Educação
Ambiental e formação de professores
Maria Esther
Pereira Flick
Disponível
em: http://www.cenedcursos.com.br/educacao-ambiental-e-formacao-de-professores.html
RESUMO
A escola é, de longe, o
lugar mais adequado para a inserção das práticas educacionais inerentes ao meio
ambiente. Um dos desempenhos mais respeitáveis da escola é sua força de influência
e transformação em relação a conceitos da comunidade em que está inserida. Nesse
contexto e, na temática ambiental, a escola oferece um impacto expressivo na
sociedade, através da sua mais fiel tradução: o trabalho dos profissionais em
educação, em função da abertura de caminhos de difusão com os alunos, que
permitam reflexões sobre o papel destes , como cidadãos
em relação ao meio ambiente. Este é o mister do professor: a responsabilidade
de acordar o aluno para o bom senso de descobrir dentro de si a autoconfiança e
potencialidade para o exercício de sua cidadania, desencadeando posturas e atuações
mediante as dificuldades socioambientais.
A soberania da ciência e
da tecnologia vem registrando avanços científicos, decididamente insólitos, no
decorrer da história da humanidade. Poder-se-á, entretanto, afirmar que os padrões
culturais impostos pela sociedade industrial contemporânea fazem com que se
conviva com o ameaçador fantasma da crise ambiental. A tecnologia e a ciência
conferiram benefícios para o homem, e, paradoxalmente, trouxeram
comprometimentos negativos e irreversíveis ao ambiente social e natural. Analisando
as três últimas décadas, constatar-se-á o agravamento
e distanciamento inexoráveis das diferenças sociais, políticas e ambientais em
relação aos contextos global e local.
O Século XX assistiu ao
mais vigoroso avanço tecnológico de todos os tempos e, concomitantemente, às
mais selvagens agressões ao meio ambiente, já que, em nome do desenvolvimento,
os impactos ambientais não foram dimensionados, bem como a “certeza” da infinitude dos recursos naturais. O planeta foi testemunha
e vítima de mudanças climáticas, hidrográficas e biológicas - em sua maioria em
função de sua própria evolução. Desta vez, é diferente. O agente modificador é,
eminentemente, o ser humano. A assertiva de que os problemas ambientais da
atualidade são oriundos de fatores culturais, políticos e socioeconômicos são
incontinentes. Em decorrência desses aspectos, demandas sociais e ambientais têm
sido ostensivamente preteridas sob a égide dos preceitos econômicos e políticos,
os quais deram origem a uma sociedade tecnológica e cientificamente avançada,
enquanto os benefícios advindos desses avanços são distribuídos para poucos e,
com o ônus desse processo socializado por toda a sociedade planetária,
envolvendo todos os atores sociais em uma intrincada teia de aranha. Os
impactos ambientais no cotidiano do planeta têm sido imensuráveis, desvirtuando
– implacavelmente, a qualidade de vida das sociedades, provocando insegurança,
questionamentos e críticas aos modelos de desenvolvimento socioeconômicos
adotados pelos homens. Nessa conjuntura a Educação Ambiental tem papel
preponderante, tanto em relação às propostas de gestão educacional e do meio
ambiente, quanto em políticas públicas e conhecimentos inerentes à temática, na
releitura, no repensar das atitudes de ordem e valores individuais e coletivas.
1. EDUCAÇÃO AMBIENTAL
À Educação ambiental foi
legado o mister de ser agente transformador da sociedade e, à escola – como
instituição responsável pela formação de cidadãos, a incumbência de desenvolver
dispositivos em função dos valores, dos conhecimentos, os quais dão embasamento
à formação e transformação das pessoas. Dentre todas as áreas da educação
nenhuma tem uma convocação tão urgente, tão intensamente globalizadora
quanto a Educação Ambiental. Singular em seu perfil integrador e catalisador de
tantos outros arcos do saber, emana efeitos
desastrosos quando a dinâmica do seu objetivo é inócuo. Efeitos esses, que
desprovidos de qualquer eufemismo, aliados à falta de consciência crítica da
sociedade, superdimensionam os problemas ambientais e
seus segmentos: econômicos, políticos, tecnológicos, científicos e socioculturais.
