POLUIÇÃO MEDIDA COM LASER EM SÃO PAULO

Ao criar a primeira máquina capaz de gerar um raio laser, em 1960, provavelmente o físico Theodore Maiman não imaginava que sua invenção, em tão pouco tempo, passaria a ser utilizada em múltiplas e tão distantes funções, como, por exemplo, na leitura de CDs, em cirurgias, obturações dentárias, sistemas de segurança de empresas, leitura de cartões magnéticos, como facas para o corte de chapas de aço, em aplicações militares – caso do projeto norte-americano Guerra nas Estrelas, em que satélites equipados com poderosos lasers serão colocados em órbita –, em análises das deformações no solo causadas por vulcões, permitindo o acompanhamento e previsão das erupções, na gravação de polímeros (plásticos especiais) ou na reprodução humana, onde o laser é usado como pinça para furar a membrana de um óvulo, permitindo sua fecundação por um espermatozóide.

Mas uma das mais recentes aplicações dessa tecnologia é na medição dos níveis da poluição atmosférica. O Ipen-Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares , ligado ao governo de São Paulo e instalado no campus da USP, há um mês começou a medir, por meio de um feixe de laser, em tempo real, a concentração de poluentes até uma altura de 15 quilômetros sobre a cidade de São Paulo.

Essa primeira iniciativa do projeto fez parte de uma campanha de medidas simultâneas de poluição que também envolveu pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), do Instituto de Física (IF), ambos da USP, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade Técnica de Atenas (Grécia) e da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), num total de 30 pessoas.

"Nessa primeira etapa colhemos dados do laser sobre os níveis de poluição da capital paulista que foram posteriormente analisados e transformados em números para serem comparados com os resultados de outras técnicas de medida que foram utilizadas simultaneamente como, por exemplo, um aparelho que utiliza som ao invés de luz", explica o físico Nilson Dias Vieira Junior, diretor do Centro de Lasers e Aplicações (Cla) do Ipen e conselheiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). "O objetivo é continuar a empregar o laser em medições futuras, aprimorando suas aplicações."

O laser utilizado pelo Ipen, chamado de Light Detection and Ranging (Lidar), propaga o feixe de luz verticalmente, a partir do solo, até a altura previamente determinada pelos cientistas, de acordo com a região da atmosfera a ser pesquisada. "Nosso principal alvo são as camadas de inversão e seus poluentes formados por partículas tóxicas menores que dez micrometros, dimensão que permite sua fuga dos filtros do organismo, como o nariz, entrando nos pulmões e causando uma série de doenças que podem levar, inclusive, à morte, como vem ocorrendo em Jacarta, capital da Indonésia", diz Vieira. "O monitoramento da mobilidade das camadas de poluentes sobre a cidade, principalmente com relação a sua aproximação e distanciamento do solo, são fundamentais para que os órgãos de controle possam traçar suas políticas e estratégias para lidar com o problema."

De acordo com Vieira, o método permite acompanhar, a cada instante, as variações das concentrações de poluentes, produzindo resultados em tempo real. No dia 23 de agosto, por volta das 11h30, por exemplo, a equipe do Cla detectou que a camada com os poluentes estava a uma altura de 905 metros acima do Ipen, que está em um terreno situado a mais de 800 metros acima do nível do mar, e se estendia por cerca de oito quilômetros. Isso significa que as áreas mais altas da cidade ficam mais próximas da poluição. Mas elas têm a vantagem de dissipar de maneira mais rápida os poluentes, graças à ação do vento, que não é tão eficiente nas regiões mais baixas.

O laser lançado pelo Ipen na atmosfera se espalha pelas partículas, mil vezes menores que um milímetro (cada micrometro equivale a um milímetro dividido por mil). Parte da luz refletida volta à Terra e é captada por um coletor luminoso, que emite um sinal proporcional à quantidade de partículas que estão espalhando a luz do laser. Por meio dessa interação é que os cientistas têm condições de determinar o perfil da distribuição dos poluentes na camada estudada.

Segundo Vieira, as principais origens da poluição na capital se encontram nos gases emitidos pelos escapamentos dos automóveis (carros, ônibus e caminhões) e na movimentação de terra gerada pelas atividades da construção civil. Entretanto, a cidade também acaba sendo vítima dos gases emitidos pelas indústrias da região do ABC, pois uma significativa parte deles acaba chegando a São Paulo por meio da ação do vento.

O pesquisador explica que, anos atrás, o Ipen foi procurado pela Secretaria do Meio Ambiente São Paulo para assessorá-la na instalação de um Lidar. Porém, o alto custo, na época cerca de US$ 2 milhões, e o fato dos equipamentos comerciais disponíveis não se adequarem a todas as necessidades previstas levaram a equipe do Cla a iniciar um processo de desenvolvimento de um sistema próprio, mais barato e que suprisse todas as demandas.

