HISTÓRIA DA
NOMINA ANATOMICA
http://www.uniararas.br/anatomia/histmorfo.htm
Certamente é de interesse da humanidade, e não só
dos médicos, os nomes das estruturas do corpo humano. Qualquer que seja o nível
de educação de uma pessoa, ela tem necessidade de se expressar corretamente,
especialmente ao procurar um médico.
A nomenclatura anatômica surgiu já no tempo do homem
das cavernas, quando, obrigado a comunicar-se, cada um dizia algo que havia
visto em um animal e se repetia em outro e era diferente em outro. Com o tempo
foi sendo possível observar as diferenças sexuais, de idade... Assim criaram-se
os nomes, que sofreram inúmeras alterações ao longo dos séculos, acompanhando,
sempre, as descobertas científicas.
Na Idade Média, em 1543, Andreas Versalius, um professor belga que
ensinava em Pádua (um dos maiores centros científicos da época), escreveu o
livro De Humani Corpus Fabrica. Ele
verificou os nomes anatômicos que existiam, quais deviam ser dispensados, quais
deviam ser utilizados, quais os que estavam errados, quais os que teve de corrigir.
E publicou esse livro que serviu de referência para todo o mundo civilizado.
Em razão da escassez de meios para difusão [em
massa] de informação, cada centro científico procurava fazer o seu livro, e
cada um procurou achar coisas que estavam erradas ou eram impróprias, coisas desconhecidas
até então que precisavam ter nomes, e assim por diante. Assim, nomes foram
sendo criados e acumulando-se em diferentes partes da Europa.
Em 1887, em Leipzig, Alemanha, renomados professores
prepararam uma lista com os nomes para serem utilizados por todos. Houve quem
adotou essa proposta, mas muitos não o fizeram , ou porque não entendiam a
língua, ou porque não estavam de acordo com a palavra, ou por considerar o
termo errado ...
Em 1894, o Reino Unido apresentou sua lista, mas
também não teve grande adesão. Em 1895, a Sociedade Alemã de Anatomia organizou
uma comissão e apresentou uma terceira lista para a sociedade alemã, que teve,
lá, aprovação unânime. Outros países, como Itália, Estados Unidos e alguns da
América Latina passaram a usar aquela que se chamou Nomina Anatomica (lê-se Nômina Anatômica) de Basiléia.
Mas as divergências continuavam a existir e oito
anos depois, em 1903, foi fundada a Federação Internacional de Associações de
Anatomistas, com o objetivo de envolver todos os grupos de anatomistas dos
vários países.
Uma das suas finalidades era preparar uma lista, um
vocabulário aceito por todos, para facilitar a escritura de trabalhos
científicos e a comunicação entre os cientistas, pois se usassem a mesma língua
- o latim - seria mais fácil de se entenderem. A idéia era uniformizar a
nomenclatura e a cada cinco anos a Federação se reunia para discutir os nomes.
Em 1933 a Sociedade Britânica resolveu fazer uma
revisão da Nomina de Basiléia, e
modificou muitos termos, publicaram a Nomina
Anatomica de Birmingham. Dois anos depois, os alemães fizeram a mesma coisa
e, em 1935, publicaram a Nomina Anatomica
de Jena.
Cinco anos depois da II Guerra Mundial, em 1950,
houve um grupo de ingleses que se reuniu em Oxford e procurou organizar uma
comissão que preparasse outra lista. Eles achavam que, se o mundo havia mudado
e as ditaduras desaparecido, ou quase, havia possibilidade, havia ambiente para
se usar uma língua só para todo o mundo. Então, em 1955, o grupo apresentou uma
lista no Congresso Mundial de Anatomia de Paris, entretanto, como as outras, a Nomina Anatomica Parisiensis foi bem
aceita entre os anatomistas, mas também houve muitos que a desconsideraram.
