Revista
Aprender, 10/10/2002
O
ENSINO A DISTÂNCIA E AS NOVAS TECNOLOGIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO
http://www.futuro.usp.br/producao_cientifica/entrevistas/aprender_10_out_2002_litto.htm
Fredric Michael Litto nasceu em Nova
Iorque, no ano de 1939. Formou-se Bacharel em Rádio e Televisão pela UCLA
(Universidade da Califórnia em Los Angeles) em 1960, Ph.D em Comunicações pela
Universidade de Indiana em 1969, e Livre Docente pela Universidade de São Paulo
(USP) em 1977.
@prender: Como começou sua jornada de trabalho e pesquisa no
Brasil?
O
que me trouxe ao Brasil foi ter tido a felicidade, há 42 anos, de ter conhecido
uma mineira, que estava fazendo pós-graduação na mesma universidade que eu
lecionava nos EUA. Motivado por esse fato, em 1970, resolvi fazer um ano de
pesquisa no Brasil para ver como era conhecer uma outra cultura mais de perto.
Acabei ficando fascinado pelo Brasil, adorei a língua portuguesa e, por
coincidência, foi exatamente nessa época que a Escola de Comunicações e Artes
(ECA) da USP estava montando sua primeira equipe de pós-graduação em
comunicação e artes, onde acabei sendo convidado para participar como docente,
até mesmo porque, na época, eu era provavelmente a única pessoa no mundo com
doutorado em comunicações que falava alguma coisa em português.
FREDERIC: Estou na USP há 32 anos, sou decano da ECA e o professor mais
velho da casa. Desde 1982 eu já pesquisava, estudava e lecionava assuntos
referentes ao videotexto, televisão bidirecional, vídeos alternativos, tudo
voltado para a aplicabilidade educacional. Isso me levou a pedir, em 1987, uma
bolsa ao CNPq para ficar um ano nos EUA, em Stanford, estudando a forma com que
o videotexto e a videoconferência estavam sendo aplicados na educação. O que eu
vi em Stanford me mostrou que tudo o que vinha sendo feito em educação, até
então, estava ultrapassado. Voltei dos EUA entusiasmadíssimo e muito
interessado em criar um laboratório para investigar um meio de aplicar os
conhecimentos da cognição humana e das novas tecnologias educacionais para
criar uma escola mais dinâmica e mais relevante. Então, com o apoio de colegas
do Instituto de Matemática, da Escola de Filosofia, da ECA e da Educação, criamos
um laboratório que hoje se denomina Escola do Futuro e tem a missão de
investigar como essas novas tecnologias podem melhorar a educação.
@prender: Qual a sua participação na Escola do Futuro?
FREDERIC: Sou o "Coordenador Científico", que é o cargo
executivo principal, uma vez que somos um laboratório interdisciplinar de
investigação, subordinado à Pró-Reitoria de Pesquisa da USP. O meu trabalho
consiste em orientar os pesquisadores "sênior" e "júnior"
do laboratório nas suas investigações sobre como as novas mídias podem ajudar a
melhorar a educação brasileira. Nesses 12 anos de existência da Escola do
Futuro, já foram desenvolvidas importantes contribuições para a educação: a
Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro, o Laboratório de Ciência e Educação
a distância, o Centro de Capacitação Profissional, o Banco de Dados de
Softwares Educacionais, entre outros. Dessa forma, sentimos que nossa missão já
está consolidada no que se refere ao ensino fundamental e médio. Agora,
voltaremos nossos esforços para desenvolvermos projetos na área do ensino
virtual a distância para instituições de ensino superior e para universidades
corporativas. Agora, já consolidada, a Escola do Futuro procura crescer e
conquistar parcerias, visando sempre combater o conservadorismo das secretarias
estaduais e municipais de educação e do MEC. Estamos travando uma batalha,
"ingloriosa", mas necessária. É uma batalha para quebrar a
resistência contra a mudança, quebrar o medo do professor de ser substituído
pela máquina, o medo de aprender coisas novas. A Escola do Futuro foi pioneira
nos estudos da aplicação desses novos paradigmas na educação. Tivemos a sorte,
em 1990, de conseguir uma verba do BID de 90 mil dólares que possibilitou que
10 professores da Escola do Futuro visitassem Israel, EUA e Inglaterra para
verificarem o que estava sendo feito em relação à aplicação das novas
tecnologias na educação. Com esse dinheiro, ainda foi possível trazer 12
pesquisadores de diversos países ao Brasil para debaterem conosco.
@prender: Como as novas tecnologias contribuem para a
mudança de paradigma na educação?
FREDERIC: Estamos numa fase de transição quanto a mudanças de paradigma.
