A
EVOLUÇÃO DA POLÍTICA AMBIENTAL NO BRASIL DO SÉCULO XX
Ana
Cristina Augusto de Sousa*
Fonte: http://www.achegas.net/numero/vinteeseis/ana_sousa_26.htm
O presente artigo tem por objetivo analisar e caracterizar a evolução
da política ambiental brasileira no século XX e as suas tendências internas a
partir da emergência da questão ambiental no cenário internacional. Segundo
Magrini [i], a evolução da política ambiental pode ser descrita através de
importantes marcos de referência, isto é, grandes acontecimentos internacionais
ocorridos a partir da segunda metade do século XX, que influenciaram o curso
das políticas ambientais no mundo e, conseqüentemente, no Brasil. Houve, nesse período, segundo Magrini, o
desenvolvimento de três óticas em relação à questão ambiental: a ótica
corretiva (preponderante nos anos 1970), a ótica preventiva (preponderante nos
anos 1980) e finalmente, a ótica integradora (característica dos anos 1990),
que fornece a base teórica para a elaboração das ações políticas ambientais
atuais. Veremos ainda que a política ambiental brasileira propriamente dita se
desenvolveu de forma tardia se comparada às demais políticas setoriais
brasileiras, e basicamente em resposta às exigências do movimento internacional
ambientalista. Na hipótese defendida pelo presente trabalho, a abordagem
setorial corretiva e não integrada da questão ambiental por parte dos
elaboradores de políticas públicas brasileiros, aliada à visão governamental da
época de que a proteção ambiental não deveria sacrificar o desenvolvimento
econômico do país, constituíram os principais entraves para a inserção do componente
da sustentabilidade no modelo de desenvolvimento econômico brasileiro.
Durante séculos, o desenvolvimento
econômico decorrente da Revolução Industrial impediu que os problemas
ambientais fossem considerados. O meio ambiente era predominantemente visto
como acessório do desenvolvimento, e não como parte intrínseca dele. A poluição
e os impactos ambientais do desenvolvimento desordenado eram visíveis, mas os
benefícios proporcionados pelo progresso os justificavam como um “mal
necessário”, algo com que se deveria resignar [ii].
O
país que primeiro percebeu a necessidade e urgência da intervenção do poder
público sobre as questões ambientais foram os Estados Unidos, ainda na década
de 1960. Paradoxalmente, o país considerado o paraíso do não-intervencionismo
foi que primeiro promoveu a intervenção regulamentadora no meio ambiente,
através da “Avaliação dos Impactos Ambientais” (AIA), formalizada nos Estados
Unidos em 1969 [iii].
No
caso do Brasil, a política ambiental brasileira nasceu e se desenvolveu nos
últimos quarenta anos como resultado da ação de movimentos sociais locais e de
pressões vindas de fora do país. Do pós-guerra até 1972 – ano da Conferencia de
Estocolmo –, não havia propriamente uma política ambiental, mas sim, políticas
que acabaram resultando nela. Os temas predominantes eram o fomento à
exploração dos recursos naturais, o desbravamento do território, o saneamento
rural, a educação sanitária e os embates entre os interesses econômicos
internos e externos. A legislação que dava base a essa política era formada
pelos seguintes códigos: de águas (1934), florestal (1965) e de caça e pesca
(1967) [iv]. Não havia, no entanto, uma ação coordenada de governo ou uma
entidade gestora da questão.
Nessa
época, o desenvolvimento do país tinha como uma de suas bases o investimento
público nas áreas de petróleo, energia, siderurgia e infra-estrutura, associado
aos capitais privados investidos nas indústrias de transformação, que
viabilizavam a industrialização por substituição de importações. Na década de
1960, porém, esse modelo de desenvolvimento foi sendo redefinido e, ao final da
década, em função da poluição gerada por tais atividades, demandas ambientais
começaram a surgir [v].
