O MELHOR LIVRO DE CIÊNCIA. DE CIÊNCIA?
Relato
autobiográfico do italiano Primo Levi ganha eleição promovida entre
especialistas britânicos
Esqueça Stephen Jay Gould,
Carl Sagan e outros clássicos da divulgação científica. Em um evento promovido
pela Royal Institution britânica para apontar o
melhor livro de ciência de todos os tempos para o grande público, o eleito foi A tabela periódica , do escritor italiano
Primo Levi, mais conhecido pelo relato de como sobreviveu aos horrores do campo
de concentração de Auschwitz.
Publicado originalmente em 1975, o livro reúne relatos de fundo autobiográfico
e pequenos contos que têm a prática da química como um tênue denominador comum
– cada um dos 21 capítulos tem o nome de um dos elementos da tabela periódica.
Os ensaios evocam na maior parte episódios da vida do autor, que se formou em
química pela Universidade de Turim em 1941 e trabalhou em uma fábrica de tintas
e vernizes durante a maior parte da vida.
O livro de Levi desbancou outras três obras finalistas apontadas por
especialistas em divulgação científica convidados pela Royal Institution: O gene egoísta ,
de Richard Dawkins, A república de Plutão , de Peter Medawar,
e a peça Arcadia
, de Tom Stoppard (as duas últimas inéditas no
Brasil).
A escolha final foi feita pela platéia presente à mesa-redonda organizada pela
Royal Institution no final de outubro para discutir o
tema. Entre outros livros lembrados na discussão que precedeu a votação,
estavam A dupla hélice , de James Watson, A vida de Galileu , de Bertolt Brecht, e Planolândia
, de Edwin Abbott.
Categorização controversa
Por paradoxal que
pareça, dificilmente o leitor encontrará a tradução brasileira de A tabela periódica , lançada pela Relume Dumará, nas estantes de
ciência das livrarias. Como outros finalistas, a obra não se encaixa na
definição estrita de divulgação científica – talvez porque os grandes livros
transcendam qualquer categorização, como alegaram os especialistas reunidos na
mesa-redonda.
Na opinião do jornalista de ciência Jon Turney, mediador do evento e autor de um blog sobre livros de ciência , os convidados privilegiaram a
qualidade literária em suas escolhas. “Primo Levi é um grande autor, mesmo em
tradução, e A tabela periódica
foi escrito de forma brilhante”, disse ele à CH
On-line .
“Mas não se trata de fato de um livro de divulgação científica.”
A obra tem, é verdade, passagens que se encaixam facilmente na definição desse
gênero – em especial o último capítulo, que descreve a trajetória de um átomo
de carbono, que após vagar pela atmosfera é fixado em um vegetal e segue seu
destino até se ver absorvido por um neurônio do cérebro do narrador.
Na maior parte dos ensaios, no entanto, a ciência aparece como um pano de fundo
que permeia a narrativa do autor. Os relatos incluem, por exemplo, a descoberta
por Primo, ainda criança, do fascinante processo
de destilação no laboratório do irmão de um amigo. Outro capítulo descreve a
hilariante tentativa frustrada de Levi de recolher excrementos de galinha para
extrair a uréia que serviria de matéria-prima para um componente precioso para
a fabricação de batons.
Mas o leitor não deve encarar a leitura de A
tabela periódica em busca de aulas de química. “Ler Primo Levi por
causa de sua ciência seria uma estranha razão para entrar em seu mundo”,
reconhece Jon Turney. “As
pessoas deveriam lê-lo para descobrir o que significa ser humano.“
A tabela periódica
Primo Levi (trad.: Luiz Sérgio Henriques)
Rio de Janeiro, 2005, Relume Dumará
Tel.: (21) 3882-8416
260 páginas – R$ 34,90
Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
22/11/2006