Valor Econômico, 18/02/2005
via CIB
O grande negócio da nanotecnologia
Pobres alquimistas. Passaram a Idade Média em laboratórios ilumidados por
velas, trabalhando para criar xaropes miraculosos e transformar metais comuns
em ouro ou prata. Falharam estrondosamente. No alvorecer da Revolução
Científica, pesquisadores equipados com microscópios fundaram a química moderna
- e repudiaram a alquimia.
Mas acontece que os alquimistas estavam apenas uns poucos séculos adiantados.
Hoje, em laboratórios cintilantes equipados com microscópios poderosos,
cientistas de três continentes estão prometendo novos materiais e medicamentos
que deixariam os alquimistas orgulhosos. Esse trabalho está ocorrendo no ramo
da nanotecnologia, o menor estágio da indústria. A unidade de medida padrão, o
nanômetro, representa 1 bilionésimo de metro - o tamanho de 10 átomos de
hidrogênio enfileirados. Nesse universo, dramas inteiros podem ocorrer na ponta
de um alfinete, e um espirro tem a força de um furacão.
Por que tão pequeno? Pesquisadores descobriram que nessa escala diminuta a
matéria sempre se comporta de maneira muito diferente. Embora parte da ciência
por trás desse fenômeno ainda esteja encoberta em mistérios, seu potencial
comercial está atraindo cada vez mais atenção. Materiais familiares - do ouro à
fuligem de carbono - revelam novas e surpreendentes propriedades. Alguns
transmitem luz ou eletricidade. Outros se tornam mais duros que diamantes ou se
transformam em potentes catalisadores químicos. E mais: pesquisadores descobrem
que uma minúscula dose de nanopartículas pode transformar a química e a
natureza de coisas muito maiores, criando de pára-lamas reforçados a células de
combustível super-eficientes.
Agora é a hora de começar a ganhar dinheiro. Ao longo de 2005, grandes e
pequenas empresas estarão tirando dos laboratórios produtos baseados na
nanotecnologia e lançando-os no mercado. Os consumidores vão encontrar a
nanotecnologia nos Hummers, os jipes usados pelo Exército americano, nas
raquetes de tênis Wilson e até em bolas de golfe desenhadas para
"voar" em linha reta. Enquanto isso, os investidores vão deparar-se
com uma série de anúncios audaciosos. Em 1º de fevereiro, por exemplo, a
gigante dos computadores Hewlett-Packard (HP) anunciou uma inovação na
nanotecnologia que, dentro de uma década, poderá levar os computadores de hoje
para além do silício e dos transistores. "Estamos reinventando o
computador na escala molecular", diz Stan Williams, um alto executivo da
HP.
Por enquanto, a nanotecnologia está começando de forma modesta. Os maiores
mercados para as nanopartículas estão em produtos familiares, da borracha usada
na fabricação de pneus, uma indústria de US$ 4 bilhões, à prata usada na fotografia
tradicional. A Lux Research, uma consultoria de Nova York especializada em
nanotecnologia, estima que apenas US$ 13 bilhões em produtos manufaturados vão
incorporar a nanotecnologia este ano. Isso é pouco mais que um erro de
arredondamento na economia global.
Mesmo assim, novos produtos baseados na nanotecnologia que poderão ter um
impacto muito maior, estão a apenas um ou dois passos. Nos próximos dois anos,
máquinas de diagnósticos com componentes construídos na nanoescala deverão
permitir aos médicos e enfermeiros carregar laboratórios do tamanho de um copo
de chopp em suas valises. Nanosensores vão varrer aeroportos e agências dos
correios em busca de antraz e do gás sarin. Mais para o fim da década, segundo
apostam cientistas, novas memórias de computador compostas de nanopartículas
poderão armazenar o acervo da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos em uma
máquina do tamanho de um ioiô. Nesse ponto, prevê a Lux, as nanotecnologias
terão aberto seu caminho em um universo de produtos avaliado em US$ 292
bilhões.
Como a nanotecnologia evoca tamanhas surpresas? A natureza fornece exemplos
dessa mágica molecular. Pense no carvão se comprimindo ao longo de milênios
para criar os diamantes. As gemas são feitas dos mesmos átomos de carbono. Mas
elas foram comprimidas, ao longo do tempo, em padrões ordenados de cristal
ligados por laços químicos super-fortes. O que é mole se torna duro. A
escuridão fuliginosa se transforma em claridade reluzente.
Hoje em dia, os cientistas podem realizar essas transformações entre dois
cafezinhos. Com sondas atômicas eles manipulam as moléculas, superando a Mãe
Natureza. O ramo da nanotecnologia proporciona aos cientistas surpresas até
mesmo na velha tabela periódica dos elementos químicos - e eles estão registrando
uma enxurrada de patentes para reclamar para si esses materiais miraculosos.