"Graças a acordos internacionais de cooperação e com o apoio da Fapesp e do CNPq foi possível tornar o projeto realidade", conta Vieira. "O sistema saiu por US$ 100 mil, o que não é muito se pensarmos nos benefícios sociais envolvidos, e seu desenvolvimento permitiu a formação de massa crítica capacitada no planejamento desses sistemas e na sua operação." Manter o aparelho custa ao Ipen cerca de R$ 1 mil por mês em insumos, sem contar os salários dos pesquisadores. Além do Ipen, o Inpe, em São José dos Campos, no interior paulista, também tem um Lidar, há anos em operação, mas empregado em outros tipos de estudo.

Três pesquisadores e três alunos de pós-graduação integram o projeto, que prevê uma segunda etapa, onde serão medidos com maior precisão os tamanhos das partículas dos poluentes, e uma terceira, dedicada ao estudo dos níveis de ozônio na atmosfera paulistana, com o objetivo de monitorar eventuais e perigosas diminuições desse gás, fundamental para nossa proteção contra a radiação solar.

Vieira conta que, no ano que vem, em data a ser definida, o satélite norte-americano NOA, portador de um Lidar, passará sobre São Paulo para fazer medições em conjunto com o equipamento do Ipen, visando à análise do papel dos poluentes das altas camadas da atmosfera e das formas como eles circulam pelo planeta podendo chegar até mesmo a outros países. "Em Moscou, por exemplo, equipamentos registraram a presença na atmosfera de partículas de areia oriundas do deserto do Saara", afirma Vieira. "Essa cooperação nos permitirá traçar um quadro mais completo da circulação dos poluentes em escala nacional e mundial."

E para o final de 2003, o Ipen prepara outra novidade. Trata-se de um novo laser, o Table Top Terawatt Laser System (Laser de Potência de Terawatt de Topo de Mesa). Mais potente que o Lidar, esse raio enfoca áreas maiores e permite que os pesquisadores possam descobrir quais são os tipos de partículas formadoras dos poluentes das camadas atmosféricas e em que quantidades elas se encontram. "Sem o Table Top, para obter o mesmo resultado um pesquisador precisa ter á sua disposição um conjunto de raios laser diferentes, cada um voltado para a análise de um tipo de partícula", explica Vieira. "Esse laser é tão potente que durante um instante de um femtosegundo, ou seja, um segundo dividido por 15 trilhões de partes iguais, ele gera cerca de um terawatt de potência."

Para se ter uma idéia do que significa essa grandeza física, um e meio terawatt é o valor aproximado de toda a capacidade energética do planeta. "É por isso que o período de geração desse laser precisa ser ínfimo pois, do contrário, sua existência seria impossível", diz. "Se até lá nenhum outro país construir um Table Top, o Brasil será a terceira nação do mundo a ter essa tecnologia, hoje disponível também na França, graças a um convênio firmado com seus vizinhos alemães."

Trajetória do laser

Em 1917, Albert Einstein publicou os resultados de um estudo que mostrou que os fótons, ao incidirem de forma concentrada sobre átomos, podiam fazê-los produzir grande quantidade de luz. Anos depois, em 1954, Charles Townes, professor da Universidade de Colúmbia (EUA), inventou o maser, processo semelhante ao do laser, mas que gerava microondas. A descoberta acabou lhe rendendo, dez anos depois, o Nobel de Física, ganho em conjunto com seus colaboradores, Aleksandr Prokhorov e Nicolai Basov.

Graças ao pioneirismo de Townes, em 1960 Theodore Maiman criou a primeira máquina de raios laser (light amplification by stimulated emission of radiation). Ela funcionava com um rubi e produzia luz vermelha. O rubi é um cristal de óxido de alumínio que contém um pouco de cromo, meio ativo que forma o laser por meio da emissão estimulada de fótons sobre ele.

Em 1966, Charles Kuen Kao e G. A. Hockman concluíram que a luz do laser pode ser conduzida dentro de tubos finíssimos, a hoje popular fibra ótica. Já em 1979 a Philips lançou o CD, pequeno disco que, aos poucos, substituiu o LP e, hoje, está eliminando o uso de disquetes e fitas de vídeo.

O último Nobel relacionado às pesquisas com laser foi concedido em 1999, para o químico Ahmed Zewail, que usou o raio para mostrar como os átomos se movimentam nas diferentes etapas de uma reação química. ( Agência Brasil/ Jusp)