Por Felipe A. P. L. Costa
em 20/06/2011 na edição 647
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/ciencia-tecnologia-embromacao
Artigos
publicados neste Observatório já chamaram a atenção para programas de TV que
divulgam as últimas novidades da ciência ou da tecnologia, alardeando que elas
poderão revolucionar o bem-estar físico dos consumidores. O exemplo mais
recente é o artigo “Saúde nos discursos midiáticos:
viva sem menstruar”, de Viviane Ramalho,
publicado em 14/6 (edição nº 646).
O artigo de
Ramalho aborda a questão da divulgação de um tema de biologia humana
(menstruação) de um ponto de vista, digamos, ideológico.
Ainda que seja uma abordagem pertinente, e por si só bastante interessante, sou
de opinião que as mensagens reproduzidas nesses programas de “aconselhamento”
também precisam ser abordadas de uma perspectiva científica. Afinal, além de
reproduzir elementos insidiosos da ideologia dominante, como o consumismo
desenfreado, o conteúdo desses programas em geral reproduz erros e mal-entendidos
científicos grosseiros.
Em artigo anterior (ver “Demografia confunde imprensa”, Observatório
no. 376, de 10/4/2006), eu já havia tido oportunidade de discutir esse
problema, envolvendo então temas demográficos. Naquela ocasião, chamei a
atenção especificamente para a confusão feita entre longevidade e expectativa
de vida em prestigioso programa semanal da televisão brasileira.
Teoria, artes práticas e sabedoria
Na
verdade, o problema das confusões conceituais não sai do ar, qualquer que seja
o tema ou assunto abordado, dando a impressão de que repórteres e editores não
conseguem (ou não querem) evitá-lo. Quando são pegos com a mão na botija,
jornalistas costumam dizer que o público não se interessa por detalhes e que
eles, por isso mesmo, são obrigados a “nivelar tudo por baixo”, deixando as
explicações “detalhadas” para a mídia especializada. O caso mencionado por
Ramalho, envolvendo a veiculação pela TV de opiniões grosseiras a respeito da
menstruação, talvez fosse evitado caso o assunto fosse abordado de modo
minimamente crítico.
No
que segue, apresento uma sugestão de roteiro que um programa de televisão sobre
a menstruação poderia adotar. O roteiro aborda três aspectos, indo do mais
geral ao mais específico, a saber: a) o que diferencia ciência de tecnologia?; b) a medicina é uma ciência ou uma tecnologia?; e c) por que as mulheres menstruam? Na hipótese de um programa de “aconselhamento”,
como foi o caso do programa mencionado no artigo de Ramalho, nenhuma sugestão
ou orientação deveria ser dada aos telespectadores sem antes oferecer respostas
claras às perguntas acima, principalmente à última.
De
acordo com o filósofo grego Aristóteles (384-
Primeiro a tecnologia, depois a ciência
Cada
uma dessas atividades é praticada hoje por diferentes tipos de “especialistas”.
Os praticantes da ciência, por exemplo, são chamados de cientistas, enquanto os
praticantes das artes práticas são artistas ou técnicos. Na opinião de alguns
autores, as artes práticas constituiriam aquilo que habitualmente chamamos de
tecnologia. Para outros, no entanto, a tecnologia teria um significado mais
restrito, abrangendo apenas as artes práticas que contam com um significativo
corpo de conhecimento e explicações científicas associados.
De
um jeito ou de outro, devemos ter em mente o seguinte: ciência e tecnologia são
atividades distintas e, em larga medida, independentes.
A tecnologia, diferentemente do que muitos imaginam, não é a cristalização do
conhecimento científico nem sua aplicação prática. Outro mal-entendido é
imaginar que a tecnologia é uma atividade recente, própria de
nossa época, ou que se trata meramente da produção de bens e serviços
cada vez mais “modernos”. A tecnologia permite que essas coisas aconteçam, mas
ela própria não se reduz aos bens e serviços produzidos.
Além de
serem atividades distintas e independentes, cabe observar que a tecnologia é
bem anterior à ciência. Dezenas de milhares de anos atrás, bem antes do
nascimento do que viria a ser chamado de ciência, nossos
ancestrais pré-históricos desenvolveram uma tecnologia suficientemente
sofisticada a ponto de construir ferramentas de ossos e pedras. Mais tarde, sob
circunstâncias inteiramente diferentes, surgiriam os artefatos de bronze, ferro
e, mais recentemente, os de aço.