As perguntas sobre a nanotecnologia não são mais de onde ela vem ou se ela é
real, e sim de quão grande ela será. Alguns vêem a nanotecnologia como uma nova
revolução dos materiais, semelhante ao alvorecer da era dos plásticos. Outros
anunciam uma transição tão dramática quanto a passagem da humanidade da Idade
da Pedra para a Idade do Bronze Mas, previsões nebulosas à parte, as perguntas
que estão ecoando dos laboratórios em Tóquio aos escritórios dos vendedores a
descoberto de Wall Street dizem respeito ao dinheiro. Quais nanotecnologias
irão criar novas fortunas, setores e campeões corporativos?
A atividade no terreno é febril. Cerca de 1.200 empresas surgiram no setor ao
redor do mundo, metade delas nos Estados Unidos. Corretoras como a Merrill
Lynch e a Punk, Ziegle & Co. estão vasculhando os mercados em busca de
companhias voltadas para a nanotecnologia que possam fazer parte de índices de
ações do setor. Enquanto isso, investidores divididos entre o fascínio do novo
mercado e o temor de uma bolha parecida com a pontocom, lutam para compreender
exatamente o que a nanotecnologia significa para eles.
Essa confusão é compreensível. A nanotecnologia não é um setor individual, mas
uma escala de engenharia que envolve matérias que vão de 1 a 100 nanometros. Ao
invés de um novo fenômeno, como a internet, a nanotecnologia oferece novas
possibilidades para milhares de materiais que já existem. Isso significa que
grande parte da atividade inicial provavelmente vai ocorrer nos gigantes
industriais. Dezenove das 30 empresas que fazem parte dos índice de ações Dow
Jones Industrial já lançaram iniciativas na área de nanotecnologia.
Como essas moléculas diminutas criam novos e grandes produtos? Às vezes, o
tamanho, sozinho, é a chave. Tome por exemplo o Voltron, um revestimento de
fios superdurável da DuPont usado em motores elétricos pesados. Se você olhasse
para as gerações anteriores desses revestimentos por meio de um microscópio
poderoso, os componentes químicos iriam parecer frouxamente agrupados, com
espaços irregulares entre as moléculas. Esse tipo de estrutura leva o material
a quebrar mais facilmente. As partículas em nanoescala do Voltron preenchem
muitos dos espaços, tornando-o um isolante mais forte e de maior durabilidade.
Em testes realizados pela DuPont com motores elétricos, um revestimento de
Voltron aumentou o tempo entre as falhas em um fator de 10, para mais de 1.000
horas. E como esses motores consomem estimados 65% da energia elétrica dos EUA,
a ampliação de sua eficiência e tempo de vida prometem grandes economias de
energia. "Essa combinação química pode ser feita somente com
nanomateriais", diz Krish Doraiswany, um gerente de planejamento da área
de pesquisa em nanotecnologia da DuPont.
A maioria dos avanços iniciais na nanotecnologia vão melhorar o que já temos.
Exemplos: uniformes do exército que pesam muito pouco e podem resistir a armas
químicas; embalagens para alimentos desenhadas para manter aquela verdura do mês
passado verde e crocante.
Será que a nanotecnologia vai fazer jus ao potencial de criar novos setores
inteiros e novos gigantes corporativos? A resposta depende de como os
jogadores, de autoridades reguladoras a empresários, irão lidar com uma série
de desafios espinhosos. Os governos precisam elaborar regulamentações
inteligentes que controlem os novos materiais e terapias. As empresas enfrentam
problemas logísticos, como realizar o controle de qualidade na produção de
minúsculos nanotubos de carbono e cristais de silicone, que são praticamente
invisíveis.
Essa indústria incipiente também precisa estabelecer padrões e práticas de
execução que hoje não existem. Um estudo de 2004 da Lux Research constatou que
muitos dos 200 fornecedores globais de nanomateriais básicos não conseguiram
entregar o que prometeram no período. A conclusão? Enquanto setor não
estabelecer uma rede qualificada de fornecimento, apenas os inovadores
trabalhando com laboratórios de categoria mundial poderão contar com materiais
confiáveis. Isso limita o acesso à nanotecnologia e prejudica seu crescimento.
Um desafio ainda maior para as indústrias de nanotecnologia é garantir que seus
materiais são seguros para o corpo humano e para o meio-ambiente. Contratempos
poderão derrubar as empresas de nanotecnologia e até mesmo levar a uma reação
mundial dos mesmos ativistas que condenam os alimentos geneticamente
modificados.
Essas preocupações atordoam os mercados de ações. No terceiro trimestre de
2004, cerca de uma dúzia de companhias de nanotecnologia estavam se preparando
para abrir o capital. Mas a mais aguardada abertura de capital do setor no ano
passado - uma emissão de US$ 115 milhões em ações da Nanosys em agosto -, foi
cancelada no último minuto, depois que os investidores perceberam que estavam
se deparando com uma companhia rica em patentes, mas que ainda levaria anos
para ter lucros. Agora, o mercado de abertura de capital parece estar
estagnado, até mesmo para "estrelas" como a Nanofilm, uma lucrativa
fabricante de filmes óticos de Valley View (Ohio), e a Konarka Technologies,
uma líder na área de painéis solares plásticos de Lowell (Massachusetts).