Durante muitos anos ainda teremos escolas públicas e privadas, com ambientes de
aprendizagem iguais aos do século 19, outras com ambientes do século 20, e
ainda outras do século 21. O assunto é idêntico ao problema da saúde: levou
muitas décadas, após a descoberta de germes como portadores de doença, para
convencer os profissionais da saúde que era necessário lavar as mãos e
esterilizar tudo. As grandes idéias mudam com grande lentidão. O que importa em
tudo isso é a mudança de paradigma. A responsabilidade maior está na mão do
aluno, do aprendiz, e não mais do professor, que passa a ser uma espécie de "desenhista",
ou de "arquiteto" das atividades de aprendizagem de seus alunos.
A realidade, no entanto, não irá perdoar quem ficar parado no tempo. Aqueles
alunos que podem escolher onde estudar, vão buscar instituições que tenham
professores preparados para trabalhar com o novo paradigma e que apliquem as
novas tecnologias no processo educacional. Já está muito claro para todos nós
da Escola do Futuro que, em breve, as instituições terão que oferecer seus
conteúdos de forma presencial, pela Internet, em vídeos, em TV aberta ou
fechada, em material impresso, enfim, em diversos meios onde o aluno possa
escolher aquele em que se sinta mais confortável ou aquele que melhor convier
para seu aprendizado.
@prender: Quais as perspectivas de mudanças efetivas na
educação a partir do impacto da Internet nesse meio?
FREDERIC: O modelo educacional que prevalece entre nós já está defasado em
relação àquilo que a ciência já sabe sobre como a mente humana funciona,
especialmente com relação aos processos de aprendizagem e às tecnologias já
disponíveis no mercado e nem de longe aproveitadas na educação formal. Será que
daqui a quinze anos essa lacuna será eliminada e o sistema de educação formal
estará absolutamente em dia com as novas descobertas sobre a cognição e com
relação à tecnologia? Ou, infelizmente, o que é mais provável, a lacuna
crescerá, fazendo das instituições de educação formal lugares de
"faz-de-conta", divorciados do mundo real, enquanto instituições de
aprendizagem informal (auto-aprendizagem com e sem o emprego de educação a
distância, aprendizagem no local do trabalho, aprendizagem
"em-cima-da-hora") serão os lugares de capacitação atualizada,
através de pedagogias super-modernas? Acredito que estamos caminhando para o
cenário educacional pluralista, que oferecerá um leque grande de abordagens ao
processo de aquisição de conhecimento e de habilidades. Escolas e universidades
com características tradicionais, do mesmo jeito que são hoje, em 2002, para
alegria de pais e alunos nostálgicos, vão sempre existir. Mas está ficando cada
vez mais claro que o futuro pode trazer, para a maioria dos aprendizes, os
benefícios de uma nova forma de atuação educacional, uma que aproveita
inteligentemente as novas tecnologias e os novos conceitos de aprendizagem. Os
maiores usuários no setor universitário de educação a distância, atualmente nos
EUA, são os alunos que estão matriculados em cursos presenciais, mas querem
acelerar seu aprendizado e o término de seus cursos e, para isso, utilizam-se
dos recursos do ensino a distância. Na Faculdade de Engenharia de Stanford, por
exemplo, duas ou três horas após cada aula de graduação, os vídeos dessas aulas
ficam disponíveis para os alunos, inclusive pela Internet, de modo que o aluno
não é mais obrigado a assistir a aula. O que interessa hoje em dia é a
competência e o conhecimento que o aluno possui, não o número de horas que seu
traseiro fica sentado em sala de aula.
@prender: O crescimento do ensino a distância trará alguma
mudança radical no sistema educacional como um todo?
FREDERIC: Acho que a Educação a distância vai dar uma mexida geral na
educação no mundo todo, e em todos os níveis de aprendizagem. As novas
tecnologias de comunicação permitem a globalização da oferta e procura de
programas educacionais, derrubando assim os muros antigos criados e mantidos
por questões de local geográfico. Isto é, daqui em diante, instituições
educacionais em todos os níveis de "ensino" (fundamental, médio,
superior, pós-graduação e continuado), podem oferecer os seus cursos para um público
internacional e emitir diplomas que serão reconhecidos não por ministérios ou
secretarias de educação, mas pelo mercado - quer dizer, pela reputação na praça
(internacional) que a instituição tem como promotora da aprendizagem de alto
nível. De outro lado, os alunos e os pais dos alunos não serão mais limitados à
escolha de instituições locais, podendo optar por instituições distantes, de
prestígio inquestionável, agora disponíveis via educação a distância. Essa
situação só pode significar uma pressão para melhoria em todas as instituições
educacionais atuais.
@prender: Qual será o futuro da educação a distância?