Segundo Reigota (1994), é consenso entre a comunidade internacional
que Educação Ambiental deve estar presente em todos os espaços que dotam os
cidadãos de aprendizado – formal, não formal ou informal. Neste contexto, a
escola, como responsável pela formação integral de cidadãos tem o dever social
de desenvolver sistemas de conhecimentos, preceitos e valores que construam a
conduta e fundamentem o comportamento próprio de proteção do meio ambiente. Na
comunidade escolar a reflexão compartilhada, conjugada, traceja e esclarece o
papel de cada ator social nos trabalhos com o meio ambiente. A escola é de
longe, o ambiente ideal para se trabalhar conteúdos e metodologias adequadas a
esses propósitos. Com obviedade, a escola e a Educação Ambiental – isoladamente,
não trarão soluções para a complexidade que se revestem os problemas socioambientais do planeta, entretanto, o convívio escolar
exerce, decididamente, influência nas práticas cognitivas, bem como na formação
de um novo sujeito social: redefinindo a relação das pessoas na conjuntura cultural/ambiental, se traduzindo no ponto de equilíbrio,
de interligação na busca do convívio coesivo entre o homem e o meio ambiente,
redimensionando o comportamento humano em relação ao planeta – nas formas local
e global.
Reigota (1994) é categórico quando afirma ser a escola o
local privilegiado para a realização da Educação Ambiental – desde que se dê oportunidade
à criatividade... E assim deve ser: o aprendizado poderá ser ministrado nos
parques, reservas ecológicas, associações de bairros, universidades,
sindicatos, meios de comunicação de massa, mas, nenhum espaço – na opinião do
autor, é tão perfeito quanto a escola.
A forma holística pela
qual deveria ser tratada a Educação Ambiental fica relegada ou, ainda não foi
adotada, pela escola e pelos educadores ambientais. É público e notório que a
Educação Ambiental é – timidamente, desenvolvida nas escolas, estando na
maioria das vezes ausente das práticas adotadas pelos educadores, não obstante
algumas atividades pontuais sejam propostas inerentes “à preservação do ambiente”.
A Educação Ambiental é um tema não-definido e desordenado dentro dos conteúdos
programáticos escolares, com ações isoladas. Verifica-se um projeto tênue aqui,
outro ali, envolvendo os alunos – muitas vezes, apenas para complementação de
carga horária. Atividades esporádicas: realização de reciclagem de lixo,
abordando a economia da água, da energia, enfim, ações fragmentadas e diluídas
dentro dos currículos escolares, em detrimento de programas amplos e integrados
às diversas disciplinas curriculares e seus conteúdos programáticos.
De acordo com Dias (1992,
p. 26) [...] tratar a questão ambiental abordando apenas um de seus aspectos – o
ecológico – seria praticar o mais ingênuo e primário reducionismo. Seria adotar
o verde pelo verde, o ecologismo, o desconsiderar de
forma lamentável as raízes profundas das nossas mazelas ambientais, situadas
nos modelos de desenvolvimento [...]. Os currículos escolares abordam incontáveis
conteúdos que tratam sobre ecologia, sumamente importantes para o desenvolvimento
social, intelectual e cultural dos alunos, porém, igualmente, tratados de forma
fracionada, fragmentada, que não fazem relação com a realidade dos alunos e de
maneira pouco atrativa, não sendo relacionados com as questões ambientais,
enfatizando – apenas, questões muito mais conceituais e dogmáticas.
Muitos educadores, “preocupados”
com os problemas ambientais, levam para sala de aula conteúdos voltados para
uma consciência conservacionista, e, portanto, que
abordam aspectos meramente naturalistas, conceituando o espaço natural fora do
meio humano. Uma maneira simplista, com ações educacionais direcionadas de
forma restrita de defesa do espaço natural.Sintetizando: a análise feita sobre
a Educação Ambiental vem sendo desenvolvida através de algumas disciplinas – como
já relatado, de forma inconsistente e conservacionista
e que tem (na maioria das instituições educacionais) o “dia do meio ambiente” o
seu ponto culminante, pretexto para se comemorar e lembrar do ato de educar em
função da consciência ambiental, e, no decorrer do calendário escolar se esquecem de que a escola e seus educadores têm o dever de
elaborar projetos pedagógicos conectados e coerentes, de forma que sejam
funcionais a qualquer programa que tenha como fim a Educação Ambiental.
