos autores se preocupam com a existência de um desequilíbrio
entre o desenvolvimento da ciência e tecnologia por uma parte, e da educação
científica do cidadão por outra. O chamado "analfabetismo
científico" constitui um obstáculo importante para a compreensão pública
da ciência e da tecnologia e o seu conceito antagônico, o de alfabetização
científica, foi utilizado como base para o modelo tradicional de comunicação
pública da ciência e da tecnologia. Este modelo tradicional, também chamado
de "modelo linear" ou "modelo de déficit" supõe que a os
distintos formatos da divulgação científica devem preencher uma lacuna de conhecimento,
informando e ensinando aos não-especialistas, e que este novo entendimento
levaria a uma maior valorização da ciência e da tecnologia. Porém, ao mesmo
tempo em que este modelo tradicional se vê criticado e surgem novas
propostas, o conceito de alfabetização científica também se vê questionado. E
da mesma forma que na prática a divulgação científica deve adotar um novo
conjunto de estratégias e ações, também na educação científica se proclama
uma reforma. Por
outro lado, analisar as raízes históricas da alfabetização científica leva a
compreensão do debate atual e das controvérsias associadas a este conceito.
Trata-se de um debate muito mais antigo a respeito dos objetivos mais amplos
da educação científica e os meios para alcançá-la através da escolarização,
iniciado em meados do século XIX (CHUN et al.,
1999). O
lema "ciência para todos" surge de uma iniciativa da Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em
1983, representando uma nova abordagem à alfabetização científica destinada
ao público Por
um lado, a aceleração das taxas de criação e difusão do conhecimento implica
umas mudanças de paradigmas relacionados com a força de trabalho e com o
sistema produtivo. A criação de novos ofícios, tornando obsoletas as antigas
profissões, a redução da força de trabalho devido à utilização de processos
tecnológicos substitutivos da mão de obra tradicional e o traslado de
profissionais a novos setores de atuação implicam uma nova demanda de
qualificação. Em relação às mudanças comentadas, requerem-se, por exemplo, a
reciclagem de profissionais ligados às novas profissões, a re-qualificação de profissionais para adaptá-los às
inovações tecnológicas, a necessidade de formação contínua, da
auto-aprendizagem e do fomento da capacidade de buscar a
informação por si mesmos. Assim, também a educação escolar deve
reagir, fomentando o desenvolvimento de hábitos e atitudes que auxiliem ao
indivíduo em suas necessidades informativa e formativa, com o objetivo último
de consolidá-lo como um cidadão funcional. Na
prática, o analfabetismo científico se revela através da superstição e do
misticismo, das condições sanitárias inadequadas, da falta de acesso a
oportunidades de trabalho e crescimento profissional e por outro lado, pelo
escasso aproveitamento que os governos fazem do conhecimento científico para
a resolução de problemas produtivos e sociais e para a utilização dos
recursos naturais através de esquemas de desenvolvimento sustentável (Padilla, 2001). 2. O conceito de alfabetização científica Para
abordar o tema da alfabetização científica, portanto, é necessário definir em
primeiro lugar o conceito de alfabetização. Face às diferenças entre as
propostas teóricas, a alfabetização pode definir-se como o nível mínimo
de habilidades de leitura e escritura que um indivíduo deve ter para
participar da comunicação escrita. Este conceito se apresenta como uma dicotomia,
justamente por que define uma medida limite que separa dois estados. A
definição deste valor limite é subjetiva, mas há um consenso a respeito das
habilidades, por general situadas em um mesmo domínio do
saber, e dos conhecimentos necessários para estabelecer uma funcionalidade
mínima. Também é importante comentar o
conceito de alfabetização funcional, definida como o conjunto de habilidades
mínimas necessárias para que o cidadão opere na sociedade contemporânea. Cabe
notar que qualquer definição de alfabetização é inerentemente associada à
sociedade que a utiliza, devido à diversidade de sistemas sociais e
econômicos existentes no mundo (MILLER, 2000a). Desta
maneira, a alfabetização científica se define como o nível mínimo de