Em
1970, um relatório formulado pelo Clube de Roma em associação com o grupo de
pesquisas do Massachusetts Institute of Technology (MIT) foi publicado com o
titulo de Limites do Crescimento. Esse documento apresentava modelos que
relacionavam variáveis de crescimento econômico, explosão demográfica, poluição
e esgotamento de recursos naturais [vi], com ênfase nos aspectos técnicos da
contaminação – devido à acelerada industrialização e urbanização – e no
esgotamento dos recursos naturais [vii], em função da explosão demográfica. Os
objetivos desse documento eram: obter uma visão mais clara dos limites do
planeta e das restrições que ele impunha à população e às suas atividades e
identificar os elementos que influenciavam o comportamento dos sistemas
mundiais e suas interações, advertindo para uma crise mundial, caso essas
tendências se perpetuassem.
Dois
anos depois, foi promovida na cidade de Estocolmo a Conferencia das Nações
Unidas para o Meio Ambiente, da qual o Brasil foi um dos participantes. As
questões ambientais levantadas diziam respeito às poluições do ar; da água e do
solo derivadas da industrialização, as quais deveriam ser corrigidas. O
objetivo dessa reunião era encorajar a ação governamental e dos organismos
internacionais para promover a proteção e o aprimoramento do meio ambiente
humano. As propostas apresentadas na Conferência de Estocolmo tiveram como base
os dados divulgados pelo relatório do Clube de Roma. No entanto, tanto a
análise dos problemas quanto as medidas propostas para a sua solução tinham um
caráter muito pontual, privilegiando basicamente a correção dos problemas
apontados.
Dessa
conferência resultaram os princípios que representaram compromissos entre as
nações. Ela recomendava ainda a assistência técnica e financeira, atribuindo a
“instituições nacionais apropriadas, as tarefas de planejamento, gerenciamento
e controle dos recursos ambientais” [viii]. A posição do Brasil em relação às
questões ambientais colocadas pela conferencia, endossada pelos demais países
do chamado Terceiro Mundo, foi bastante clara: o crescimento econômico não
deveria ser sacrificado em nome de um ambiente mais puro. Os delegados
brasileiros até reconheceram a ameaça da poluição ambiental, mas sugeriram que
os países desenvolvidos deveriam pagar pelos esforços dessa purificação. Além
disso, o Brasil discordou da relação direta entre crescimento populacional e
exaustão dos recursos naturais, opondo-se fortemente às propostas de medidas de
controle de natalidade [ix].
Um
terceiro componente sustentado pela posição brasileira causou ainda muita
polêmica: segundo os delegados brasileiros, a soberania nacional não poderia
ser mutilada em nome de “interesses ambientais mal-definidos”. O princípio da
soberania nacional, o direito de uma nação explorar seus recursos de acordo com
as suas prioridades, foi obsessivamente declarado pelo Brasil. Uma das razões
para isso dizia respeito à disputa com a Argentina em torno do uso da Bacia do
Prata. Assim, os elementos básicos da política externa brasileira da época – de
afirmação da sua soberania no sentido de optar por não sacrificar o
desenvolvimento econômico em nome do meio ambiente – “sairiam assim vitoriosos
de Estocolmo e viriam então a modelar as políticas ambientais internamente” [x].
Em
1973, pouco depois da Conferência de Estocolmo, foi criada no Brasil a Secretaria
Especial de Meio Ambiente (Sema), órgão especializado no trato de assuntos
ambientais sob a coordenação do Ministério do Interior. A Sema se dedicava ao avanço da legislação e
aos assuntos que demandavam negociação em nível nacional, tais como a produção
de detergentes biodegradáveis, a poluição por veículos, a demarcação de áreas
críticas de poluição e a criação de unidades nacionais de conservação. De fato,
as medidas de Governo se concentravam na agenda de comando e controle,
normalmente em resposta a denúncias de poluição industrial e rural.
O
modelo da política ambiental brasileira elaborada a partir da Conferência de
Estocolmo tinha assim como pilares: o controle da poluição e a criação de
unidades de conservação da natureza. O crescimento populacional e o saneamento
básico – componentes de políticas setoriais de impacto sobre o meio ambiente –
ficaram excluídos desse modelo, constituindo, cada um, objeto de política
própria, não articuladas à questão ambiental, o que evidenciou o desenvolvimento
isolado deste setor.
