JORNAL DA UNICAMP
Campinas,
ANO XXVI - Nº 520
A
chave da diversidade: Banco de dados reúne informações sobre espécies arbóreas
da floresta pluvial atlântica
Por
Isabel Gardenal
Ainda persistiam alguns
pontos obscuros sobre o conhecimento da floresta pluvial atlântica que, em
grande parte, foram desvendados pela ecóloga Roberta Macedo
Cerqueira em sua tese de doutorado, defendida no Instituto de Biologia (IB). Ela
descobriu que não a chuva e sim variáveis espaciais como altitude, latitude e
longitude foram os únicos fatores a influenciar na maior ou menor diversidade
das espécies arbóreas. Conforme aumentava a altitude na floresta pluvial, a
diversidade aumentava. Quando diminuía a latitude, a diversidade também diminuía,
o mesmo ocorrendo com a longitude, observa a pesquisadora.
Ao relacionar os valores
de diversidade de cada fragmento com algumas variáveis ambientais como chuva,
umidade, temperatura, altitude e latitude, Roberta verificou qual delas estava
associada ao aumento ou diminuição da diversidade. Ela julgava que a precipitação
fosse, talvez, o principal fator. Não foi.Entre os achados da doutoranda, ficou
claro que a região Sudeste tinha a maior diversidade de espécies arbóreas da
floresta pluvial atlântica. Particularmente o Espírito Santo e o Rio de Janeiro
foram os locais com as manchas de vegetação que possuíam a maior riqueza e
diversidade, a priori presentes na bacia do Rio Doce, no Estado do Espírito
Santo. As áreas com as menores diversidades estavam na região Sul como um todo,
sobretudo no Paraná, ao redor dos 25o de latitude.
Essas conclusões foram
possíveis graças a um banco de dados gerado por Roberta,
reunindo informações a respeito de espécies arbóreas em um levantamento
efetuado do Nordeste ao Rio Grande do Sul, que inclui toda a região de ocorrência
da floresta pluvial atlântica. Esta base retratou o período de
Segundo a ecóloga, há anos os alunos do professor Fernando vêm
desempenhando a meticulosa tarefa de montar um banco de dados dessas formações arbóreas,
cada qual avaliando um período. A maior parte dos dados, conta ela, foi
coletada por Veridiana Vizoni
Scudeller, abrangendo os anos de
O levantamento de Roberta
incluiu o nome das espécies, a localidade (onde cada espécie ocorria) e a
quantidade de indivíduos de cada espécie. Muitas vezes, expõe a ecóloga, o que se sabe a respeito das florestas são fatos
mais pontuais, como o estudo da Mata Atlântica, em São Paulo, por exemplo. Mas
o que está acontecendo nas florestas como um todo? A sua ideia,
conta, era ver o estado da arte acerca da floresta pluvial atlântica em toda
sua área de extensão, por isso o valor desse banco de dados.
Tarefa
O que a ecóloga fez foi calcular o índice de heterogeneidade de Shannon, uma das medidas de diversidade mais usadas no
mundo. Ela calculou a diversidade em cada uma das amostras (diversidade alfa) e
também para toda a floresta pluvial atlântica (diversidade beta). Os valores da
diversidade alfa permitiram investigar como variáveis do clima e do espaço
poderiam influir na variação da diversidade em cada local. Os valores da
diversidade beta permitiram investigar a contribuição de cada gênero ou família
para a diversidade total da floresta pluvial atlântica.
Esse trabalho possibilitou
também encontrar as regiões brasileiras ou Estados que possuíssem
a maior diversidade de espécies arbóreas. O resultado foi que os maiores
valores de diversidade alfa ocorrem na região central da floresta estudada (entre
o norte do Estado de São Paulo e o sul da Bahia) e diminuem tanto em direção ao
nordeste quanto em direção ao sul.
A ausência de resposta da
diversidade alfa às variáveis climáticas e sua forte associação com variáveis
do espaço indicam que a diversidade da floresta pluvial atlântica muda muito de
um lugar para outro. Indicam também que o conjunto de espécies arbóreas de cada
local deve ter sido originado muito mais por causa de processos aleatórios (como
migração e extinção de espécies) ao longo da história evolutiva do que de
filtros impostos pelas características do ambiente. Trocando em miúdos, os
fatores históricos seriam muito mais relacionados à formação dessa floresta que
os fatores climáticos atuais, pondera a autora da tese. Assim, é muito provável
que as oscilações do clima passado entre períodos glaciais e interglaciais tenham desempenhado um papel muito
importante na geração da diversidade da floresta pluvial atlântica.