3. OS NOVOS RUMOS DA
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
A Educação Ambiental ainda
se encontra densamente relacionada somente com a Ecologia. Ledo engano. Trabalham-se
nas comunidades escolares com conteúdos programáticos complicados de serem
ministrados em sala de aula: demasiadamente “cientificados” através de
disciplinas. Urge a formação de gerações ambientalmente competentes, éticas, críticas,
reflexivas, observadoras. Formação de gerações preparadas para questionarem,
elegerem, conduzirem práticas solidárias e comprometidas com a qualidade de
vida do planeta através da consciência ambiental – em toda acepção da palavra. O
advento e integração da Educação Ambiental na escola só se tornarão possíveis
fundamentados em ações pontuais capazes de se adequarem, de forma
sistêmica e racional, que atinjam os fins em relação às demandas, através
de contextos metodológicos de ensino. A Educação Ambiental precisa ter definida
o seu lugar nos parâmetros curriculares brasileiros, para dizer a que veio e o
que pretende: não somente se ocupar do ensino sobre a natureza, porém, para
educar “com” e “para” a natureza.
Dentro da nova ordem
mundial, o novo conceito educacional que se pretende desenvolver, propõe que a
escola deva ter um perfil – antes de tudo, moldado para uma aprendizado
cognitivo que enseje ações em prol do meio ambiente de forma individual e,
simultaneamente, de forma coletiva - redimensionando a relação entre os atores
sociais envolvidos na comunidade escolar, enfatizando – fundamentalmente o
papel do professor, que não obstante seja de coadjuvante neste inusitado
conceito de escola/ensino/aprendizagem para a formação
do novo ser socioambiental para o século XXI, se
torna a perfeita tradução do que indica Freire (1997, p. 28): O educador democrático
não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica
do educando, sua curiosidade, sua submissão. [...] percebe-se assim a importância
do papel do educador e a certeza de que faz parte de sua tarefa docente, não
apenas ensinar conteúdos, mas, também ensinar a pensar certo. A formação de
educadores, a necessidade e urgência que a envolve são fatores oriundos do
imediatismo inexorável das soluções para as questões ambientais. Na nova ordem
mundial faz-se mister uma formação para os profissionais de educação que não
seja, meramente, transplantada dos procedimentos convencionais de aprendizagem,
e que venha a travestir a Educação ambiental de uma visão equivocada.
Aos educadores cabem a responsabilidade de acordar o aluno para o bom senso de
descobrir dentro de si a autoconfiança e potencialidade para o exercício de sua
cidadania, desencadeando posturas e atuações mediante as dificuldades sócioambientais. Os ensinamentos e práticas pedagógicas
para os novos paradigmas da educação exigem conhecimentos metodológicos específicos,
bem como novas relações com os conteúdos holísticos.
A Educação Ambiental é originária
da necessidade de se contestar a crise da educação. É inquestionável que, algo
está fora da ordem no processo de formação dos cidadãos. Como formar cidadãos
atuantes e que façam valer seus direitos? Como educar para se ter audácia de
dar um basta aos processos que aviltram e degradam a
natureza e que superdimensionam a desigualdade entre
os atores sociais? E por outro lado: como capacitar um professor para assumir
essa postura? Algumas ações têm sido inseridas na formação de multiplicadores
em educação ambiental, porém, em inúmeras experiências vivenciadas, atestou-se a necessidade de investimentos estimáveis e de peso – por
parte de poderes públicos, no contexto sócioambiental
e seus gravíssimos problemas. Ao questionar profissionais de educação acerca de
fatores que obstaculizam a inclusão da Educação Ambiental e como transpô-los,
as respostas são diretas: “Não se sabe como fazê-lo.” Resposta
simplista, para problema essencialmente desafiador: como formar formadores.