O
modelo instituído e coordenado nacionalmente pela Sema era ainda executado de
forma descentralizada pelos órgãos estaduais de meio ambiente nos estados de
maior desenvolvimento, como São Paulo e Rio de Janeiro. O ponto de partida para
a estruturação da política de controle de poluição nesses estados foi a crítica
à atuação dos órgãos estaduais de controle ambiental até então existentes,
principalmente à Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico e
Controle da Poluição – a Cetesb – do Estado de São Paulo e ao IES – Instituto
de Engenharia Sanitária. A ênfase dada por esses órgãos em medidas setoriais de
cunho eminentemente corretivo/repressivo fora considerada inadequada dentro de
uma perspectiva de se ver o meio ambiente de forma mais integrada e abrangente
[xi]. Nesse contexto, surgiu no Rio de Janeiro a Fundação Estadual de
Engenharia do Meio Ambiente (Feema).
Segundo
Paulo Gonzaga M. de Carvalho [xii], apesar da primeira administração da Feema
haver tentado esboçar algumas medidas nesse sentido, o que predominou na
primeira década de seu funcionamento (1975-85) foi uma política de controles
administrativos. Essa política, como Carvalho ressalta, “apresentou sérios
problemas de concepção e implementação” [xiii]. No período, preponderava no
governo a visão de que existia a oposição entre desenvolvimento econômico e
proteção ambiental, o que relegou a um plano secundário a questão ambiental.
Nessa
época, abriu-se, ainda em plena ditadura, um espaço político para o surgimento
de um movimento ecológico pulverizado que atuava em torno de questões locais
nas principais regiões do país. Tais movimentos, de acordo com Bressan Jr.
[xiv], tiveram mais liberdade no contexto autoritário, por não terem, em suas
raízes, vinculação aparentemente direta com os demais movimentos políticos da
época, divididos entre direita e esquerda. Apesar disso, no mesmo período,
grandes projetos [xv] previstos pelos Planos Nacionais de Desenvolvimento
(PNDs), baseados em forte endividamento externo, acabaram por destruir os
principais ecossistemas brasileiros [xvi].
Em
Agosto de
Poucos
anos depois da criação do Sisnama, o Presidente José Sarney (1985-89) deu
início à redefinição da política ambiental brasileira, através da
reestruturação dos órgãos públicos encarregados da questão ambiental. Através
do programa Nossa Natureza, foram unificados o Sudepe (pesca), o Sudhevea
(borracha), o IBDF (Desenvolvimento florestal) e a Sema (meio ambiente) em
torno de um único órgão federal: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais (Ibama).
No
cenário internacional, por sua vez, a partir da Convenção de Viena (1985), uma
nova ótica sobre a questão ambiental, agora preventiva, caracterizaria a década
de 1980. Seus principais objetivos eram o de proteger a saúde humana e o meio
ambiente contra os efeitos adversos possivelmente resultantes das atividades
que modificavam a camada de ozônio, tais como o aquecimento global, o
derretimento das calotas polares e a proliferação de doenças como o câncer de
pele. De acordo com este novo enfoque, o mecanismo de Avaliação de Impacto
Ambiental (AIA) – instrumento típico de prevenção – tornou-se uma condição a
ser cumprida para obtenção de concessões para implantação de projetos
possivelmente nocivos ao meio ambiente.
Essa
medida teve seus reflexos no Brasil através da Constituição Federal de 1988 na
qual se explicitava que a construção, instalação, ampliação e funcionamento de
estabelecimentos e atividades utilizadoras dos recursos ambientais,
considerados efetivos ou potencialmente poluidores, dependeriam de prévio
licenciamento por órgão estadual integrante do Sisnama sem prejuízo de outras licenças
exigíveis [xx].
O
decreto 99.274 de 1990, que regulamentou a Lei 6938/81 e suas modificações
posteriores, explicava o procedimento para o licenciamento ambiental [xxi],
prescrevendo que o prévio licenciamento de atividades e obras utilizadoras dos
recursos ambientais seria feito pelos devidos órgãos estaduais competentes –
incluindo o técnico e o político –, cabendo ao Conselho Nacional de Meio
Ambiente (Conama) fixar os critérios básicos exigidos para os Estudos de
Impacto Ambiental (EIA). Os Estudos de Impacto Ambiental e o Relatório de
Impacto Ambiental (EIA/RIMA), em cada caso específico, ficam a cargo do órgão
concessor da licença através do chamado Termo de Referência. Tais estudos são
conduzidos por profissionais habilitados, que respondem legalmente por seus
atos, embora não haja um sistema de acreditação e supervisão da qualidade de
seu trabalho.