FREDERIC: O Brasil é um país que
comporta todas as formas de EAD existentes. Em muitas situações a Internet não
será a melhor opção, nem tampouco será viável. Há comunidades rurais onde o
computador ainda não chegou, mas o ensino a distância sim. Então o país ainda
terá que manter cursos por correspondência, por fitas cassete, por vídeos, pela
televisão aberta (Telecurso 2000), por canais fechados, por videoconferência e
pela Internet. O que está claro para nós da Escola do Futuro é que quem vai
escolher a forma de aprender é o próprio aluno. E as instituições vão ter que
oferecer seus conteúdos de diferentes formas e em diferentes mídias. Novos
atores entrarão nesse cenário e a pluralidade de ações e opções será cada vez
maior. Por exemplo, nos EUA já existem instituições não universitárias,
portanto não credenciadas, inclusive grandes editoras, dando cursos de
pós-graduação e MBA's e emitindo certificados que não são regulamentados, mas
que são muito bem aceitos pelo mercado. Quanto mais as universidades segurarem
o desenvolvimento de novas formas de aprendizagem, mais elas serão substituídas
no cenário educacional por novos atores. mais dinâmicos e contextualizados.
Sejam eles empresas, ONG's, associações, sindicatos, não importa. O que
interessa é a variedade.
@prender: Qual a finalidade da ABED (Associação Brasileira
de Ensino a distância), entidade que o Sr. preside desde 1995?
FREDERIC: A ABED é uma sociedade científica e educacional que conta
atualmente com mais de 1300 associados. Um fenômeno interessante é que a ABED
conseguiu reunir e integrar cinco comunidades distintas, que geralmente não se
falavam. Escolas públicas e privadas de ensino básico; instituições de ensino
superior públicas e privadas; o sistema Senai, Sesc, Sesi, Senac; as
universidades corporativas e os grupos de educação continuada, como as ONG's,
associações e sindicatos. A comunidade científica de pesquisadores em educação
a distância já adotou a ABED como fórum para debates, discussões, atualizações
e apresentações de trabalhos. A educação a distância passa a ser muito
valorizada pela comunidade educacional. A fase de descrédito dos anos 80,
gerada pelos cursos supletivos picaretas, já passou.
@prender: Qual
será o papel do professor e da Escola neste novo paradigma?
FREDERIC: Em primeiro lugar, o aluno é o principal responsável pela sua
própria educação. A vida é dele ou dela, e por isso ele ou ela deve participar
do planejamento da sua atuação na sala de aula. Isso não quer dizer que o aluno
deva ter a palavra final sobre essa questão, mas se o professor não tenta
convencer o aluno sobre a importância, a significância e a utilidade daquilo
que a escola quer que o aluno aprenda, não adianta nada. Não haverá a motivação
apropriada dentro do aluno para conduzir a bons resultados. Em segundo lugar,
sabemos que qualquer pessoa aprende melhor fazendo, atuando, descobrindo
através de ensaios e erros e não através de pura memorização do conhecimento.
Assim, cabe ao professor desenhar atividades a serem realizadas pelos alunos de
tal forma que eles descubram o conhecimento desejável, e não simplesmente
recebam a informação pré-mastigada pelo professor. Terceiro, o professor nunca
deve assumir o papel ou a postura de "dono da verdade". Num mundo tão
complexo e multifacetado como hoje, é melhor ser modesto, um colega do aluno na
procura de conhecimento atualizado e completo, e não alguém que promete ao
aluno a entrega de conhecimento, que rouba do aluno o prazer de descobri-lo.
Quando fizemos uma pesquisa com os alunos que utilizam a Biblioteca Virtual do
Estudante de Lingua Portuguesa (BVB), perguntamos quem havia indicado a BVB
para eles e o professor apareceu em último lugar nas respostas. A exploração de
novos ambientes, a busca e seleção da informação, as tentativas e erros e a
liberdade de ir e vir na construção do conhecimento, são elementos que precisam
estar presentes no processo educacional. Sem essa liberdade e interatividade
não haverá mais prazer e motivação para se estudar. A escola tradicional, que
faz o adestramento de seus alunos, que ensina todos da mesma maneira, é
extremamente nociva para a sociedade. Uma sociedade que vive e busca a
diversidade, em que seus profissionais passam por cinco ou seis diferentes
carreiras durantes suas vidas, não pode ficar a mercê de uma escola adestradora
e castradora. A maior falha no sistema, o ponto mais frágil de toda esta
problemática, encontra-se nas nossas faculdades de educação. Os cursos e as
instituições de ensino que formam nossos professores, não conseguiram ainda
mudar seu paradigma. As faculdades de educação são extremamente conservadoras,
neófobas e corporativas, dificultando qualquer tentativa de inovação. Por
sorte, o MEC abriu a possibilidade de existir uma formação paralela de
professores fora das faculdades de educação, através dos Institutos Superiores
de Educação. Com pessoas e instituições novas assumindo a tarefa de formar
professores, talvez o conservadorismo diminua um pouco.