Na verdade, em toda a história sempre houve
controvérsias, por um motivo ou por outro quanto à uniformização dos termos
anatômicos. De cinco em cinco anos havia reunião, havia discussão, havia sugestões
para modificar, criava-se uma nova lista, uma lista atualizada e as pessoas
continuavam usando a nomenclatura à revelia da própria Nomina, ou melhor, à revelia do interesse comum.
Em agosto de 1997, foi apresentada em São Paulo uma
nova lista: a Nomina Anatomica de São
Paulo. A comissão teve a participação do professor Liberato Di Dio,
anatomista brasileiro de renome internacional, que acredita que a partir desta
lista é possível que haja finalmente uma globalização da nomenclatura, uma vez
que a comissão foi representada por anatomistas de todos os continentes.
NOVA NÔMINA
ANATÔMICA
http://www.compuland.com.br/anatomia/saopaulo.htm
"Se o nome está errado, se significa algo que
já não é mais aquilo que se pensava inicialmente, é preciso mudar. Há termos
rebarbativos, complexos, que não têm maior significado e que, por isso, foram
substituídos. Não houve revolução contra isso, portanto as modificações que
ocorreram não são tão grandes."
Prof. Liberato Di Dio (*)
Ao longo da história da humanidade, nunca, como
agora se pretende, os anatomistas foram unânimes quanto ao uso dos nomes das
estruturas do corpo humano. Com a globalização, há a crescente necessidade de
uniformizar essa linguagem, para que todos possam se comunicar de maneira
melhor e mais ágil.
A nova nomenclatura da anatomia, que deverá ser
aceita mundialmente, foi apresentada em São Paulo, em agosto de 1997, com a
presença de especialistas representantes de todos os continentes, entre eles o
professor Liberato Di Dio, renomado anatomista brasileiro, que concedeu a
seguinte entrevista:
Sabemos que a Nomina Anatomica (nomenclatura da
anatomia humana) vem sofrendo modificações já há alguns séculos. Como é o
processo de definição da nomenclatura das estruturas corporais?
Um grupo, formado por renomados anatomistas, se
reunia e apresentava as listas com os termos. Por causa das inúmeras
interrupções que ocorreram nesse trabalho durante a Primeira e a Segunda
Guerras, alguns não se sentiam comprometidos com o trabalho e acabavam por não
respeitar o uso dos nomes propostos. Então, a Federação Internacional das
Associações de Anatomistas (fundada em 1903) criou uma Comissão de Nomenclatura
Anatômica. Essa Comissão, pedia sugestões para todo o mundo. Os anatomistas
enviavam as sugestões e a comissão aceitava ou rejeitava os nomes, criava a
lista e a publicava. Mas nem todos, por um motivo ou por outro, aderiam às
propostas vindas dessa comissão.
Há alguma diferença no trabalho de criação dessa
nova lista?
Sim, e isso é o mais importante para a Nomina
Anatomica de São Paulo. Pela primeira vez, em quase cem anos da existência da
Federação, houve uma comissão eleita livremente pela assembléia geral, que representasse
os cinco continentes, que fossem os melhores especialistas em lingüística
anatômica, que fossem cientistas, que fossem poliglotas. Foi um processo
democrático para que ninguém pudesse criticar que não houve uma representação
total.
Qual foi o objetivo dessa Comissão?
A finalidade foi escolher os melhores nomes de todos
os que existiam, escolher os que mais fossem informativos e descritivos de cada
estrutura.
Qual foi o critério para a mudança dos nomes?
Quando tínhamos nomes complexos e simples escolhemos
os simples, quando tínhamos um nome que dava indicação da forma ou da função do
músculo, usamos esse. E, por fim, usamos só um para cada estrutura quando havia
o mesmo nome para duas ou mais estruturas.
Quantos nomes foram alterados?
Há casos em que existia cinco, seis nomes para uma
estrutura só, então escolhemos o mais simples, o mais fácil e o mais exato. Foram
revistos aproximadamente dez mil nomes. Desses, quatro mil não foram incluídos
na lista, isto é, somente seis mil foram analisados. Eu imagino que de 10% a
15% tiveram de ser modificados, pois estavam errados.