Dúvidas e confusão permeiam o mercado, onde até mesmo a definição de
nanotecnologia está aberta ao debate. Quando analistas da Merrill Lynch
anunciaram seu Nano Index, em abril, com 25 companhias, os críticos gritaram
que a corretora estava alimentando o burburinho - e que algumas companhias
farmacêuticas haviam sido incluídas na lista simplesmente porque se engajaram
na prática de produzir moléculas. A Merrill refez a lista, limitando-a a
companhias que declararam um compromisso público com a nanotecnologia.
No atual clima de cautela, os investidores estão menos concentrados em visões
deslumbrantes e mais em companhias com produtos, clientes e lucros reais. A
empresa de melhor desempenho no índice da Merrill em 2004 foi a MTS Systems
Corp., uma companhia de testes de equipamentos criada há 39 anos, cujas
ferramentas são amplamente usadas em laboratórios de nanotecnologia. Sua ação teve
valorização de 80%. Mas a maioria das empresas que vendem produtos
nanotecnológicos de verdade, da companhia de materiais Altair Nanotechnologies
à fornecedora de materiais médicos Flamel Technologies, da França, sofreram
quedas em 2004. E o índice da Merrill Lynch caiu outros 12% em janeiro deste
ano.
Não há dúvidas de que a nanotecnologia dará seus tropeços. Mesmo assim, ela vai
mudar tudo que o estiver em seu caminho.
Para os empresários, a nanotecnologia significa recursos. Capitalistas de risco
já investiram US$ 1 bilhão em empresas do ramo, quase metade disso nos últimos
dois anos. Enquanto isso, os recursos governamentais estão firmes em US$ 4,7
bilhões ao ano, divididos quase igualmente entre Ásia, Europa e América do
Norte. O dinheiro está entrando em laboratórios de universidades e em novos
corredores de nanotecnologia que vão de Albany (EUA) a Xangai (China) e Fukuoka
(Japão).
Muitos dos exploradores iniciais estão se concentrando em ferramentas de testes
na área de cuidados com a saúde, que é bem menos regulamentada que as áreas de
medicamentos e terapias. A LabNow, uma companhia iniciante de Austin (Texas),
está concentrada na AIDS. Usando canais e sensores minúsculos, a companhia
desenvolveu um laboratório sanguíneo em um chip do tamanho de um cartão de
apresentação. O paciente coloca uma gota de sangue sobre o chip, que então é
inserido em um pequeno leitor eletrônico. Em minutos, os pacientes com AIDS
recebem a contagem dos glóbulos brancos no sangue - uma medida crucial no
tratamento contra a doença. Atualmente esse teste leva semanas ou meses para
ser realizado em regiões mais pobres do planeta. Os pacientes podem morrer
enquanto esperam os resultados.
Mais inovações dramáticas são esperadas para os próximos dois a três anos, na
medida em que empresas forem desenvolvendo novos procedimentos médicos que
começam a emergir do labirinto regulatório. Mas versões "nanoizadas"
de medicamentos existentes já estão provocando alvoroço. No mês passado, as
ações da American Pharmaceutical Partners Inc. subiram 50% por causa das
notícias de que a Food and Drug Administration (FDA) havia aprovado a
comercialização do Abraxane, um medicamento à base de proteína em nanoescala
para o tratamento de metástase de câncer no seio. A versão nanotecnológica pode
agir em partes do corpo que as versões atuais não podem sem provocar efeitos
colaterais intoleráveis. Pesquisadores também estão trabalhando em tratamentos
personalizados, como os de nanopartículas construídas para reproduzir o perfil
genético único das células cangerígenas de um paciente - e programadas para
encontrá-las e destruí-las. Centenas dessas terapias estão em andamento. A
maioria vai fracassar. Mas, mesmo que um punhado delas sejam bem sucedidas,
elas poderão mudar a medicina.
Para obter tais triunfos, as companhias de nanotecnologia precisam afastar os
temores sobre os efeitos das partículas no organismo. As preocupações
aumentaram no segundo trimestre de 2004, quando pesquisadores da Southern
Methodist University anunciaram a ocorrência de danos cerebrais em uma perca
mantida em um aquário alimentado com nanopartículas à base de carbono. Embora
longe de conclusivas, tais descobertas levantam sinais de alerta no mundo todo
- e estes vão muito além das legiões de ativistas. No ano passado, a gigante
dos resseguros Swiss Reinsurance alertou para a corrida da nanotecnologia,
citando "a natureza imprevisível dos riscos que ela envolve e as perdas
recorrentes e cumulativas a que ela poderá levar".
Um setor que poderá utilizar o potencial da nanotecnologia sem esses riscos
potenciais é o de semicondutores. Com os circuitos e ligações dos chips ficando
cada vez menores, os fabricantes começam a ter problemas. Com o setor lutando
para manter a Lei de Moore, que prevê a duplicação da potência dos computadores
a cada 18 meses, os custos estão explodindo. O preço de uma nova fábrica para a
produção de semicondutores está projetado para alcançar US$ 10 bilhões até o
fim da década. (Tradução de Mário Zamarian)