compreensão em ciência e tecnologia que as pessoas devem ter para operar
nível básico como cidadãos e consumidores na sociedade tecnológica. Segundo a
proposta de Miller (2000b), o conceito de alfabetização científica implica
três dimensões. A primeira consiste de um vocabulário básico de conceitos
científicos, suficiente para que possa ser percebida a existência de
visões contrapostas em um uma notícia de jornal ou artigo Já
outra dimensão adicional, menos explorada, é a existência de uma atitude
científica, definida como uma boa disposição para mudar de opinião com
base em novas provas, a busca da verdade sem prejuízos, o entendimento das
relações de causa-efeito e a predisposição de adquirir um hábito de somente
realizar julgamentos a partir de feitos concretos. O
conceito de alfabetização científica, proposto pela American
Association for the Advancement of Science (AAAS), inclui as habilidades para familiarizar-se
com o mundo natural e reconhecer sua diversidade e sua unidade; de entender
os conceitos fundamentais e os princípios científicos; de perceber a
inter-relação entre a matemática, a ciência e a tecnologia; de assumir que
estas são empresas humanas, o que também implica ter limitações; de adquirir
a capacidade de pensar segundo o exigido pelo rigor científico e de utilizar
o conhecimento científico com propósitos individuais e sociais. Para alcançar
estes objetivos, a ciência deve abrir-se ao público, e para que isto
aconteça, algumas condições básicas são necessárias: a educação durante toda
a vida ou "lifelong learning",
o aumento de oportunidades de participação em questões científicas e
tecnológicas, uma educação apropriada em ciências e o acesso conveniente e
inteligível ao mundo da ciência (RUTHERFORD, 2003). Pese
a existência de múltiplas definições, com variações históricas do conceito, a
noção clássica de alfabetização científica está relacionada com a questão de
compreender conceitos e princípios científicos, em outras palavras, com uma
questão cognitiva. Na prática esta abordagem vê-se refletida na construção de
indicadores de percepção pública da ciência e da tecnologia, que tem como
objetivo sondar o estado da opinião pública em quanto ao interesse,
conhecimento e atitudes frente a estas atividades, e conseqüentemente, com as
políticas públicas neste setor. Este tipo de pesquisa se utiliza, portanto,
para a medição de indicadores das atitudes dos membros da sociedade ante o
financiamento público da ciência e a confiança na comunidade científica, além
da percepção dos riscos e benefícios associados à ciência e à técnica. A National Science Foundation (NSF), nos Estados Unidos,
consolidou uma base metodológica, utilizada na atualidade por outros países
utilizando justamente esta conceituação da alfabetização científica. Dos
estudos realizados nos Estados Unidos, combinando os dois primeiros critérios
de alfabetização científica mencionados (vocabulário
básico e compreensão da natureza da ciência) destaca um alto defase entre o
nível de interesse demonstrado em ciência e tecnologia e o baixo nível de
informação possuído, um resultado que se mantém durante mais de duas décadas
consecutivas. Esta polarização também se observa em outros estudos, que
utilizam a mesma base metodológica, por exemplo, os
chamados "Eurobarômetros" na União
Européia. Outro dado importante é que ambos continentes
existe uma percepção positiva dos resultados da ciência, por exemplo,
fazendo do mundo um lugar melhor e melhorando a qualidade de vida, ainda que
existam diferenças profundas frente à utilização de tecnologias específicas,
como a energia nuclear e a engenharia genética. Por outro lado, os estudos
sobre a percepção pública da ciência e da tecnologia se situam em uma área de
estudos empíricos, enquanto que a reflexão teórica a respeito de sua validez
metodológica, a análise dos resultados e implicações para a formulação de
políticas científico-tecnológicas tiveram um crescimento menor. O
conceito de alfabetização científica possui, porém, outras perspectivas. Para
Bybee (1997), a partir de uma perspectiva de eslogan, ou seja, do uso repetido sem uma clarificação do
sentido, um termo serve como símbolo para a transmissão das idéias e atitudes
chave dos movimentos educativos e para a geração um espírito de comunidade.