Tecnologias de base científica
Diversas
inovações tecnológicas que caracterizariam a chamada
Revolução Industrial, cujos desdobramentos moldaram o mundo em que
vivemos, pouco ou nada tiveram de base científica. Um caso que ilustra bem essa
afirmação é a história da máquina a vapor, uma invenção-chave para a
civilização industrial. O incentivo original para o seu desenvolvimento foi estritamente
comercial e industrial, sem qualquer grande preocupação científica.
Em
resumo, podemos caracterizar a distinção entre ciência e tecnologia dizendo o
seguinte: se, amanhã ou depois, civilizações extraterrestres fizerem contato
conosco, podemos estar certos de que o conhecimento científico deles não será
diferente do nosso (embora possa ser muito mais avançado). Em compensação, é
quase certo que a tecnologia deles será muito diferente da nossa, a despeito de
ser mais ou menos avançada.
Diversas
ocupações profissionais modernas, como a agronomia, a arquitetura, as
engenharias, a medicina e o serviço social, têm mais a ver com tecnologia do
que com ciência. A agronomia e a medicina, por exemplo, são artes práticas (ou
tecnologias) milenares. Embora as versões modernas dessas atividades estejam
fundamentadas na ciência (principalmente na biologia), a agronomia e a medicina
não são elas próprias disciplinas científicas. Vejamos, especificamente, o caso
da medicina.
“Ceticismo e insegurança moral”
Até
onde sabemos, todas as sociedades humanas (passadas ou presentes) possuem suas
técnicas de tratamento das moléstias e dos ferimentos. Na maior parte das
vezes, essa prática está fundamentada em conhecimento exclusivamente empírico,
sem base científica. De fato, a história da medicina, antes da Revolução
Científica (cujos primórdios recuam até o século 15) e, mais especificamente,
até pouco antes da descoberta dos micróbios (século 19), era caracterizada por
procedimentos muito diferentes dos que estamos habituados a imaginar. Aos olhos
do senso comum de hoje, o que dizer, por exemplo, da prática, outrora comum, de
prescrever a administração de preparados contendo urina ou fezes do próprio
doente ou mesmo de animais domésticos?
A
medicina moderna – ou ao menos a medicina ocidental moderna – surgiu no século
18, tendo como fundamento científico duas disciplinas biológicas, a morfologia
(anatomia) e a fisiologia humanas. Eis o comentário de um historiador da
ciência a respeito do assunto (grafia original):
“O espírito do ensino médico tem
permanecido quase sem alterações desde o século 18 [...]. Esse ensino baseia-se
na Anatomia e na Fisiologia, tratadas como ciências naturais consistentes,
dotadas de sólida base experimental Seguem-se-lhes os
estudos clínicos, sob orientação direta de médicos experientes, dando-se ênfase
ao desenvolvimento da sabedoria prática e de técnicas bem-sucedidas
empiricamente [...]. A cada época que se sucede, continua-se a acentuar o fato
de que a Medicina `ainda´ não pode ser reduzida a uma
ciência completa, cobrindo teoricamente todos os casos possíveis, e que o
médico habilidoso deve estar sempre pronto a fazer uso de sua iniciativa
pessoal e de sua intuição própria, a fim de tratar com o mundo das coisas
práticas. Também a pesquisa clínica possui sólida tradição empírica.
Tratamentos eficazes, descobertos por acidentes ou frutos de conjecturas
felizes, são tão importantes em si quanto os que foram deduzidos de maneira
racional, a partir da teoria. O objetivo da instrução
e da pesquisa médica é curar as pessoas de suas doenças, e não o de meramente
ampliar o nosso conhecimento da Biologia Humana.
Mas essa atitude pragmática não
livrou a Medicina do dogmatismo infundado [...]. A experiência pode ser
perigosa, uma vez que representa um risco para a segurança do paciente. O
médico que prescreve um tratamento `correto´, baseado
nos princípios convencionais, não precisa recear o ônus da responsabilidade de
um eventual malogro. Em qualquer ofício prático no qual as decisões tenham de
ser tomadas todo dia com base em evidências inadequadas, existe uma tendência
perfeitamente normal no sentido do conservadorismo teórico. Para manter acesa a
confiança do médico em si próprio (e mais acesa ainda a do seu paciente!), é
mais confortável apoiar-se em alguma teoria geral que aparente justificar o
tratamento, ao invés de deixar-se cair no ceticismo e na insegurança moral.