Com
o avanço tecnológico da década de 1980, o aperfeiçoamento dos métodos de
diagnóstico dos problemas ambientais e o impulso observado pelo movimento
ecológico, a questão central voltou-se para a sobrevivência da espécie humana
no planeta. Assim, o debate que havia se centrado basicamente nos impactos
adversos que o meio ambiente sofria por causa do desenvolvimento deu origem a
uma nova questão: quais seriam as perspectivas de desenvolvimento a partir de
um meio ambiente degradado? Era preciso assim agir de forma responsável em
relação ao meio ambiente, de modo a garantir os recursos naturais necessários à
sobrevivência das futuras gerações.
Nascia a partir dessa idéia o conceito de Desenvolvimento Sustentável.
A
ótica preventiva da política ambiental dos anos 1980 cedia lugar a uma nova
ótica, agora integradora que passava a combinar os aspectos econômicos e
sociais com os ambientais, em busca tanto da preservação do meio ambiente, como
também de formas mais racionais de utilização dos recursos naturais com vistas
à preservação das gerações futuras. A pauta da política ambiental internacional
precisava, portanto, ser redefinida e o principal documento que representou
esses esforços foi o Relatório Bruntland – mais conhecido como Nosso Futuro
Comum – de 1987, através da iniciativa do Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (PNUMA).
Participaram
da confecção desse documento foros setoriais que promoveram a discussão de
problemas ambientais globais com a participação ativa de organizações
não-governamentais internacionais. Novos temas de política ambiental foram
assim redefinidos no mundo e a necessidade de um novo pacto entre as nações
geraria uma nova conferência internacional, a Unced-92 (Conferencia das Nações
Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento), conhecida como Eco-92,
realizada no Rio de Janeiro, Brasil.
A
Eco-92 foi uma tentativa de reunir representantes de todos os países do mundo
para discutir e divulgar a nova concepção de Desenvolvimento Sustentável que
estava em voga, a partir da publicação do Relatório Brundtland. Esse evento
significou para o Brasil ter que enfrentar a crise ambiental e ao mesmo tempo
retomar o desenvolvimento, fortalecendo a democracia e a estabilidade da
economia. O problema do desenvolvimento deveria ser finalmente resolvido sob
uma ótica ambiental e socialmente sustentável.
O
período pré-Eco-92 foi farto de medidas emergenciais com vistas ao atendimento
da opinião pública internacional. Entre elas, podemos citar: bombardeio dos
campos de pouso dos garimpos, fechamento do poço de testes nucleares construído
na Serra do Cachimbo, demarcação do território Ianomâmi, entre outros [xxii]. A
preparação para a participação na Unced-92 através da elaboração do relatório
nacional para a definição das posições brasileiras pela Comissão
Interministerial de Meio Ambiente (Cima), coordenada pelo Itamarati (Ministério
das Relações Exteriores), foi um sinal significativo de que o tema meio
ambiente se tornava matéria importante da política externa do país. A Cima
coordenou representantes de 23 órgãos públicos para a elaboração do relatório
nacional com as posições do Brasil para a Unced-92. Foi criada a Secretaria do
Meio Ambiente da Presidência da República, transformada mais tarde em
Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Como
resultado das discussões do evento, o controle da poluição industrial e da
gestão do ambiente urbano foi priorizado como uma questão de cidadania local,
dos governos locais e do mercado de crédito e tecnologias. A água que bebemos,
o ar que respiramos, a contaminação dos alimentos que consumimos, o lixo e os
resíduos que produzimos, as áreas verdes e de recreação e lazer ou o silêncio
de que desfrutamos agora seriam problemas do mercado e da cidadania – a ser
provida pelos governos locais [xxiii].