Portanto, como eslogan, a alfabetização científica
está associada a um valor positivo, identificando-a com uma reforma
contemporânea, e unindo aos educadores através de uma declaração única que
expresse os objetivos da educação científica. Em
segundo lugar, a alfabetização científica entendida como metáfora procura
expressar os objetivos da educação científica, transformando o sentido da
alfabetização e adotando um sentido implícito mais além do sentido estrito do
término (saber ler e escrever) que faz referência a uma declaração teórica e
aos componentes fundamentais do que se pretende obter com a educação
científica. A metáfora também provê um modo de pensar em como alcançar uma
educação científica eficaz comparando-se, por exemplo, a uma imersão em uma
cultura, freqüentemente utilizada na aprendizagem de idiomas: com a imersão
dos estudantes em questões e processos autênticos da ciência e problemas
reais frente à memorização de um vocabulário científico. Esta imersão também
sugere um objetivo para os estudantes, fixando padrões de realização. Por
exemplo, aprender algo mais que um vocabulário básico. Mas
segundo Shamos (1988) a alfabetização científica é
um desafio inalcançável. O ponto chave da questão está no fato de que a
maioria das pessoas pode viver na sociedade virtualmente ignorando a ciência
e a técnica, ao mesmo tempo em que desfrutam de todo seu conforto, de forma
que a sociedade se isolou da necessidade de saber ou compreender a origem
destes avanços. Além disso, a discussão teria fracassado ao não especificar
como a sociedade vai se beneficiar de um maior conhecimento da ciência, em
comparação com qualquer outra disciplina possível, além de não especificar
padrões quanto aos objetivos e os modos de alcançá-los. E
o argumento de que a alfabetização científica é necessária para a
participação ativa em questões e decisões relacionadas com a ciência e a
técnica ignora a realidade de que a carga de conhecimentos necessária para
que se alcancem julgamentos independentes se encontra além da capacidade dos
cientistas mesmos. Por outro lado, as controvérsias científico-tecnológicas
possuem fortes ingredientes emocionais que levam à distorção de juízos,
independentemente do grau de alfabetização científica do indivíduo, dado que
as emoções entram em conflito com crenças pessoais, políticas ou religiosas. 3. O
conceito de cultura científica Na
atualidade, surgem outras propostas, e mais que alfabetização científica,
propõe-se falar do nível de "cientificidade" da cultura de uma
sociedade, quer dizer, em que medida as instituições científicas, seus
conteúdos, práticas, processos e discursos se encontram refletidos na
sociedade como um todo. A concepção da alfabetização científica como um
atributo individual se revela insuficiente para compreender a circulação e
uso social do conhecimento, assim como a participação cidadã. Uma vez
assumido que a ciência e a tecnologia são partes da sociedade, é necessário
um maior nível de integração destes conceitos para converter a denominada
"cultura científica" em conteúdos manifestos nas práticas gerais e
presentes no sentido comum. Os critérios para o desenvolvimento deste nível
de cientificidade são portanto: o nível de aplicação
de práticas científicas em atividades relevantes, o grau de informação
circulante de forma pública, o grau de desenvolvimento da cultura ciência-tecnologia-sociedade e o grau de participação
cidadã nas controvérsias de caráter científico-tecnológico (POLINO; FAZIO;
VACAREZZA, 2003). Por
outro lado, na atualidade também é comum a
utilização do termo "cultura científica" como elemento objetivo da
comunicação pública da ciência. O termo também se apóia em uma proposta de
consideração da ciência como parte da cultura geral. A separação entre
ciência e cultura é iniciada com a profissionalização da ciência no século
XIX, mas alcança seu auge com o trabalho de Snow
(1959), que identifica a existência de duas culturas, uma científica e outra
humanista, dentro da comunidade acadêmica. A divisão de culturas afetaria e
caracterizaria, assim, as concepções mesmas de construção e disseminação do
conhecimento. Para
Snow, a transferência do paradigma das duas
culturas a partir do contexto acadêmico para o não acadêmico incide
diretamente sobre a questão da alfabetização científica, já que a
especialização precoce no sistema educativo cria a necessidade de
"intérpretes" para mediar as mensagens
especializadas da ciência. Mas
a partir dos setenta surge uma "terceira cultura", integrada pelos
estudos sociais da ciência e a tecnologia e pelo reconhecimento de valores
humanísticos na ciência. Na atualidade, esta multiculturalidade
