LA INSÍGNIA
29 de agosto
de 2005
http://www.lainsignia.org/2005/agosto/cyt_001.htm
Mais
experimentos no pátio da escola
Felipe A.
P. L. Costa (*)
La Insignia. Brasil,
agosto de 2005.
Em artigos anteriores
[1], apresentei dois exemplos de atividades práticas (dinâmicas e não-invasivas)
que o professor de Ciências no Ensino Fundamental pode facilmente conduzir com
seus alunos, mesmo sem sair dos domínios da escola. Apresento aqui três exemplos
adicionais. No que diz respeito aos materiais utilizados nos experimentos,
procurei manter a simplicidade das vezes anteriores; em um dos casos, porém,
será necessário ter acesso a uma balança.
A primeira atividade é uma
sugestão de como calcular a quantidade de água que há no solo. Como o pátio ou o
quintal da escola raramente abriga a heterogeneidade de terreno propícia para
essa atividade, seria oportuno explorar a vizinhança em busca de um local mais
apropriado. Esse tipo de circunstância pode representar uma chance de
aproximação do trabalho escolar com os problemas da vizinhança ou mesmo do
bairro onde a escola está situada. Em termos pedagógicos, o tema e a metodologia
empregada nessa primeira atividade podem ser explorados como um elo entre
Ciências e outras disciplinas curriculares, notadamente a Geografia (solos da
região, influência do relevo na configuração de bacias hidrográficas, a noção de
lençol freático etc.) e a Matemática (operações fundamentais, geometria do
buraco escavado, confecção de gráficos etc.).
A segunda atividade cabe
com mais facilidade nos domínios da escola. Nada impede, porém, que o professor
leve a turma para uma praça ou um terreno nas vizinhanças. O importante é a
presença de vegetação e que as iscas permaneçam na sombra. A terceira atividade
pode facilmente ser conduzida dentro dos domínios da escola; para isso,
precisamos apenas de um lugar seguro para guardar o equipamento. Nesse terceiro
e último caso, temos uma atividade em moldes mais propriamente experimentais:
montamos situações alternativas, diferindo apenas em um detalhe (claro versus
escuro), e "perguntamos" qual delas os organismos sob estudo preferem. O
comentário metodológico que faço, envolvendo o ensacamento das garrafas, lida
com um fantasma que assombra toda e qualquer pesquisa científica experimental:
eliminar a ação de fatores indesejáveis.
Por fim, um lembrete para
quem após a leitura quiser ir ao campo: nenhuma atividade pedagógica ao ar livre
deveria ser conduzida sem as devidas medidas de segurança, particularmente no
que se refere aos perigos de insolação. Nesse caso, uma sugestão de vestuário
para os alunos (meninas e meninos) seria a seguinte: bonés ou chapéus
(indispensável), camisa e calça compridas, um par de meias e sapatos fechados.
(Nada de bermuda, camiseta sem manga, chinelos ou sapatos abertos.)
Qual a
quantidade de água que há no solo?
Nessa primeira atividade,
vamos ver como é possível descobrir a quantidade de água que há em amostras de
solo. Para isso, vamos precisar dos seguintes equipamentos: cavadeira, régua (30
cm), caneta de retroprojetor, pares de sacos plásticos transparentes (sacos
vazios de 5 kg de arroz ou de açúcar, por exemplo) e anéis plásticos, desses
usados para fechar embalagens. Será necessário ainda ter acesso a uma balança,
que pese até centésimos de quilo (0,01 kg) [2].
Procedimentos. Em primeiro
lugar, precisamos escolher os pontos de onde serão retiradas amostras de solo
para comparação. Em cada ponto de coleta, deve ser escavado um buraco com cerca
de 15 cm de diâmetro por 30 cm de profundidade. Esses pontos devem estar
situados em locais que apresentem diferenças mais ou menos óbvias no tipo de
solo (argiloso ou arenoso), na altitude (topo e base de uma colina) ou na
distância em relação a um corpo d'água. Escolhidos os pontos, vamos primeiro
remover os materiais (folhas secas, gravetos etc.) que estiverem na superfície
do solo. Em seguida, iniciamos a perfuração do buraco, ignorando a terra
retirada dos primeiros 5 cm; a terra removida abaixo dessa profundidade deve ir
sendo colocada dentro de um saco plástico. Ao final, fechar bem o saco e
numerá-lo (Ponto 1, Ponto 2 etc.), não esquecendo de despejar de volta os
primeiros 5 cm de terra que foram retirados do buraco. Repetir o procedimento
nos outros pontos. Em tempo, no caso de crianças pequenas, a escavação deveria
ser feita apenas por um adulto; no caso de crianças maiores, um adulto deveria
ao menos monitorar o trabalho de escavação.
