Criatura desenterrada na ilha de Flores tinha 1 metro de altura e acende debate sobre evolução da inteligência
Claudio Ângelo escreve para a "Folha de SP" (Folha de SP, 28/10)
Os hobbits podem até ser criaturas de ficção. Mas uma raça de pessoas de um metro de altura conviveu em tempos passados com o homem moderno. Trata-se do mais novo membro do gênero humano, cujos fósseis foram desenterrados numa caverna na ilha de Flores, Indonésia.
Batizada de Homo floresiensis por seus descobridores, a nova espécie está sendo considerada um dos maiores achados da paleoantropologia nas últimas décadas. Ela se extinguiu provavelmente há apenas 12 mil anos, no final da Idade do Gelo, época em que o Homo sapiens já havia colonizado todo o planeta e -acreditava-se- era o último representante da linhagem dos hominídeos.
Os fósseis, um esqueleto completo e partes de seis outros indivíduos, indicam que o H. floresiensis era uma espécie anã, cujos adultos não passavam de um metro de altura. Seu crânio abrigava o menor cérebro já visto entre hominídeos -do tamanho do de um chimpanzé.
"Foi uma surpresa imensa, porque tudo o que estudamos dizia que pessoas com um cérebro desses e um tamanho desses haviam andado sobre a Terra pela última vez há 3,5 milhões de anos", disse à Folha o paleoantropólogo australiano Peter Brown, da Universidade da Nova Inglaterra, que descobriu o H. floresiensis e o descreveu, juntamente com colegas da Indonésia e da Austrália, na edição de hoje da revista científica "Nature" (http://www.nature.com).
O esqueleto tem 18 mil anos e pertencia a uma mulher adulta. Ele estava enterrado com restos de estegodonte (elefante-anão), de dragões-de-komodo e várias ferramentas de pedra. Esse contexto sugere que, ao menos no que diz respeito ao cérebro, tamanho não é documento.
"Ele abre um debate sobre cognição, porque tem um cérebro menor que o nosso e está lá, fazendo ferramentas de pedra", diz a antropóloga brasileira Marta Mirazón Lahr, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), que comentou a descoberta na "Nature". "A questão é: o que causa a cognição? É o grau de encefalização [tamanho] ou o número de conexões que o cérebro faz?"
Não se sabe nem se houve contato entre o H. floresiensis e o homem moderno. Datações preliminares dos outros indivíduos do sítio indicam que a espécie já estava presente há 95 mil anos.
"Mas a evidência direta de humanos modernos em Flores tem só 11 mil anos, logo depois da camada de cinzas vulcânicas que selou o destino dos hobbits e dos elefantes-pigmeus", diz Bert Roberts, da Universidade de Wollongong, Austrália, co-autor da descoberta. Há, no entanto, entre os nativos de Flores, uma lenda sobre pessoas pequenas, chamadas "ebu gogo" no idioma local.
Segundo os cientistas, o nanismo do H. floresiensis provavelmente foi uma adaptação ao ambiente da ilha. Esse fenômeno é comum entre mamíferos ilhéus, que reduzem seu tamanho em resposta à escassez de comida. "Há ilhas em que elefantes ficam do tamanho de um porco em 5.000 anos", diz Brown.
O nanismo acontece em seres humanos, mas como um problema genético. Nesse caso, o tamanho do corpo diminui, mas o do cérebro não. Por isso, os cientistas sabem que o hobbit indonésio é uma espécie encolhida.
A nova espécie seria uma versão "light" do Homo erectus, considerado o ancestral direto da espécie humana. O H. erectus foi o primeiro hominídeo a atingir a Indonésia, provavelmente de barco.
"Temos ferramentas de pedra de 840 mil anos em Flores, mas não sabemos quem as produziu", disse Brown. A hipótese preferida do antropólogo é que uma população de H. erectus tenha chegado à ilha e encolhido com o tempo.