também provém da manifestação dos campos híbridos de investigação, que não se
podem categorizar segundo extremos bipolares, mas sim constituem campos
heterogêneos de disciplinas. Surge então uma proposta pós-moderna, para a
prática de uma comunicação científica "(multi)cultural", que tem em conta a diversidade cultural
nas comunidades acadêmicas e científicas (VAN DIJCK, 2002). A
influência da ciência na cultura pode ser detectada através de sua influência
sobre o pensamento cotidiano, da utilização dos conhecimentos científicos
para a resolução de problemas práticos e da capacidade da ciência para
melhorar a toma de decisões pessoais. Ainda assim, esta relação não está tão
clara, devido a que tradicionalmente o sistema técnico-científico foi
considerado fechado em si mesmo em relação à sociedade, ao mesmo tempo em que
uma alfabetização científica deficiente faz que a ciência seja percebida como
algo pouco relevante para a vida cotidiana (MASSANERO et
al., 2002). Ao
examinar a relação da ciência com outras formas de conhecimento, Fernández-Rañada (2002) chega à conclusão de que a
"ciência se gera socialmente, de modo que é influenciada pela cultura e
nela influi, tendo sua ação mais pontos em comum com outras abordagens à
realidade, como as humanidades e a arte, do que se pode supor" e apesar
de seus condicionamentos culturais o saber científico chega a
"afirmações objetivas, ou seja, supra-culturais,
válidas em qualquer ambiente cultural ou ideológico". Surge então o
conceito de cultura científica: Mas
o que é realmente a cultura científica? A resposta a esta pergunta não é
simples; como não o é a resposta à pergunta a respeito do que é a cultura artística
ou literária. Uma pessoa culta –tanto faz seja em artes, literatura ou
ciências- não é o erudito, que sabe quase tudo, nem o pesquisador, que indaga
na profundidade de determinados temas. É muito mais aquele que pode
compartilhar com outras pessoas uns determinados conhecimentos básicos,
históricos, conceituais, generalistas...que lhe
ajudam a compreender melhor e a apreciar mais o mundo que lhe rodeia
(TOHARIA, 2001). Do
mesmo modo, A
expressão cultura científica tem a vantagem de englobar tudo isso
[alfabetização científica, divulgação científica, percepção/compreensão da
ciência] e conter ainda, em seu campo de significações, a idéia de que o
processo que envolve o desenvolvimento científico é um processo cultural,
quer seja ele considerado do ponto de vista de sua produção, de sua difusão
entre pares ou na dinâmica social do ensino e da educação, ou ainda do ponto
de vista de sua divulgação na sociedade, como um todo, para o estabelecimento
das relações críticas necessárias entre o cidadão e os valores culturais, de
seu tempo e de sua história. (VOGT, 2003). 4.
Alfabetização científica e educação em ciências Uma
das principais formas de alcançar a alfabetização científica é através da
educação científica. Roqueplò (1974) analisa a
relação entre divulgação científica, realizada principalmente através do
jornalismo científico, mas podendo assumir outras formas como os museus e
centros interativos de ciência, e o ensino formal. Assim, a primeira relação
é de complementaridade. Sua principal justificação é a acelerada
especialização do conhecimento frente à lentidão dos programas escolares em
relação com o ritmo da ciência e de incorporar seus conteúdos. Neste panorama
a divulgação surge como um meio mais flexível, permitindo assegurar uma
cultura geral que acompanha o progresso das ciências. A segunda relação é a
de dependência direta, com o estabelecimento de uma brecha de
conhecimento entre vários setores da sociedade. Pese ao conhecimento mínimo
assegurado pelo ensino escolar, a contribuição da divulgação é acessível
somente aos que têm conhecimento suficiente para alcançar um benefício. Por
isso também existe o risco de que a divulgação científica se dirija às
elites, acentuando as desigualdades do ensino oficial. Entretanto,
como elemento comum, a idéia básica do movimento em pró da alfabetização-cultura-apreciação científica é o conceito
de una "uma nova forma de ensinar que rompa, em particular, com a visão
de uma ciência descontextualizada, alheia aos interesses e condições
sociais" (BYBEE, 1997), de forma bastante similar ao que o movimento da
compreensão pública da ciência e a tecnologia postula
na atualidade. Para Trefil (1996), a alfabetização
científica é um subconjunto de algo muito mais geral, denominado
alfabetização cultural. Assim, quase todas questões
científicas não tratam da ciência isoladamente, mas sim demandam um
conhecimento sobre temas como economia e política, por exemplo. Na
atualidade, as limitações da educação de ciências se podem resumir na