Por exemplo: corpo pineal era chamado assim porque não se sabia para que servia
pineal. Pesquisas recentes demonstraram que pineal é uma glândula. Então
substituiu-se corpo por glândula, ficando glândula pineal.
Isso significa que os livros de Biologia, Ciências e
Medicina terão de ser atualizados?
Não necessariamente. Há livros que já trazem há
muito tempo os nomes propostos pela Nomina de São Paulo. Por exemplo, o termo
ulna (antigo cúbito) já vinha sendo usado. Como este, muitos outros nomes que
estão na nova nomenclatura já eram usados por muitos, e muitos livros já os
adotavam. Mas se o livro trouxer o nome antigo, aos poucos ele deverá ser
atualizado. Eu acredito que, se a nova Nomina teve uma representação
democrática todos irão assumir o compromisso de respeitar o que a maioria
decidiu, mas mesmo assim ninguém tem a obrigação. Entretanto, caso alguém não
use os termos propostos, nós, que somos a maioria, temos o direito de dizer:
"o senhor não está atualizado". É provável que no final do ano a
Federação publique a edição oficial, que sairá em latim e em inglês. Assim que
eu receber um exemplar dessa edição, irei me reunir com uma comissão de
brasileiros para iniciar a tradução para o português. Que deverá estar pronta
em março de 1998.
Os portugueses também vão participar dessa comissão?
Não. E esse é outro problema que nós vamos ter de
enfrentar, porque os portugueses não aceitam determinados nomes que os
brasileiros usam. Não posso nem ousar em escrever para os portugueses.
O senhor acredita que as pessoas vão aceitar usar os
novos termos?
Ninguém tem obrigação de usar os termos novos. Se
você quiser continuar usando omoplata em vez de escápula, tudo bem. Eu, por exemplo, uso escápula há
cinqüenta anos. Se as revistas de publicação de trabalhos científicos decidem que
os trabalhos devem seguir a terminologia anatômica de São Paulo, e você não
utilizá-la, então o trabalho será devolvido para se fazer a correção. Vai ser
possível usar os nomes oficiais e, entre parênteses, os termos de que você
gosta. Mas daqui dez anos ninguém mais vai perder tempo em escrever mais de um
nome.
O senhor poderia dar alguns exemplos de nomes que
foram mudados na Nomina de São Paulo?
Eu tenho exemplos que as pessoas usam e vão
continuar usando, mas aos poucos eles vão mudar.
O nome oficial de Pomo de Adão é Proeminência Laríngea, pois é a saliência da
laringe. Por que a mudança? Porque Pomo de Adão em hebraico quer dizer Pombo de
homem (Pombus Adami em latim, Adans Apple em inglês), porque só os homens têm.
Recentemente verificou-se que as mulheres também têm. Como uma mulher tem um
pomo de um homem? Então é Pomo de Eva, pois Eva em hebraico quer dizer mulher.
Mas também há homens que não têm, e, por isso seu sexo ficará indefinido? O
problema é sério! Outro exemplo: no principio deste século, havia um músculo
chamado capuciforme, em latim é cuculares, que quer dizer um músculo que se
parece com o cúculos e o cúculos é o capuz de um frade que tem a forma de um
triângulo, por isso virou músculo trapézio. Mas por que dar esse privilégio para
a vestimenta dos frades? Por que não biquíni, músculo do biquíni? Como eu
disse, o nome deve representar a descrição ou função de cada parte, e se todos
usarem o mesmo termo vai ser mais fácil de se comunicar.
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(*) Liberato Di Dio é o secretário-geral do Comitê
Federativo de Terminologia Anatômica. Formado pela Universidade de São Paulo,
foi professor nos Estados Unidos por 35 anos. Atualmente, aos 77 anos, trabalha
na Universidade de Santo Amaro em São Paulo, SP.