Ao término das coletas,
levar as amostras até o local onde serão pesadas. Antes de pesá-las, porém,
coloque cada uma delas em um segundo saco plástico, idêntico ao primeiro. (Entre
outras coisas, isso evita sujar a balança.) Anotar os resultados. Em seguida,
levar as amostras para um canto seco e ensolarado da escola, onde deverão ser
reabertos e postos para secar sob insolação direta. No dia seguinte, fechar os
sacos e levá-los novamente para a pesagem [3]. Retornar com os sacos para o
canto de secagem, tomando o cuidado de misturar bem o conteúdo antes de abri-los
novamente, de tal modo que as porções de terra que estiverem no fundo sejam
expostas à insolação direta. Nos dias subseqüentes, repetir o procedimento até
que o peso de cada saco pare de diminuir. (Pode ocorrer de uma das amostras
parar de perder peso primeiro.)
Comentários. Nesse
experimento, aproveitamos a energia solar para secar as amostras de terra [4].
Na primeira pesagem, antes de expor as amostras à insolação direta, o valor
obtido representa o chamado peso bruto (PB). Com o passar dos dias, a terra vai
perdendo água (graças principalmente à insolação) e o peso das amostras,
conseqüentemente, vai diminuindo até chegar a um ponto em que não haverá mais
água livre para ser perdida. (Dependendo da época do ano, esse processo deve
demorar de uma a duas semanas.) Quando o peso pára de diminuir é sinal de que
chegamos ao peso seco (PS) da amostra. A diferença entre peso bruto e peso seco
(PB - PS) indica a quantidade de água que havia em cada amostra no início do
experimento. Podemos repetir essa atividade ao longo do ano, investigando o que
ocorre com a quantidade de água no solo em diferentes estações (estação seca
versus estação chuvosa, por exemplo). Ao final do experimento, não esquecer de
devolver a terra para o lugar de onde ela foi retirada.
Do que
as formigas se alimentam?
Formigas estão em toda a
parte. Ao contrário do que possa parecer, no entanto, a grande maioria delas não
se alimenta de tecidos vegetais (folhas, flores etc.). O hábito de cortar folhas
e flores para consumo está restrito a um número relativamente reduzido de
espécies, as chamadas cortadeiras (saúvas e quenquéns). Mesmo as formigas
cortadeiras, porém, não se alimentam diretamente das folhas que cortam; elas
apenas utilizam o material vegetal como substrato para cultivar certos fungos em
câmaras especiais dentro do formigueiro, dos quais então se alimentam.
Se formigas não saem por
aí, comendo de tudo, nem são consumidoras vorazes de tecidos vegetais, do que
então elas se alimentam? Como poderíamos investigar as preferências alimentares
desses insetos tão comuns? A resposta exata varia de acordo com a espécie de
formiga [5], mas o experimento descrito a seguir nos dá oportunidade de obter um
panorama geral da situação.
Para conduzir o
experimento, vamos precisar dos seguintes materiais: recipientes rasos e
impermeáveis (30 cm de diâmetro), como tampas de potes plásticos, caneta de
retroprojetor, relógio e amostras dos itens a serem pesquisados, como pedaços de
capim, casca de laranja, pétalas de flores e sardinha. Essa lista de itens pode
ir sendo alterada, de modo a incluir outros materiais, como casca de outras
frutas e carne de outros animais (e.g., ossos de galinha ainda com cartilagens e
restos de músculos). Além disso, dependendo da opinião geral dos alunos - alguns
podem argumentar que formigas "comem de tudo" -, materiais estranhos, que
habitualmente são manipulados por formigas, mas que para elas não representam
itens alimentares, como gravetos, palha seca e areia, também poderiam ser
testados.
Procedimentos. A turma pode
ser dividida em grupos, cada grupo (4-5 alunos) ficando responsável por um
experimento. Dividir com a caneta o recipiente plástico em quatro setores iguais
(ver figura), de tal modo que quatro itens diferentes possam ser testados ao
mesmo tempo. No centro de cada setor, colocar uma pequena amostra de cada um dos
itens a serem investigados. Por exemplo, casca de laranja em um, capim no
segundo, pétalas no terceiro e pedaços de sardinha no quarto. Em seguida, cada
grupo deve colocar seu experimento (i.e., o recipiente com as quatro amostras a
serem testadas) em um local sombreado dentro da escola. Os integrantes do grupo
devem guardar um certa distância, mas prestando atenção e tomando nota do que
ocorre no intervalo de tempo a seguir (digamos, nos 10 minutos seguintes).
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Transcorrido o intervalo
pré-estabelecido, as anotações feitas deveriam permitir que cada grupo de alunos
fosse capaz de responder às seguintes perguntas: (1) Quanto tempo demorou até a
chegada da primeira formiga? (2) Ao final, quantas formigas comeram cada uma das
amostras (casca de laranja, pedaços de capim, pétalas, sardinha)? (3) As mesmas
formigas consumiram mais de um item alimentar ou diferentes formigas consumiram
itens diferentes? (4) No caso de um ou outro item ter sido mais consumido, houve
alguma evidência de que as formigas disputam entre si o acesso a esses itens
preferidos?
Ao final da atividade,
qualquer que tenha sido o item mais ou menos consumido, os alunos deveriam
perceber que as formigas são animais relativamente seletivos em seus hábitos
alimentares. Quer dizer, nem mesmo as temidas saúvas, que "comem de tudo", saem
por aí, atacando qualquer tipo de planta.
