TRANSGÊNICOS: BIOSEGURANÇA E CIDADANIA
Prof. Dra. Maria Alice Garcia
Depto de Zoologia, IB, UNICAMP
Artigo publicado no Jornal do Engenheiro, ano XIX, São Paulo, agosto de 2000.
Muita confusão e pouca informação chega ao cidadão comum sobre os riscos ambientais e para a saúde associados aos alimentos transgênicos.
A realidade é que a promessa da biotecnologia não se cumpriu na área de alimentos, uma vez que os produtos que hoje chegam ao mercado não trazem qualquer tipo de vantagem em qualidade para o consumidor e tampouco são mais baratos. As possíveis vantagens para o produtor também são questionáveis. Transgênicos não são mais produtivos do que os não transgênicos. Trata-se muito mais de uma corrida comercial. O interesse em recuperar rapidamente os investimentos de grandes corporações e de garantir mercados futuros de sementes faz com que esses produtos sejam emprurrados goela abaixo de governos e da população, atropelando a demanda de pesquisas que garantam a biosegurança, em relação à saúde e meio ambiente, atropelando os debates e a legislação.
Muitos desses produtos, como as sementes modificadas para tolerância a herbicidas, representam o que chamamos de produtos da biotecnologia suja, pois adiciona aos riscos já existentes do uso de agrotóxicos, dos quais continua dependente, os riscos da nova tecnologia, tais como: rápido desenvolvimento de resistência em ervas daninhas, desenvolvimento de super-pragas, invasão de áreas naturais. Da mesma forma, plantas modificadas para produzir seu próprio inseticida, com a adição de genes que as tornem letais para alguns insetos, também podem levar rapidamente à seleção de linhagens de insetos resistentes, ao surgimento de novas pragas, à morte de espécies não alvo, reduzindo a biodiversidade. Podem levar, ainda, a mudanças nos processos de ciclagem de nutrientes após incorporação dos restos culturais ao solo, com implicações imprevisíveis para a fertilidade e outras características da microbiota, da fauna e da flora de agroecossistemas. Como o desenvolvimento de resistência será apenas uma questão de tempo, caso o uso desses transgênicos se generalize, essa tecnologia eliminará uma das importantes ferramentas do controle biológico de pragas, que é o uso, no momento certo, da mesma bactéria de onde foi extraído o gene para modificar as plantas.
Somam-se aos riscos ambientais aqueles relacionados à saúde humana. Esses riscos derivam mais da insegurança a respeito da estabilidade da modificação genética e de sua expressão. Derivam também do fato das modificações genéticas promovidas serem mais complexas do que a inserção de apenas uma característica de um organismo em outro. Genes promotores e marcadores acompanham o gene exógeno a ser inserido. A combinação de efeitos de possíveis modificações de localização desses genes, para a planta e para seres humanos, ainda é uma incógnita. Entre os riscos apontados estão a possibilidade desses genes virem a se inserir em partes do genoma onde promovam a produção de novas substâncias que poderão ser tóxicas ou alergênicas.
É, portanto, plenamente legítima a inquietação dos cidadãos a respeito dos transgênicos. A rotulagem dos produtos é importante mas não oferece respostas a essas inquietações. O que está em jogo é também a responsabilidade dessa geração, incluindo o poder público, em zelar pelas condições do ambiente e de qualidade de vida no presente e das próximas gerações.