Segundo ela, nos períodos
glaciais, havia diminuição da temperatura na superfície e atmosfera terrestres,
resultando na expansão dos mantos de gelo continentais e polares, provocando
regressão do mar e climas secos na América do Sul. Nos períodos interglaciais, a temperatura voltava a subir. O nível do mar
também subia, e a maior parte da América do Sul voltava a ter climas úmidos. A
floresta pluvial atlântica se retraía ou se expandia de acordo com essas oscilações
climáticas, e esses processos alternados de fragmentação com isolamento de
populações e depois novamente coalescência devem ter
sido muito significativos na geração da diversidade e na composição das espécies
em cada local. Quando a floresta úmida se retraía, o cerrado se expandia, e
vice-versa, de forma que teria havido intensa troca de linhagens entre o
cerrado e a floresta pluvial atlântica. Um dos locais onde a
vegetação pluvial persistiu, mesmo na época em que o clima estava muito
seco, foi a região do Vale do Rio Doce, devido à presença do rio, que fez com
que o clima não fosse tão adverso. Assim, aquelas espécies que precisavam de
mais água (higrófilas) conseguiram sobreviver.
Outra descoberta da
pesquisadora no capítulo destinado a famílias, gêneros e espécies foi que
apenas 17 famílias constituíram quase 70% de todas as espécies arbóreas da
floresta pluvial atlântica e que a família que apresentou a maior diversidade
foi Myrtaceae. Foi com surpresa que ela fez essa
constatação ao longo do seu levantamento.
Características
A floresta pluvial atlântica
é típica de regiões litorâneas, ensina a ecóloga. Dentro
do domínio da Mata Atlântica, ela é chamada de floresta ombrófila
densa ou floresta pluvial atlântica. Essa formação ocorre desde o Rio Grande do
Sul até o Nordeste. Contudo, as maiores manchas (fragmentos), diz, estão no Rio
de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo. Ocorre que a floresta pluvial no
Nordeste já foi deveras devastada e hoje em dia restam apenas poucos fragmentos
espalhados pela paisagem. No Sudeste, notam-se os maiores contínuos dessa formação.
Ela foi quase que totalmente degradada e sobraram pequenos pedaços de vegetação.
De coletas e levantamentos feitos nesses fragmentos é que surgem os bancos de
dados, esclarece a autora da tese. Ela juntou relatos de diferentes autores com
todos os dados sobre esse tipo de floresta e os compilou. Esse instrumento, informa, fornece uma visão geral sobre uma determinada
formação florestal. São Paulo e Rio de Janeiro são as mais reconhecidas pela
sua grande diversidade, sugere.
Uma das principais
características da floresta avaliada é que nela chove muito, e as chuvas são
distribuídas no decorrer do ano, por isso chama-se ombrófila
(que significa amigo da chuva). Como ela ocupa uma estreita faixa ao longo do
litoral, a cordilheira atlântica (representada pela Serra Geral no sul, Serras
do Mar e da Mantiqueira no sudeste e formação barreiras no nordeste) exerce um
papel muito destacado na geração das chuvas: o ar carregado
de umidade, vindo do mar, é barrado pela cordilheira atlântica e é obrigado
a subir. Ao subir, resfria-se, e o vapor de água se condensa, formando nuvens
que provocam chuvas o ano todo, denominadas chuvas de convecção forçada.
Roberta recorda que dois
tipos de clima prevalecem nessa formação: até São Paulo o clima é tropical (quente)
e ao sul é subtropical (influenciado pela massa polar atlântica). Já os tipos
de relevo mais comuns são as serras, como a Serra do Mar, a da Mantiqueira e a
Geral. Em todas essas serras há a floresta pluvial. No Nordeste, ocorrem as
chapadas e os tabuleiros, que podem se localizar mais próximos ou mais
distantes do mar e que têm alturas variáveis. Nesses relevos, a floresta
pluvial atlântica ocorre em encostas que recebem chuvas de convecção forçada,
contudo nem todas as encostas provocam esse tipo de chuva.
A devastação, afirma a ecóloga, tem causado muita preocupação para os
especialistas, principalmente por se desconhecer o que existe atualmente e pela
dificuldade em identificar onde está a maior diversidade. Em consequência, ações de conservação são dirigidas para o que
é mais visível, embora haja técnicas que permitem recuperação em toda área de
ocorrência da floresta pluvial atlântica. Saber como a diversidade se distribui
no espaço e quais variáveis a influenciam é inestimável para aplicar medidas preservacionistas e escolher as técnicas adequadas de
recuperação e manejo, porque a diversidade muda de um local para outro,
esclarece.
Publicação
Tese: Padrões de variação
de diversidade alfa na floresta pluvial atlântica brasileira
Autora: Roberta Macedo
Martins
Orientador: Fernando
Roberto Martins
Unidade: Instituto de
Biologia (IB)
Financiamento: CNPq