[...]
Teoria evolutiva e biologia molecular
A história da Medicina é
instrutiva, porquanto mostra a extraordinária dificuldade de se assentar uma
habilidade prática sobre uma base científica sólida. Quase todos os progressos
verificados na prática médica, até tempos bem recentes, foram alcançados
através da observação direta, da experimentação, ou da simples dedução a partir
de uma ampla variedade de fatos bem conhecidos.
Não foi senão em 1865 que uma
mudança radical da técnica médica se derivou de um princípio biológico
elementar. Naquele ano, Joseph Lister (1827-1912),
professor de Cirurgia em Glasgow, levando em conta as
provas apresentadas por Pasteur em favor da teoria microbiana das doenças
[...], começou a fazer experiências sistemáticas utilizando as técnicas da
cirurgia asséptica [...]. Quando por fim chegarmos à cura do câncer, será
interessante observar se esta surgirá naturalmente da clínica médica, como uma `invenção´ brilhante, ou se irá basear-se teoricamente
em algum novo mecanismo fundamental de Biologia Molecular” - John Ziman (1981, p. 176-179).
Com
o progresso da biologia, principalmente a partir de meados do século
A interface biologia evolutiva/medicina
Até
poucos anos atrás, os esforços para evitar ou contornar as moléstias estiveram
concentrados exclusivamente no estudo de como as doenças se instalam em nosso
corpo. Mais recentemente, surgiram evidencias indicando que pode ser igualmente
valioso entender o por quê adoecemos.
Entender
como e por que o corpo humano é tão vulnerável a danos, especialmente a
doenças, é o principal objetivo da chamada medicina evolucionista, ou
darwiniana. Em 1991, o biólogo George C. Williams (1926-2010) e o médico Randolph M. Nesse publicaram um artigo pioneiro sobre essa
nova disciplina; em 1994, divulgaram suas ideias em
um livro (Nesse & Williams 1994). Nos anos seguintes, ainda publicariam
juntos diversos artigos e capítulos de livros. (Sobre o legado científico de
GCW, ver Costa 2011.)
Em
todas essas obras, Williams e Nesse procuraram sedimentar a nova disciplina,
chamando a atenção para as novidades e os benefícios (teóricos e práticos) que
uma exploração sistemática da interface biologia evolutiva/medicina
poderia oferecer. Por diversas vezes eles chamaram a atenção para o que
consideravam ser um problema particularmente grave: a ausência de biologia
evolutiva nos currículos médicos – alerta que também valeria para outros cursos
da área de saúde, como enfermagem, fisioterapia e odontologia. (Para uma
discussão mais recente, ver Nesse et al. 2009.)
O comportamento do nosso sistema imunológico
De
acordo com Williams e Nesse, a formação tradicional, sem um conhecimento mínimo
de biologia evolutiva, deixa os médicos inteiramente despreparados para
enfrentar questões fundamentais do tipo: por que os seres humanos são como são,
e não de algum outro jeito qualquer? Por que passamos por um processo de senescência à medida que envelhecemos? Por que adoecemos?
Por que as mulheres menstruam? O que uma perspectiva
evolutiva pode nos ensinar a respeito da natureza das doenças e seus
respectivos sintomas? Por que as doenças transmitidas por vetores tendem a ser mais letais que as transmitidas por contágio? Até que
ponto uma perspectiva evolutiva pode transformar a interpretação dos sintomas
em algo mais preciso e seguro, notadamente no caso de doenças infecciosas? Que
implicações essas melhorias poderiam ter não só nos procedimentos que comumente
são adotados frente a tais sintomas, mas também em relação ao nosso estilo de
vida atual? E assim por diante.
Interpretar
corretamente os sintomas de uma doença não é tarefa trivial nem desprovida de consequências. Veja o caso da anemia, uma condição
caracterizada pelo baixo nível de ferro (hemoglobina) no sangue circulante. Na
chamada anemia de doença crônica, um tipo de anemia associado a processos
inflamatórios, infecciosos ou cânceres, a deficiência de ferro pode não ser uma
patologia, mas sim, um mecanismo de defesa do corpo. Nessas circunstâncias,
sugerir a ingestão de ferro suplementar pode agravar o problema, ao invés de
resolvê-lo.