A
Agenda XXI, principal documento resultante da Conferência, apresentou um rol de
programas que podem ser considerados instrumento fundamental para a elaboração
de políticas públicas em todos os níveis e que privilegiavam a iniciativa
local. Nela, questões como Desenvolvimento Sustentável, Biodiversidade,
Mudanças Climáticas, Águas (doces e oceanos) e Resíduos (tóxicos e nucleares)
tornavam-se problemas do planeta e da Humanidade e assumiam o novo centro da
temática ambiental, abordados em seus capítulos [xxiv]. A Agenda, no entanto,
não teve a força de lei das convenções e necessitava de cerca de 600 bilhões de
dólares anuais para ser implantada no mundo. Além disso, sofreu com o
denominador mínimo provocado pelo consenso exigido nos encontros
internacionais, o que tornou o texto muitas vezes vago, sem prazos, nem
compromissos.
Ao
longo dos anos 1990, o modelo de política ambiental executado no Brasil entrou
em crise. Por um lado, por não atender à nova pauta da política internacional
definida na Eco-92; por outro, por não atender às demandas de cidadania e de
consciência ambiental que se generalizava. Isso fez com que se evidenciasse, finalmente,
a necessidade de redefinição das opções de política ambiental e do próprio
papel do Estado brasileiro. A criação do Ibama não consolidou um modelo
institucional adaptado aos novos desafios. O próprio Ministério do Meio
Ambiente, segundo Celso Bredariol, “sempre viveu uma grande defasagem entre
prática e proposta de política ambiental” [xxv]. Segundo o MMA, a sua proposta
consiste em conceder “especial ênfase à inserção da dimensão ambiental nas
decisões de políticas públicas” e à “introdução da variável ambiental como
critério relevante nas decisões de política econômica e de financiamentos de
projetos pelas agências oficiais de desenvolvimento (...)” [xxvi].
Buscando
a adoção de uma política de co-responsabilidade e parceria através do diálogo,
do convencimento e da conscientização da sociedade para a prática de uma gestão
otimizada de seus recursos naturais, o MMA procurou também transferir, total ou
parcialmente, a Estados, Municípios, ONGs e outras entidades públicas e
privadas, o planejamento e a execução de políticas ambientais [xxvii]. No
entanto, segundo Hageman [xxviii], o MMA quase não dispõe de outros recursos, a
não ser os das agências multilaterais e, mesmo esses, de acordo com Freitas
[xxix], são de difícil utilização, tendo em vista fatores como a rigidez dos
financiadores, a pouca participação da sociedade, a morosidade dos projetos e a
necessidade de contrapartidas, entre outros.
Os
órgãos estaduais de meio ambiente, por sua vez, tiveram suas estruturas e bases
legislativas ampliadas, embora esteja se verificando paulatinamente a perda de
pessoal técnico, a degradação salarial e do atendimento ao público, a crescente
diminuição de participação nos orçamentos estaduais e da centralidade dos
respectivos papéis na gestão da política ambiental. O próprio Estado entrou em
crise e, dentro da política de reformas e ajustes (Estado Mínimo), ele vem se
debatendo entre propostas de privatização, desregulamentação e pressões para a
democratização.
A
Constituição de 1988 garante que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é
bem de uso comum do povo e cabe ao poder público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Exercendo a
competência de defender o meio ambiente conforme prevê a Constituição de 1988,
as prefeituras de grandes e médias cidades vêm procurando estruturar
secretarias, departamentos e conselhos de meio ambiente que possam atender às
denúncias e solicitações da população reclamante, assumindo, gradativamente, as
atribuições antes pertinentes aos órgãos estaduais de meio ambiente ou ao
Ibama.
Em
1998, foi aprovada a Lei de Crimes Ambientais no Brasil, uma das mais avançadas
do mundo. Condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente passaram
a ser punidas civil, administrativa e criminalmente. A Lei não trata apenas de
punições severas: ela incorpora métodos e possibilidades de não aplicação das
penas, desde que o infrator recupere o dano ou, de outra forma, pague sua
dívida à sociedade. Esperou-se com esta Lei que órgãos ambientais e Ministério
Público pudessem contar com um instrumento a mais que lhes garantiria agilidade
e eficácia na punição dos infratores do meio ambiente.