incompreensão da ciência devido à ausência de um sentido humanístico, que
ajudaria no conhecimento de sua natureza, dos pontos fortes e limitações da
pesquisa científica e da percepção da ciência como uma complexa atividade
social, com dimensões filosóficas, sociais e éticas. Também se encontra
ausente o tratamento a partir de uma perspectiva histórica, com o retrato dos
episódios com transcendência para o patrimônio cultural, dos marcos do
desenvolvimento do pensamento no mundo ocidental. Por
último, o ensino das ciências se caracteriza por uma imperfeição na hora de
lidar com idéias e conceitos especializados que transcendam os limites
disciplinares, como por exemplo, os conceitos de "constância" e
"mudança", de "sistemas", "modelos" e
"escala". Associada a esta abordagem, a concepção das disciplinas
científicas como inerentemente difíceis e ausentes de relevância pessoal ou
social em termos de participação pública. Este "alto nível"
atribuído à ciência tem um custo substancial, pois implica a idéia de que a
ciência "é para os outros", quer dizer, para uma minoria dotada de
capacidades científicas e técnicas (RUTHERFORD, 2003). Para
efetuar uma mudança neste panorama educativo é necessário adotar propostas
curriculares diferenciadas, que especifiquem os objetivos de aprendizagem
claramente e que capacitem para a participação no mundo da ciência, para toda
vida. Os conteúdos dos cursos deveriam refletir tanto os aspectos técnicos
como as dimensões humanas da ciência; estes conteúdos devem acompanhar-se de
materiais educativos que tratem as ramificações de maneira transversal e não
só em capítulos superficiais ou anexos que possam facilmente ser ignorados. Um possível currículo para promover a apreciação da
ciência incluiria a compreensão dos objetivos da ciência e da tecnologia, dos
motivos pelos quais ambos são necessários, do papel da teoria na ciência, do
significado dos fatos" e das "verdades científicas", do papel da
experimentação em ciência, da relação complementar entre a ciência e da
tecnologia, da história da ciência e de sua natureza acumulativa, dos
potenciais e limitações no horizonte da ciência, da ameaça dos movimentos pseudo e anticientíficos e por
fim, do impacto social que a ciência e a técnica ocasionam na sociedade
(SHAMOS, 1995). Em
último lugar, a avaliação do estudante deve vincular-se estreitamente com os
objetivos da aprendizagem, para que o processo de mudança seja efetivo. Além
disso, a menos que os professores se comprometam profundamente em promover a
alfabetização científica a todos os estudantes, estes objetivos não vão ser
levados a sério. É mais, sem os conhecimentos e habilidades necessárias para
efetuar estes novos objetivos e estratégias, o professorado não será capaz de
operar eficazmente nos cursos. Sua formação e capacitação devem ter a mesma
base pedagógica que os estudantes, para uma compreensão ampla da ciência como
empresa social e humana, e esta deve manter-se ao longo da carreira
profissional. Em
contrapartida, o conceito de cultura científica determina um posicionamento
específico, assumindo a noção de conhecimento científico generalizado na
população, não mais a partir de uma base de medição da compreensão de
conceitos, em outras palavras, do "nível de
alfabetização científica, mas sim de um "modo de entrelaçar"
a ciência que as crianças aprendem na escola a seus modos cotidianos de
reagir, pensar, emocionar-se e atuar, que poderia incorporar-se em seu
pensamento familiar, tanto como o íntimo vocabulário da cultura (SOLOMON,
1997). Uma
justificativa algo distinta é a aprendizagem das ciências pelo bem
individual, dada as relações entre ciência e cultura. Conhecer as ciências,
portanto, implicaria a possibilidade de uma participação cultural (MASSEY,
1999). Assim,
a apreciação da ciência, no sentido de perceber a ciência como algo
"interessante, estimulante e entretido" constitui um objetivo mais
realista do que de equiparar o conhecimento dos não-especialistas com o dos
cientistas. Segundo Shamos (1988), em uma cidadania
que compreenda e aprecie o que é a ciência é menos provável que se
desenvolvam atitudes anticientíficas, que em uma
que se viu forçada a aprender ciência. E
frente à impossibilidade de que a educação científica permita que os cidadãos
julguem com critérios técnicos, em outras palavras que se equiparem ao peritos, a educação de ciências deveria procurar, como
mínimo, reduzir o medo associado às questões científicas e técnicas e a falta
de confiança em compreender princípios básicos (MASSEY, 1999). Por
último, entre as características de uma pessoa educada se encontram o desejo
e a habilidade de continuar aprendendo uma vez afastada do sistema formal.