Diagnósticos
mais bem informados podem sugerir ainda a adoção de novos procedimentos –
alguns até mesmo contra-intuitivos. Veja o caso da chamada hipótese dos velhos
amigos (ou hipótese da higiene), segundo a qual a exposição a certos parasitas
(notadamente vermes) durante a infância pode modular o comportamento do nosso
sistema imunológico, evitando que mais tarde ele reaja de modo, digamos,
exagerado, como ocorre em certas doenças alérgicas e autoimunes.
Com base nessa hipótese, portadores de determinados distúrbios imunológicos têm
sido tratados de modo experimental por meio da ingestão deliberada de ovos de
parasitas. Os resultados dessa inusitada terapêutica são promissores e parecem
justificar o otimismo de alguns pesquisadores.
Menstruação: como e por quê?
Os
caracteres hereditários (morfológicos, fisiológicos, comportamentais) do corpo
humano têm uma longa história evolutiva. Alguns são adaptativos, outros não. Em
alguns casos, nós ainda estamos tentando obter uma boa explicação evolutiva
para a ocorrência de certos fenômenos e processos biológicos. É o caso da senescência, da menopausa e da menstruação – afinal, por
que esses processos, aparentemente maladaptativos,
evoluíram? Vejamos, especificamente, o caso da menstruação (Costa 2009).
O
sistema reprodutor feminino passa a cada 28 dias, aproximadamente, por dois
ciclos, o ovariano, durante o qual ocorre a ovulação, e o uterino, durante o
qual ocorre a menstruação. A preparação para o início desses processos cíclicos
mensais normalmente começa quando a menina tem entre nove e dez anos. A
primeira menstruação (menarca) ocorre por volta dos 12 anos, enquanto a
derradeira costuma ocorrer quando a mulher tem entre 45 e 55 anos. Nessa última
fase, ocorrem diversas alterações fisiológicas no corpo feminino, que passa por
períodos de atrasos ou suspensões até que a menstruação cessa definitivamente.
É a menopausa, o fim da vida reprodutiva da mulher.
Ao
longo do tempo, a fisiologia da menstruação tem sido descrita em níveis de
detalhamento cada vez mais profundos. Isso, no entanto, não é por si só capaz
de responder a outro tipo de pergunta: por que as mulheres menstruam?
Em biologia, quando perguntamos o por quê de determinado fenômeno ou
processo, já não estamos lidando apenas com a fisiologia do corpo dos seres
vivos, mas sim, com a história dessa fisiologia – isto é, como e por que tal
processo evoluiu ao longo das gerações. Em outras palavras, o que está em jogo já
não é mais a nossa compreensão de como a menstruação ocorre ou se
processa, mas sim, o modo como o processo da menstruação (tal qual o
conhecemos) evoluiu.
Embora
essas duas grandes questões – como e por quê – estejam interligadas, elas exibem um grau significativo
de autonomia, a ponto de serem investigadas em separado. Além disso, como a
“tradição do como” é relativamente mais antiga e mais simples do que a
“tradição do por quê”, a biologia tem sido mais bem-sucedida na formulação de
explicações funcionais para os fenômenos da vida. Uma justificativa adicional
para essa assimetria pode ser meramente pragmática: a explicação funcional é
(ou parece ser) suficiente para nos orientar frente a muitas questões do
dia-a-dia. É por isso que um médico ou uma médica ginecologista, por exemplo,
pode orientar de modo satisfatório as mulheres com distúrbios no sistema
reprodutor (ciclos menstruais irregulares, sangramento excessivo etc.) que o ou
a procuram, mesmo quando ele ou ela nada sabe sobre o “por quê” da menstruação
– isto é, sobre os fenômenos e processos que moldaram a evolução do corpo
humano.
As perguntas da biologia evolutiva
A
bem da verdade, é bom que se diga, até bem pouco tempo atrás ainda não havia
uma teoria biológica que explicasse de modo consistente a evolução da
menstruação, embora os detalhes fisiológicos sejam conhecidos e estudados há muito tempo. A situação começou a mudar nas últimas décadas,
quando as primeiras hipóteses explicativas de cunho evolutivo começaram a
aparecer. Desde então, surgiram várias ideias
interessantes e promissoras. Esse foi o caso, por exemplo, da hipótese
formulada pela bióloga Margie Profet,
segundo a qual a menstruação teria evoluído como um mecanismo de defesa contra
micróbios nocivos trazidos pelos espermatozoides.