Em
2002, foi realizada em Johannsburg, África do Sul, a Conferência Ambiental Rio
+10. Essa conferência objetivou dar continuidade à discussão iniciada pela ECO-
Os
impactos da Conferencia Rio +10 na política ambiental brasileira e nas futuras
decisões dos países desenvolvidos em relação ao meio ambiente ainda são uma
incógnita. Para alguns participantes, pouco se avançou em relação à Eco-92,
realizada no Brasil há dez anos. Já os grupos ligados aos governos acreditam
ter havido progressos que devem ser comemorados. Representantes das
Organizações das Nações Unidas e funcionários governamentais ligados à questão
ambiental que participaram do encontro lembram que, embora modestos,
importantes avanços foram conquistados: definiram-se compromissos com relação à
ampliação do saneamento básico no mundo e a redução do desmatamento; iniciou-se
a restauração dos estoques pesqueiros, além de haver sido criado um novo
sistema de gerenciamento de produtos químicos. Também houve progressos em
relação ao combate à pobreza e, embora os Estados Unidos tenham mantido a
decisão de não assinar o Protocolo de Kyoto, Rússia e Canadá garantiram sua
adesão ao documento que estabelece o controle da emissão de gases poluentes na
atmosfera [xxxi].
Para
as organizações não-governamentais e os ambientalistas, no entanto, a
Conferência foi um fracasso. Na analise de Frank Guggenheim, diretor-executivo
do Greenpeace, a participação do Brasil na Rio + 10 foi marcada pela
contradição: o país calou-se sobre os novos projetos nacionais de hidrelétricas
e usinas nucleares, enquanto defendeu a meta mundial de 10% de energia
proveniente de fontes renováveis até 2010 [xxxii].
Em
conclusão, a política ambiental brasileira propriamente dita se desenvolveu de
forma tardia em relação às demais políticas setoriais do país e em função das
pressões externas dos países desenvolvidos. A Lei de Crimes Ambientais, por
exemplo, não chega a completar uma década de existência. Segundo Raquel Rigotto [xxxiii], se partirmos
de uma visão sócio-ambiental integradora das diferentes dimensões da relação
entre sociedade e natureza, devemos desenvolver uma compreensão ampla das
repercussões ambientais sobre a vida social, particularmente dos efeitos das
transformações ambientais sobre a saúde da população em geral.
No
entanto, não foi isso o que aconteceu no caso do Brasil desse último século. A
política ambiental brasileira não foi abordada, na prática, sob uma ótica
integrada às demais áreas com ela relacionadas, como as de saúde e de
saneamento, por exemplo. Essas áreas, que foram alvo de políticas setoriais
próprias, exercem e sofrem impactos extremamente visíveis sobre o meio
ambiente. Para se ter uma idéia, o lançamento de esgoto a céu aberto é, segundo
o IBGE, hoje, a degradação ambiental mais freqüente nas cidades brasileiras, o
que gera, por conseqüência, um impacto negativo na saúde coletiva,
especialmente a infantil.
A
política ambiental ideal seria aquela que incorporasse as diversas dimensões da
vida humana em sociedade, o que inclui as suas dimensões sociais, ambientais,
políticas e econômicas. O planejamento deve assim orientar-se em torno do
princípio de sustentabilidade, entendido aqui como o principio que fornece as
bases sólidas para um estilo de desenvolvimento humano que preserve a qualidade
de vida da espécie no planeta. A dimensão ambiental deve, por isso, integrar de
forma relevante a política de desenvolvimento das nações em geral. A adoção da
perspectiva ambiental significa reconhecer que todos os processos de ajuste
setorial e de crescimento estão condicionados pelo entorno biofísico local,
nacional e global. Deve, portanto, ser combinada com outras perspectivas
críticas baseadas na preocupação com os direitos humanos, com os valores da
autonomia nacional e da identidade cultural dos povos a que se referirem.
NOTAS:
[i]
Magrini, Alessandra. Gestão Ambiental. PPE/ COPPE/ UFRJ, 2001. (Apostila de
Curso)
[ii]
Goldemberg, José et Barbosa, L.M. “A legislação ambiental no Brasil e em São
Paulo” In: Revista Eco 21, Ano XIV, Edição 96, Novembro 2004.
[iii] Idem.
[iv]
Bredariol, Celso. Conflito ambiental e negociação para uma política local de
meio ambiente. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ; COPPE, 2001. p. 16
[v] Idem.
[vi]
Meadows, D.H. et alli. Limites do Crescimento. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972
[vii]
Meadows, D.H. et alli. Limites do Crescimento. São Paulo: Ed. Perspectiva,
1972.