Animais
escolhem onde viver?
Já sabemos que o
comportamento alimentar dos animais contém um certo grau de seletividade;
restaria saber se eles também são capazes de escolher o lugar onde vivem. Quer
dizer, será que os animais vivem onde vivem simplesmente porque foram levados
até lá por alguma força externa (ventos ou correntes de água, por exemplo)? Ou
eles, ao contrário, seriam capazes de escolher deliberadamente certos hábitats,
em detrimento de outros? No experimento a seguir, vamos investigar se
determinados animais são ou não são capazes de selecionar o lugar onde vivem. Em
termos mais técnicos, esse assunto é rotulado pelos especialistas como um caso
de "seleção de hábitat" [6].
Para conduzir o
experimento, vamos precisar de um par de recipientes para abrigar os animais sob
estudo. Se os animais forem diminutos, podemos empregar recipientes igualmente
pequenos. Um animal pequeno que se presta muito bem a esse tipo de experimento é
o tatuzinho de jardim. Nesse caso, precisaríamos então dos seguintes materiais
(para cada grupo de alunos): duas garrafas de plástico transparente (2 litros),
sem tampa; barbante ou fita adesiva; dois sacos plásticos (um transparente e o
outro, preto); um pouco de terra, gravetos e folhas secas; tatuzinhos de jardim
(6-8 tatuzinhos para cada par de garrafas).
Procedimentos. Colocar um
pouco de terra dentro das garrafas, de modo que, fixando-as depois em posição
horizontal, a terra seja suficiente para cobrir o fundo das garrafas. Em
seguida, acrescentar alguns gravetos, pedaços de folhas e metade do número de
tatuzinhos em cada uma das garrafas. Unir as duas garrafas pelo bico,
mantendo-as presas com o barbante. Cobrir uma das garrafas com o saco plástico
transparente e a outra, com o saco preto; amarrar os sacos no bico das garrafas,
reforçando a "ponte" entre as duas [7]. Ao final da montagem, verificar que cada
garrafa tenha ficado exatamente com a metade do número de tatuzinhos e que a
passagem pelo bico entre as duas esteja desimpedida. Manter as garrafas em um
lugar claro, mas sem receber insolação direta.
No dia seguinte, cada grupo
deve reexaminar o conteúdo de suas respectivas garrafas (para isso, claro, será
necessário remover os sacos plásticos que recobrem as garrafas). Registrar as
observações, respondendo às seguinte perguntas: (1) Os tatuzinhos continuam
vivos e ativos? (2) As duas garrafas continuam abrigando o mesmo número de
tatuzinhos ou um delas tem mais tatuzinhos do que a outra? (3) Neste último
caso, o que será que ocorreu para que uma das garrafas ganhasse
tatuzinhos?
Vale lembrar que tatuzinhos
de jardim são animais que vivem em lugares úmidos e sombreados; por isso, o
resultado esperado é que a maioria ou mesmo todos eles migrem (utilizando para
isso suas próprias pernas) para a garrafa escura. Ao final do experimento, não
esquecer de devolver os tatuzinhos para o lugar de onde eles foram
retirados.
Notas
(*) Biólogo
meiterer@hotmail.com, autor do livro ECOLOGIA, EVOLUÇÃO & O VALOR DS
PEQUENAS COISAS (2003).
1. Ver
artigos Ciências no
pátio da escola e Estudando comunidades de
formigas.
2. Pode ser uma balança de mercearia ou uma balança de
farmácia, usada para pesar seres humanos. Em todo caso, se a balança estiver
fora da escola, o professor deve conversar antes com o proprietário, explicando
o tipo de atividade que será conduzido pelos alunos.
3. O indicado seria que
a mesma balança fosse usada ao longo de todo o experimento, evitando assim
distorções ou erros nas pesagens por diferenças de calibragem entre balanças
diferentes. Se isso não for possível, uma alternativa seria "calibrarmos" as
balanças antes das sessões de pesagem, usando um objeto de peso
conhecido.
4. Uma
alternativa cara e dispendiosa envolveria o uso de uma estufa elétrica para
secar mais rapidamente as amostras; nesse caso, evidentemente, os sacos
plásticos não poderiam ir para dentro das estufas.
5. Em linhas gerais, os
alunos talvez possam distinguir cada uma das espécies de formigas que vivem no
local pelo tamanho (formigas pequenas, médias ou grandes), cor (amarronzadas,
pretas, avermelhadas etc.) e aspecto geral do corpo (observar se as mandíbulas
são grandes, por exemplo, ou se o corpo é recoberto por muitos pêlos).
6.
Para um exemplo da sofisticação comportamental envolvida com a seleção de
hábitat, ver artigo Informação pública e
seleção de hábitat.
7. Estamos interessados em testar apenas o efeito do
sombreamento, por isso precisamos cobrir as duas garrafas com sacos plásticos.
Se colocássemos apenas um saco preto sobre uma das garrafas, deixado a outra
descoberta, um observador poderia argumentar (com razão) que o experimento foi
mal planejado, a ponto de não podermos discriminar entre eventuais efeitos do
ensacamento e do sombreamento.