Entre os atributos que se mencionam para alcançar este nível de "lifelong learning",
destacam a curiosidade (o desejo de compreender fenômenos e de saber
mais sobre as coisas) atuando como força condutora; a confiança, ou
habilidade de aprender coisas novas e a discriminação, pois a
curiosidade sem um foco de atenção pode conduzir ao esforço de dominar temas
irrelevantes ou errôneos, levando a dissipação de energia mental e física.
Estas são justamente as características que emergem do estudo das ciências,
pois entendida como processo, e não só como corpo de conhecimento, demanda e
alimenta estes valores (MASSEY, 1999). Em
suma, Mais
além do enfrentamento, parece hoje fora de toda dúvida não só a influência da
cultura na ciência, mas também que a própria ciência é uma forma mais de
cultura, feita por pessoas e para a humanidade, embora possivelmente uma
cultura algo especial (…) Sem chegar a pensar ingenuamente que as barreiras
entre as duas culturas desapareceram, hoje em dia se tende mais a reconhecer,
de ambos lados, que a ciência é parte inerente e
medular da cultura humana, por isso resulta urgente seguir trabalhando pela
comunicação da ciência à sociedade para incrementar sua compreensão pública e
melhorar a alfabetização científica de toda a cidadania (MASSANERO et al., 2002). 5. Conclusão Neste
artigo analisamos o conceito de alfabetização científica a partir de suas
múltiplas definições e de sua relação com os processos de comunicação pública
da ciência e da tecnologia e da educação O
recentemente adotado conceito de cultura científica, apesar da falta de uma
definição suficientemente consolidada e teóricamente
fundamentada, aparece como um possível elemento de reunificação entre estas
diferentes áreas de estudo e também de sua aplicação prática. Mais
importante, parece dirigir o debate, desde uma noção da alfabetização
centrada nos elementos cognitivos, quer dizer, na compreensão e explicação, a
uma concepção de contextualização do saber científico nas atividades
cotidianas, complementada por uma compreensão da dinâmica social da produção
do conhecimento, assim como das repercussões de sua aplicação tecnológica.
Finalmente, tamnbém cabe dizer que o conceito de
cultura científica, apesar de certa semelhança e de esta sinalizada
convergência conceitual, é mais amplo do que conceito de alfabetização
científica, na medida em que incorpora um componente social de análise e
interpretação ao processo de apropriação do conhecimento, frente ao caráter
essencialmente individual (e a partir do qual se realizariam infererências para toda a sociedade) da concepção
tradicional. Através
de estratégias de comunicação social e de ações pedagógicas que busquem esta
noção de alfabetização científica, muito mais centrada na apreciação se
chegaria à incorporação do saber científico tanto ao imaginário social do
indivíduo, assim como da sociedade circundante. Posteriormente,
com esta base de entendimento da ciência e da tecnologia como processos
integrantes e presentes na cultura, iniciariam-se
as ações de formação especializada de técnicos e cientistas, cuja atividade
futura também seria afetada pela percepção da sociedade com um todo, em um
processo contínuo de negociação e influência mútua. Em
última instância, esta concepção da cultura científica em sentido amplo
propõe-se como a única forma possível para permitir uma participação efetiva
da sociedade em um quadro democrático e desta forma orientar o
desenvolvimento econômico de um país ou região. Bibliografia BONFIL OLIVERA, Martín. La difusión cultural de la ciencia: un
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