[viii] Idem.
[ix]
Ferreira, L. C. A Questão Ambiental: Sustentabilidade e Políticas Públicas no
Brasil. São Paulo: Ed. Boitempo, 1998. p. 82
[x] Idem.
[xi]
Carvalho, P. G. “Meio Ambiente e Políticas Públicas: A FEEMA diante da Poluição
Industrial”. In: Pádua, J. et al. (org.) Ecologia e Política no Brasil. Rio de
janeiro: IUPERJ, 1987. p 206
[xii]
Carvalho, P. G. “Meio Ambiente e Políticas Públicas: A FEEMA diante da Poluição
Industrial”. In: Pádua, J. et al. (org.) Ecologia e Política no Brasil. Rio de
janeiro: IUPERJ, 1987. p 206
[xiii] Idem.
[xiv] Apud Celso Bredariol, Op.Cit. p. 18.
[xv]
Exemplos de projetos: Grandes Carajás, Cerrados, Corredores de exportação,
Colonização, Programa 2010 da Eletrobrás e Programa Nuclear, entre outros.
[xvi] Bredariol, C. Op.Cit. p. 19
[xvii]
FEEMA, 1992. Apud Bredariol, C. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, 1999. p 18
[xviii]
Lei federal 6.938/ 81, artigo 9, incisos III e IV.
[xix] CF
1988, artigo 225, § 1º, IV
[xx]
Decreto 99.274/90, artigo 10
[xxi]
Decreto 99.274/90, artigos
[xxii] Bredariol, C. Op.Cit. p. 20
[xxiii] Idem.
[xxiv] Ibidem,
p.21
[xxv]
Bredariol, C. Op. Cit. p.31
[xxvi]
Disponível em <www.mma.gov.br>. Acesso em Dezembro de 1999
[xxvii]
Bredariol, C. Op. Cit. p.32
[xxviii] Apud Bredariol, C.Op. Cit. p.32
[xxix] Idem.
[xxx] Goldemberg, José et Barbosa, L.M. Op.Cit.
[xxxi] American Chamber of Commerce for
[xxxii] Idem.
[xxxiii]
Rigotto, Raquel. “Mecanismos Regulatórios da Relação Indústria e Meio
Ambiente”. In: Revista eletrônica da Associação Brasileira para o
Desenvolvimento de Lideranças. Disponível em: <www.abdl.org.br>,
publicado em 30/11/ 2002.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
BAUMANN, Z. Modernidade e
Ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999
BREDARIOL, Celso. Conflito
ambiental e negociação para uma política local de meio ambiente. Tese de
doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ; COPPE, 2001
CARVALHO, P. G. “Meio
Ambiente e Políticas Públicas: A FEEMA diante da Poluição Industrial”. In:
PÁDUA, J. et al. (org.) Ecologia e Política no Brasil. Rio de janeiro: IUPERJ,
1987.
Constituição da República
Federativa do Brasil, 05/10/1988.
Decreto 9.274, 06/06/1990
FERREIRA, L. C. A Questão
Ambiental: Sustentabilidade e Políticas Públicas no Brasil. São Paulo:Ed.
Boitempo, 1998.
GOLDENBERG, José et
BARBOSA, L.M. “A legislação ambiental no Brasil e em São Paulo” In: Revista Eco
21, Ano XIV, Edição 96, Novembro 2004.
Lei federal 6.938,
31/08/1981.
MAGRINI, Alessandra.
Gestão Ambiental. PPE/ COPPE/ UFRJ, 2001. (Apostila de Curso)
MEADOWS, D.H. et alli. Limites do
Crescimento. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972.
Internet:
AMERICAN CHAMBER OF COMMERCE FOR
RIGOTTO, Raquel.
“Mecanismos Regulatórios da Relação Indústria e Meio Ambiente”. Revista
eletrônica da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças.
Disponível em: www.abdl.org.br, publicado
em Novembro de 2002. Acesso em maio de 2005.
Ministério do Meio
Ambiente. Disponível em: www.mma.gov.br.
Acesso em Dezembro de 1999.
IBGE. Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em Julho de 2005.
* A
autora é Historiadora e Mestre em Ciência Política pelo PPGCP/IFCS/UFRJ.