A
hipótese de Profet apareceu em um artigo publicado em
1993 e, embora de lá para cá tenha encontrado mais restrições do que apoio, não
resta dúvida de que mexeu com as ideias sobre o
assunto; nesse sentido, o trabalho de Profet pode ser
considerado como um marco no estudo da menstruação. Em 1996 apareceu uma outra
hipótese adaptativa, proposta pela antropóloga Beverly
Strassmann. Além de argumentar contra as ideias de Profet, ela apresentou
sua própria explicação, segundo a qual a menstruação teria evoluído por razões
essencialmente econômicas – isto é, construir e reconstruir o endométrio
consumiria menos recursos do que mantê-lo permanentemente preparado para
receber um embrião eventual.
Explicações
adicionais (adaptativas ou não) apareceram depois disso, como a hipótese de que
a menstruação teria evoluído como um indicador externo do ciclo reprodutivo
feminino. Até agora, porém, nenhuma das hipóteses sugeridas parece ter se tornado hegemônica entre os estudiosos do assunto. Ainda que
todas as hipóteses explicativas já publicadas mostrem-se inconsistentes e
venham a ser substituídas em futuro próximo, não há
dúvida de que o enfoque evolutivo lançou luz nova sobre um assunto ainda hoje
cercado de preconceitos, erros e mal-entendidos, inclusive entre os especialistas.
Por
exemplo, muitos especialistas em fisiologia humana sem formação em biologia
evolutiva encaram as perguntas levantadas por biólogos evolucionistas como
questões excessivamente selecionistas (“a
menstruação, afinal, não seria uma adaptação”) ou, pior ainda, como questões
sem sentido. Todavia, com exceção talvez destes últimos – os fisiologistas
ortodoxos, para quem “fenômenos e processos fisiológicos são o que são, e
pronto” –, dificilmente algum estudioso da biologia reprodutiva humana discordaria
da pertinência das perguntas que estão sendo levantadas pela biologia
evolutiva: por que as mulheres menstruam? Por que não
manter a camada uterina (endométrio) até que o bebê precise dela? E mesmo que o
descarte do endométrio seja uma medida meramente econômica, por que o
sangramento copioso? Por quê?
Embromação e propaganda dissimulada
Espero
ter conseguido mostrar ao leitor que a teoria evolutiva tem implicações diretas
no cotidiano dos seres humanos. Não só como uma ferramenta que ajuda a formular
respostas para algumas de nossas dúvidas mais antigas e fundamentais – de onde
viemos? –, mas também para nos orientar frente a problemas de ordem prática.
Graças ao
trabalho de alguns pioneiros, a análise evolutiva tem sido estendida para
outras áreas do conhecimento, bem além dos seus domínios originais. Tem sido
assim não só com a medicina, mas também com a economia, a psicologia e a linguística, entre outras áreas.
As causas e consequências de
todo esse dinamismo estão muito além da pauta que domina a mídia
brasileira, mesmo de setores supostamente voltados para a divulgação de temas e
assuntos de ciência e tecnologia. O cidadão ou a cidadã que procura se informar
a respeito do mundo por meio de matérias veiculadas pela mídia continuará,
portanto, alheio a tudo isso. E o que é pior: ao invés de ciência e tecnologia,
continuará exposto a doses elevadas de embromação e propaganda dissimulada,
conforme Ramalho comentou em seu artigo.
Bibliografia
Costa, F. A. P. L. 2009.
“Menstruação: outra perspectiva é possível”. Ciência Hoje 257: 72-3.
Costa, F. A. P. L. 2011.
George Williams e a mãe natureza. Ciência Hoje 282: 70-2. (Para uma
versão mais detalhada, ver artigo “A Mãe Natureza é uma bruxa velha malvada”,
publicado na revista eletrônica Simbio-Logias.)
Nesse, R. M. &
Williams, G. C. 1997. Por que adoecemos: a nova ciência da medicina darwinista.
Rio de Janeiro, Campus.
Nesse, R. M. & outros
12 co-autores. 2009. “Making evolutionary
biology a basic science for medicine”. Proceedings of the
National Academy of Sciences 107 (Suppl.
1): 1800-7.
Ziman, J.
***
[Felipe A.
P. L. Costaé biólogo, autor de Ecologia, evolução &
o valor das pequenas coisas (2003)]