A inclusão da Educação
Ambiental nos currículos escolares, as práticas pedagógicas correspondentes, vêm esbarrando na falta de identificação de conteúdos
apropriados, estratégias educacionais mais dinâmicas, eficazmente lúdicas e de
socialização mais interessante. Vêm sendo estranguladas pelas classes multisseriadas; pelo enorme abismo que separa o interesse
do professor pela introdução de práticas pedagógicas correlatas com o meio
ambiente; enfim, inviabilizadas pelas salas de aula sem carteiras, sem paredes,
sem portas... questões anatematizadas da própria educação
brasileira.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O educador, enquanto
profissional da educação, no exercício da sua função tem um grande desafio para
o Século XXI: a formação da consciência ambiental dos alunos e, no
desenvolvimento e exercício da sua cidadania, através
da transformação dos próprios paradigmas e conceitos, de uma escola formadora e
transformadora – onde os conceitos se desenvolvam através do trabalho escolar.As
comunidades escolares em que os profissionais adotem práticas e abracem ações
tradicionais e conservadoras de ensino, que não têm como foco essencial as amplas questões ambientais, que não se acercam sobre
considerações do meio ambiente e apresentem sugestões didáticas praticáveis nas
séries iniciais do ensino fundamental – propícias à formação e desenvolvimento
da consciência ambiental de crianças e adolescentes, não estarão preparadas
para os desafios inerentes ao modelo de ensino que a dimensão ambiental reclama.Nessa
conjunção, a relação aluno/professor é redefinida em
função dos conhecimentos característicos dos profissionais de educação e o novo
perfil didático-pedagógico que deverá ser imprimido
por esses ensinamentos.
Para Weid
(1977, p. 84), “é preciso intervir em processos de capacitação que permitam ao
professor embasar seu trabalho com conceitos sólidos, para que as ações não
fiquem isoladas e/ou distantes dos princípios da
Educação Ambiental.”
Ou seja, o profissional de
educação que se capacite em Educação Ambiental, pressupostamente,
deve ser capaz de aplicar práticas sóciopedagógicas,
não só no seu ambiente escolar, mas, em qualquer segmento da sociedade, com o
escopo que se estabelece na temática ambiental.No ensino fundamental, as
habilitações dos professores são oriundas das secretarias, as quais desenvolvem
projetos relativos aos procedimentos pedagógicos – metodologias, relação aluno/professor, conteúdos programáticos desenvolvidos,
correlação estabelecida com outras áreas de conhecimento, dentre outras
atividades. Requer formação continuada, bem como um projeto pedagógico
altamente delineado. Todavia, o formato como os currículos são oferecidos,
ainda não permitem uma maneira flexível para que os profissionais possam
implementar a dimensão ambiental em sua aulas. É,
essencialmente, importante observar que, os profissionais em exercício,
normalmente, trazem uma formação tradicional, clássica
– contexto em que detêm conhecimento e que o aluno é um mero espectador.
Acatado como o “pai da
Educação Ambiental”, o escocês Patrick Geddes (1933), já divergia da metodologia utilizada pelas
unidades escolares, em que os alunos eram reportados do seu ambiente natural,
para um mundo de conhecimentos “deslinkados” e
fragmentados de sua realidade. Esta intervenção ainda traduz a realidade
vivenciada através das metodologias de aprendizagem da atualidade, valendo
observar que, o caráter que se reveste esse estilo de capacitação dever-se-á tornar
indispensável uma reformulação metodológica, conceitual e
curricular.
Autores como Pelicioni e Philippi Jr. (2005),
salientam que “não existe Educação Ambiental se ela não se efetivar na prática,
na vida, a partir das necessidades sentidas”.
Sabe-se que, o bom mestre é
aquele que provoca questionamentos – muito mais do que aquele que municia os
alunos de respostas. Docentes com essa postura embotada tendem a se diluir em
sua própria mediocridade, dando lugar a educadores que inquietam, que aguçam,
que estimulam o imaginário ambientalista dos alunos, levando-os
reflexões que proporcionem a edificação e consolidação de respostas para
os conflitos socioambientais do nosso planeta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OLIVEIRA,
Flávia de Paiva de Medeiros de; GUIMARÃES, Flávio
Romero. Direito, meio ambiente e cidadania: uma abordagem
interdisciplinar. São Paulo: Medras, 2004.
PELICIONI,
Maria Cecília Focesi; PHILIPPI Jr., Arlindo. Educação
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PENTEADO,
Heloísa Dupas. Meio ambiente e formação de
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PHILIPPI
JR., Arlindo et al. Curso de gestão ambiental.
Barueri, SP: Manole, 2004.
PHILIPPI
JR., Arlindo et al. Educação ambiental:
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REIGOTA,
Marcos. O que é educação ambiental. São Paulo: Brasiliense, 2006.
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Marcelo de Queiroz. Vivências integradas com o meio ambiente. São Paulo:
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